Tarcísio comete seu maior erro na segurança pública
O Globo
São Paulo se destacava por combate ao crime
com baixa letalidade policial. Atual governo marca uma inflexão
Questionado sobre a crise na polícia do
estado, o governador de São Paulo, Tarcísio de
Freitas (Republicanos), respondeu: “Olhe os números”. Não se
poderia esperar conselho mais oportuno. Tarcísio terá muito a ganhar quando
seguir o próprio conselho e reconhecer os erros da política de segurança
pública que ele e seu secretário Guilherme
Derrite têm adotado. De janeiro a dezembro, a PM paulista matou
712 pessoas, segundo dados do Ministério Público — o dobro do registrado no
mesmo período de 2022. Diversos episódios recentes formam um quadro
preocupante.
É preciso reconhecer que, durante mais de
duas décadas, São Paulo se destacou pelos melhores índices brasileiros na
segurança pública. Sucessivos governos reduziram a criminalidade, ao mesmo
tempo que baixavam a letalidade policial. Estrutura de comando e
profissionalismo estiveram sempre entre as metas da polícia. E a maioria dos
policiais do estado continua a desempenhar trabalho competente, preocupado com
a segurança dos cidadãos. Mas a chegada de Tarcísio e Derrite marcou uma
inflexão.
Desde o início, Tarcísio foi ambivalente sobre o uso de câmeras corporais, equipamento que, como revelou reportagem do Fantástico, protege não apenas o cidadão de agressões, mas os próprios policiais de acusações indevidas. A influência de Derrite, presente nas forças táticas, tem sido nefasta. Quando o comando é leniente com a truculência, os policiais mais violentos se sentem livres para agir sem freios.
No mês passado, um menino de 4 anos morreu em
Santos, alvejado por projétil da polícia. Um estudante de medicina desarmado
foi morto após dar tapa no retrovisor de uma viatura. Um homem de 26 anos levou
11 tiros nas costas depois de furtar sabão em pó num mercado. No ano passado, a
polícia promoveu na Baixada Santista a operação que resultou em mais mortos
desde o massacre do Carandiru: 36, incluindo vários inocentes. No caso mais
recente, um policial jogou um homem de uma ponte (ele sobreviveu). Em todos esses
casos, quando fardados, as câmeras estavam desligadas. Abusos só vieram a
público por denúncias, imagens de terceiros ou de vigilância.
Olhando para os números, não há relação entre
a polícia matar mais e o crime diminuir. As polícias mais letais são as de
Amapá e Bahia, estados com as maiores taxas de homicídios. Apesar disso, a
linha dura tem sido a política de Tarcísio e Derrite. O governo paulista
destaca que os homicídios caíram no estado em 2023 e continuam em queda. Mas
essa é uma tendência nacional há anos. Em cidades do interior do estado, houve
aumento nos assassinatos. Roubos e furtos de celular caíram menos que em
Tocantins, Rondônia ou Mato Grosso. Lesões corporais dolosas e estupros não
pararam de subir.
A tolerância com a letalidade policial não é
apenas ineficaz. É contraditória, pois os responsáveis por fazer cumprir a lei
se tornam suspeitos de crimes. Além de moralmente inaceitável, uma polícia sem
respeito por protocolos é a semente de milícias e da corrupção. A suspeita de
envolvimento de policiais na execução de um delator no aeroporto de Guarulhos é
estarrecedora.
Forças policiais precisam estar preparadas para embates violentos contra criminosos sempre que necessário. Mas é um engano concluir que abusos ajudem. Tarcísio tem na segurança pública o ponto mais fraco de seu projeto político. Deveria acordar para isso.
Não tem cabimento aumentar passageiros no
Santos Dumont
O Globo
Ideia em gestação no governo violaria acordo
e traria de volta desequilíbrio insustentável aos aeroportos cariocas
É um despropósito a ideia em gestação no
governo federal de autorizar aumento na quantidade de passageiros do Aeroporto
Santos Dumont, no Centro do Rio, a partir de 2025. A medida violaria o acordo
costurado no ano passado para equilibrar o movimento nos aeroportos cariocas,
evitando o esvaziamento do Tom Jobim/Galeão e a saturação do terminal
doméstico. Para a Infraero, estatal que administra o Santos Dumont, pode até
ser vantagem arrecadar mais com mais passageiros. Mas seria um erro. O
funcionamento dos aeroportos do Rio precisa ser encarado de forma complementar,
como noutras cidades e países, e não de maneira isolada.
