terça-feira, 17 de dezembro de 2024

O Brasil tem medo de crescer? - Ingo Plöger*

Valor Econômico

Produtividade da economia brasileira é subestimada

Desde 2021, o Brasil tem crescido acima de todas as previsões de instituições brasileiras e internacionais. Em artigos no Valor, tenho alertado sobre tal pessimismo e perguntado: por que estamos errando sempre para baixo? Para 2025, as instituições preveem um crescimento de 2,2% do PIB do Brasil. Novamente, temos a chance de errar para baixo. A pergunta insistente é: por que não temos a capacidade de aprender com os nossos erros? O que não conseguimos enxergar, ou insistimos em errar? Eis algumas hipóteses para este comportamento.

a) Subestimamos a produtividade nacional

A produtividade brasileira tem crescido ano após ano, tanto nos serviços, quanto na indústria e no agronegócio. Esta produtividade é medida pelos fatores de produção não monetizados, ou seja, é o aumento sucessivo da produção medido por fatores relacionados ao tempo, à área, aos insumos, à energia, à unidade de trabalho, enfim à eficácia do trabalho.

Na teoria econômica neoclássica, se mede a produtividade pela poupança, investimento, razão capital-trabalho colocando os EUA como o indicador referência. Esta forma de medir parte do pressuposto que todos os países têm uma estabilidade de moeda comparável aos EUA e que as estruturas produtivas são idênticas. Esta forma de medir está superada, altamente imprecisa e incompleta. Atualmente, temos indicadores interempresariais ou setoriais que nos possibilitam realizar comparativos precisos e contundentes.

b) A competitividade relativa nos coloca em melhores condições

Enquanto a produtividade deve ser medida pelos fatores de produção não monetizados, a competitividade necessita da monetização. É ela que nos dá a correta posição relativa dos produtos e serviços nos mercados de competição internacional. Enquanto a produtividade tem dado saltos grandes no Brasil, no sentido contrário, a competitividade tem apresentado índices baixos por causa da valorização da moeda brasileira desde o Plano Real. Políticas monetárias observam o fortalecimento da moeda como um indicador favorável (porque combate a inflação), mas, na realidade, coloca a indústria de transformação sob uma imensa pressão internacional por causa de importações mais baratas e as exportações fora do alinhamento de seus preços. Porém, o Brasil achou seus elementos de competitividade dentro da sua vocação na economia tropical - com vantagens comparativas fortes nas cadeias produtivas de alimentos, produtos agroindustriais, energias sustentáveis etc.

c) A origem da inflação difere o tratamento e o combate

Até então, a inflação brasileira tinha todas as características de inflação de demanda. Na era pós-covid, no mundo e também no Brasil, sofremos uma inflação de oferta forte, diferente da de demanda. Somente na década de 1970 tivemos esta experiência. Muitos países fizeram o combate menos pelos juros, mais por políticas estratégicas de suprimentos e de cadeias produtivas. De alguns tempos para cá, o combate à inflação é dado pelo Banco Central como se fosse de demanda, ignorando os componentes de oferta. Isso porque não há uma coerência de políticas monetárias e fiscais. No Brasil, a inflação de oferta não deve ser combatida com juros elevados, mas com políticas ajustadas às realidades de suprimentos estratégicos nacionais e globais.

O Brasil teria um crescimento ainda maior se houvesse harmonia entre o Banco Central e a Fazenda. O carregamento das reservas brasileiras é negativo ao erário, enquanto em países democráticos as reservas financiam fundos soberanos ou outros instrumentos para equilibrar deficiências estruturais, com elementos de desenvolvimento sustentável. No Brasil, o fator de indexação inflacionário tem um impacto maior no poder público do que no privado. Embora distorça fortemente o nosso desenvolvimento, as cadeias produtivas competitivas relacionadas à economia tropical conseguiram se superar, dependendo menos dos juros aplicados no Brasil.

d) O trabalho “semiformal” é uma característica brasileira

O desemprego vem caindo ano após ano. Os economistas alertam que podemos estar chegando próximo ao pleno emprego, o que geraria inflação. Mas o “semiemprego” no Brasil é uma realidade pouco considerada, que pode alcançar, dependendo do indicador utilizado, entre 20-35% da população ativa. O empreendedorismo aumentou o fator do “semiemprego”, onde o formal e o informal se encontram na mesma pessoa, aumenta a renda e inclui grupos como famílias no processo produtivo. O Bolsa Família, por sua vez, trouxe às regiões de maior incidência, desde a sua criação, um crescimento do PIB de 1 a 2% acima da média nacional, pelo efeito da demanda local ser ativada sem preços subsidiados. O efeito do “semiemprego” nestas circunstâncias não pode ser subestimado. O empreendedorismo formal ou informal combinado com a formalidade compõem uma massa crescente. Por outro lado, outras formas de trabalho, especialmente na área de serviços digitais, nem sempre são completamente aferidas, mas geram renda.

e) As transferências de capital, o crédito e as alavancagens

O Brasil é um país pouco alavancado, se comparado com outros países de moeda estável (considero os últimos 30 anos uma estabilidade de nossa moeda). Mas isto não se reflete no montante do crédito ao consumidor ou ao empreendedor. O risco ao crédito dado pelos agentes privados e públicos à pessoa física e ao empreendedor é elevado demais e se rebate nos juros aplicados. Como reflexo, o volume de crédito concedido é muito mais baixo do que nos países desenvolvidos, não pela inadimplência, que é similar à deles. De fato, os juros elevados demais são um inibidor de crescimento, porém há mecanismos que os empreendedores buscam pelo capital próprio ou com seus fornecedores, nacionais ou internacionais, aproveitando os baixos juros internacionais.

As hipóteses apresentadas não são completas nem perfeitas, mas podem nos levar a melhorar as nossas visões para que possamos fazer previsões mais próximas à realidade. Com isso, seremos capazes de aproveitarmos melhor as oportunidades e melhorarmos a nossa percepção do risco real. Por fim, vale lembrar que o fato de o Brasil não ter o “investment grade” não é de todo objetivo, se considerarmos países que o possuem e seus indicadores são muito aquém dos do Brasil. Na próxima semana, continuaremos com esta conversa.

*Ingo Plöger é empresário brasileiro, vice-presidente da ABAG e Presidente do Conselho Empresarial da América Latina (Ceal).

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