O Globo
A pedra que o ministro tenta fazer chegar ao
cume de uma montanha, mas sempre rola ao ponto de partida, é o ajuste fiscal
Tal qual Zeus fez com Sísifo, de acordo com a
mitologia grega, Lula parece ter condenado Fernando Haddad a um trabalho
extenuante física e psicologicamente para que, toda vez que ele esteja chegando
ao objetivo, começar tudo de novo. A pedra que o ministro da Fazenda tenta
fazer chegar ao cume de uma montanha, mas que sempre rola ao ponto de partida,
é o ajuste fiscal.
Se não fosse assim, qual o sentido de o presidente da República, horas depois de ter alta de uma intercorrência gravíssima que o levou a operar a cabeça e deixou todo o país sobressaltado, voltar a dar declarações estéreis sobre a alta dos juros, justamente no domingo que antecederia a última semana útil do ano? Lula considera que o problema de seu governo é de comunicação e está prestes a trocar o ministro responsável pela área, mas não se dá conta de que esses ruídos que causam avalanches muitas vezes partem dele próprio.
O clima em Brasília nesta terça-feira
lembrava uma tirinha da Turma da Mônica tornada célebre na era dos memes de
redes sociais, em que Cascão, Cebolinha, seu pai e o cachorro Floquinho
perambulam desorientados com a pergunta:
— O que está acontecendo?
Ao que os demais, em pânico, respondem:
— Eu não sei.
Diante de um dólar que mais lembrava uma
febre que não cedia nem diante do mais potente antibiótico e de um Congresso
que insistia em fazer jogo duro mesmo depois de o governo “entregar tudo”, como
confessou um palaciano, ninguém parecia ter a solução para assegurar a votação
do pacote de corte de gastos sem que fosse completamente desidratado e, em
seguida, a volta do câmbio a um patamar de racionalidade. A concomitância das
duas crises levou integrantes do governo a entender que o mercado resolveu declarar
guerra definitivamente contra o governo, para o que a fala de Lula ao
Fantástico, da TV Globo, foi a gota d’água.
Da mesma maneira, a fome infinita dos
deputados e senadores, mesmo depois da liberação de mais de R$ 7 bilhões em
emendas e de nomeações a rodo para cargos em agências e outros postos
cobiçados, levava à análise segundo a qual, assim como os instrumentos à
disposição do Banco Central para regular o câmbio falharam, também na
articulação política os remédios de sempre já não têm efeito.
Compreensível o inconformismo com a
“chantagem” nas duas frentes, como insistem em classificar ministros,
assessores e líderes governistas. Mas não será possível, sob pena de o trabalho
de Sísifo se repetir indefinidamente até o fim do mandato, eximir o próprio
governo de suas responsabilidades pelo quadro desnecessariamente agudo deste
final de 2024.
A necessidade de um pacote que equalizasse os
gastos e tornasse crível o arcabouço fiscal que o próprio Haddad desenhou e o
Legislativo aprovou foi primeiramente enunciada pelo próprio ministro, ainda no
curso do processo eleitoral.
Ele foi empurrado com a barriga por um Lula
que fez questão de tornar a tarefa de seu ministro mais pesada, ao abrir a
questão para um desgastante e infindável debate interno, em que outros
ministros se agarram com unhas, dentes e declarações na imprensa aos recursos
de suas pastas.
Quando finalmente, já perto das 12 badaladas,
um pacote claramente aquém do esperado, mas que foi o possível de arrancar de
processo tão caótico, finalmente foi ao Congresso, em vez de todos remarem na
mesma direção para aprová-lo, acontece o contrário: cada um atrapalha quanto
pode com pitacos, muxoxos, articulações por baixo dos panos para arrancar nacos
das propostas e, finalmente, Lula vai lá e volta a dar declarações desastradas.
Se a ideia era tornar tudo mais nebuloso e
muito mais caro, funcionou à perfeição. Mas, aparentemente, o governo ainda
quer aprovar as propostas, como mostram vários relatos de que Haddad não sai do
telefone há dias, colocando a própria pele em jogo para isso. Sem ajuda, sua
tarefa não será mais bem-sucedida que a do herói mitológico com a mais inglória
de todas.
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