Atualmente, há um limite de 6,5 milhões de
passageiros por ano no Santos Dumont. Foi esse limite que levou companhias
aéreas a transferir voos para o Galeão, dando nova vida ao terminal
internacional — ele tem voltado a funcionar como um centro de conexão
necessário não apenas para o Rio, mas para todo o Brasil. A despeito das
evidências de que a limitação tem sido bem-sucedida, o secretário nacional de
Aviação Civil, Tomé Franca, afirma que os resultados ainda serão avaliados e se
mostra favorável à ampliação. O governo deveria descartá-la de imediato, tantos
são os fatos em contrário.
Antes da restrição, em vigor desde janeiro, o
terminal doméstico chegou a registrar movimento de mais de 11 milhões de
passageiros, um absurdo levando em conta suas condições. Até então havia um
desequilíbrio insustentável entre os aeroportos do Rio. O Galeão, com
excelente infraestrutura e
capacidade para 35 milhões de passageiros, vivia às moscas, pondo em risco os
vultosos investimentos públicos e privados no terminal ao longo de décadas.
Enquanto isso, o Santos Dumont, com capacidade declarada de 9,9 milhões e
óbvias limitações físicas, vivia lotado. Isso se traduzia em intermináveis
filas no saguão, trânsito parado no entorno e atrasos recorrentes em voos. O
desequilíbrio afetava a economia fluminense e o turismo do Rio, porta de
entrada de estrangeiros no país.
A restrição no Santos Dumont mostrou-se
eficaz. Estima-se que, em 2024, o número de passageiros no Galeão deverá bater
14,2 milhões, alta de 80% em relação a 2023. Projeta-se também recorde de
viajantes internacionais (4,6 milhões). O plano da concessionária RIOgaleão
para 2025 é chegar a 16 milhões de passageiros. Nos últimos meses, 12 novos
destinos nacionais se somaram aos 14 existentes, e novas rotas internacionais
estão em implantação. A fixação do limite fez aumentar o total de passageiros
dos dois aeroportos (até outubro, a alta foi de 4,4%).
Por tudo isso, não faz sentido quebrar o
acordo feito no ano passado, sob a chancela do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva e do ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho. Não é razoável
desmontar uma regra bem-sucedida tanto para conter a deterioração do Galeão
quanto para dar mais conforto e segurança a quem usa o Santos Dumont. É
fundamental impedir que a Secretaria de Aviação Civil, a Infraero e os lobbies
do setor imponham um retrocesso aos aeroportos do Rio.
STF acerta em aprimorar transparência de
emendas
Valor Econômico
Garantida a transparência que todos devem ter com o dinheiro público, será preciso rediscutir no futuro o montante destinado às emendas parlamentares
A lei sancionada pelo presidente Luiz Inácio
Lula da Silva para atender às exigências do Supremo Tribunal Federal (STF),
sobre a transparência das emendas parlamentares, após acordo entre os três
Poderes, deixou a desejar. O ministro Flávio Dino, do STF, acrescentou novos
pontos, apoiados pela maioria da Corte, vários corretos, e o Congresso agora
ameaça se insurgir contra elas. Tem na mão o bloqueio da tramitação de projetos
fundamentais para o país, começando pela reforma tributária e o pacote fiscal do
governo. Evitar pontos mínimos constitucionais (transparência, impessoalidade e
publicidade) macula a imagem do Legislativo, que deveria aceitar as sugestões
ou discuti-las sem travar votações em um tempo que já se afigura exíguo, perto
do fim no ano parlamentar.
Lacunas no projeto aprovado pelos
parlamentares têm sido apontadas desde o início da tramitação, apesar das
negociações em paralelo entre o Congresso, o governo e os próprios ministros do
STF para alcançar um consenso e resolver o impasse que levou à suspensão dos
pagamentos das emendas em agosto. A Comissão do Orçamento do Senado afirmou, em
nota técnica, durante as discussões, que o projeto não atendia a “praticamente
nenhuma das exigências colocadas” pelo Judiciário. Após a sanção, as ONGs
Transparência Brasil, Transparência Internacional e Contas Abertas emitiram
comunicado conjunto alertando que “o modelo aprovado trazia o risco de se
repetirem as mesmas dinâmicas do orçamento secreto”, que o STF tenta extinguir,
sem sucesso, desde 2022.
As alterações feitas por Dino são
fundamentadas. No caso das emendas de comissão, por exemplo, o projeto aprovado
pelo Congresso determinava que elas precisariam identificar de “forma precisa
seu objeto”, mas limitava sua proposição a líderes partidários, obscurecendo a
autoria real. O magistrado determinou que os parlamentares sejam nominalmente
identificados e abriu a possibilidade de que essa identificação possa ser feita
por qualquer membro da comissão.
Nas emendas Pix, com as quais se enviavam
recursos a governos estaduais e municipais sem indicar seu autor e sua
finalidade, o STF exigiu que planos de trabalho, com objeto e prazos para os
projetos beneficiados, sejam apresentados antes do pagamento dos recursos - não
depois, como prevê a lei - e aprovados pelo Executivo.
Já as emendas para a saúde terão de observar
indicações técnicas do gestor federal, além de serem aprovadas nas comissões
bipartite e tripartite do Sistema Único de Saúde (SUS), fortalecendo políticas
públicas já estruturadas.
A reação do Congresso veio em forma de ameaça
de bloqueio ao pacote fiscal recentemente apresentado pelo Palácio do Planalto,
acusado de fazer dobradinha com Dino, no Supremo. Para apaziguar a insatisfação
geral entre os parlamentares, o governo anunciou a liberação do pagamento de R$
7,8 bilhões em emendas individuais e de bancada estadual nos próximos dias. A
Advocacia-Geral da União (AGU) foi acionada e apresentou pedido ao Supremo para
que as novas regras fossem reconsideradas.
Ainda assim, houve dificuldade para se obter
as assinaturas necessárias para protocolar as urgências de medidas propostas
pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para diminuir o déficit público. Em
recado claro ao Judiciário, mas sem citar Dino expressamente, o presidente da
Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), afirmou que tribunais jamais
deveriam legislar e que a decisão do ministro causava “intranquilidade
legislativa” a menos de três semanas do início do recesso parlamentar.
A independência dos Poderes deve ser
respeitada e não cabe ao Supremo aprimorar leis que seguiram trâmite
legislativo regular, mas Dino manteve-se dentro dos limites de sua decisão de
agosto, quando suspendeu o pagamento das emendas. O Congresso falhou ao aprovar
uma lei que claramente não atendia às exigências de transparência e
rastreabilidade feitas pelo STF para continuar a enviar, sem escrutínio
público, somas que não param de crescer e chegarão a exorbitantes R$ 50 bilhões
em 2025.
A indignação de deputados e senadores é ainda
mais descabida diante dos relatórios da Controladoria-Geral da União (CGU), que
mostram falta de transparência, senso de prioridade, direcionamento fora dos
padrões legais e falhas na execução das emendas enviadas pelos parlamentares
desde 2020, quando o Congresso se aproveitou da omissão do governo de Jair
Bolsonaro para abocanhar uma grande fatia do orçamento público.
Garantida a transparência que todos devem ter
com o dinheiro público, será preciso rediscutir no futuro o montante destinado
às emendas parlamentares. Não há paralelo no mundo ao que ocorre hoje no
Brasil, como mostra recente estudo que compara a situação nacional com a de 11
países da OCDE. É legítimo que os parlamentares tenham o poder de destinar
recursos para suas bases e para atender prioridades de seus eleitores, mas os
atuais níveis de controle do Congresso sobre o orçamento desequilibraram o jogo
em detrimento do Executivo.
Tarcísio e instituições têm de conter
selvageria policial
Folha de S. Paulo
Acumulam-se casos de desprezo pela vida e
despreparo na PM paulista; letalidade saltou na gestão do secretário Derrite
Antes fossem casos isolados as cenas recentes
de violência injustificável
da Polícia
Militar de São Paulo,
como tergiversa o secretário da Segurança Pública, Guilherme
Derrite. Mas não: o próprio governador Tarcísio de
Freitas (Republicanos), que o escolheu, teve de considerar
absurdo o ocorrido sob seu comando.
Melhor dizendo, falta de comando. Derrite —um
ex-integrante da Rota, tropa da PM historicamente conhecida pela letalidade—
estimula a convicção de impunidade entre os subordinados ao enfraquecer o uso
de câmeras nas fardas dos agentes, privilegiar oficiais daquela unidade
violenta e suspender o afastamento das ruas de profissionais envolvidos em
mortes.
O atual governo paulista põe assim em
retrocesso décadas de iniciativas para conter a letalidade policial. A sucessão
de mortes arbitrárias por PMs fora de controle, no espaço de um mês, apenas
coroa a escalada de violência iniciada com a nomeação de Derrite —deputado
eleito pelo PL que
faz da apologia à linha-dura o esteio de sua carreira política.
Em 3 de novembro, Gabriel da Silva Soares,
26, foi morto pelas costas. Dois dias depois, foi abatido
Ryan da Silva Andrade Santos, 4. No dia 20, morreu o estudante Marco
Aurélio Cardenas Acosta, 22, com um tiro no ventre. Nesta semana veio a cena
hedionda do rapaz jogado da ponte.
"Um erro
emocional", assim qualificou a tentativa de homicídio o
comandante da PM, coronel Cássio Araújo de Freitas. De pouco vale anunciar
apuração rigorosa quando se emite mensagem amenizadora como essa; a tropa
entenderá que não foi tão grave.
Por essa via jamais se lancetará o tumor à
vista de todos: a PM exibe atitudes de desprezo pela vida e inacreditável falta
de preparo. Para corrigir a deformação ética e técnica da corporação urge
desarticular, no poder público e na sociedade, a noção falaciosa de que se
combate o crime dando carta branca para soldados alvejarem, espancarem ou
torturarem quem bem entenderem.
O exemplo precisa vir de cima. Se Tarcísio
ora repudia a violência pontual, cumpre recordar que não deu as devidas mostras
de preocupação ante denúncias de violações de direitos humanos na Operação
Verão (56 mortes de civis), neste ano, precedida no
semestre anterior pela Operação Escudo (36 mortes).
A lógica truculenta fica evidente na
tentativa de Derrite de justificar-se com estatísticas como a redução de 2,9%
em homicídios dolosos, para 2.065 de janeiro a outubro (tendência de queda que
precede sua gestão). Argumento deplorável, quando se sabe que as mortes por
policiais em serviço ou não subiram 55% no ano até setembro, para 580 casos.
Há que pôr cobro à mortandade. Obrigar PMs a
manter ligadas câmeras nas fardas é o mínimo. Contudo, sem maior empenho da
Corregedoria, do Ministério
Público e da Justiça em apurar e punir excessos, a marcha da
selvageria seguirá desimpedida.
Democracia da Coreia do Sul resiste ao caos
político
Folha de S. Paulo
Presidente fracassa ao tentar impor lei
marcial sem fundamento e rejeitada pelo Congresso; instabilidade deve continuar
Golpes de Estado, regimes de exceção,
militares tutelando a sociedade. Nada disso é novidade nos 76 anos da Coreia do Sul,
país usualmente associado a inovação tecnológica, pujança industrial e alto
nível de educação de sua sociedade.
Lá, a democracia só começou no fim dos anos
1980, levando um tempo para que fosse normalizada, com alternância entre
conservadores e liberais no poder.
Seus instrumentos, contudo, se mostraram
eficazes para conter o que parece ter sido uma tentativa bizarra de autogolpe
tentada pelo presidente Yoon Suk Yeol na terça-feira (3).
Em um pronunciamento inesperado, o político
conservador deixou atônitos cidadãos e o mundo ao anunciar a decretação de lei
marcial e a constituição, por parte das Forças Armadas, de um comitê para
implementar suas medidas.
O cardápio era o usual: suspensão de direitos
civis, cancelamento das atividades políticas no Legislativo, supressão da
liberdade de imprensa. A medida era constitucional, mas as desculpas, não.
Além de críticas inespecíficas à oposição,
foi alegada uma algo esotérica acusação de que os rivais estavam a serviço
da ditadura norte-coreana.
Os militares obedeceram e, ato contínuo,
invadiram o Parlamento. Enfrentaram assessores armados com extintores de
incêndio e, do lado de fora, se acotovelaram com manifestantes, que se
acumularam aos milhares na congelante madrugada de Seul.
A calma prevaleceu. Quando conseguiu reunir
quórum, a oposição aprovou a derrubada da ação canhestra de Yoon. Sem
pestanejar, os mesmos soldados que tinham ordem para prender deputados foram
embora, dado que a manobra do Legislativo era igualmente constitucional.
Algumas horas se passaram até o
presidente aquiescer e recuar. Pesou a posição legalista dos EUA,
principal parceiro de Seul.
Yoon foi eleito em 2022 com vantagem de 0,73
ponto sobre o liberal Lee Jae-myung, que liderou a resistência agora. Em abril
deste ano, o presidente perdeu o controle do Parlamento, onde sua sigla tem 108
deputados, e a do rival, 170, além de 22 aliados.
De lá para cá, o governo foi acossado pelo
Legislativo, com pedidos de impeachment de procuradores fiéis e o travamento do
debate sobre o Orçamento. O drama não acabou. O mandatário
já enfrenta pedido de impedimento e protestos nas ruas.
Se tudo isso é lamentável, a reação institucional à crise mostra vigor da jovem democracia sul-coreana. O Estado de Direito resiste ao caos político.
Brutalidade como política de segurança
O Estado de S. Paulo
Tarcísio já avisou que não demitirá Derrite,
mas deveria, pois o secretário, afastado da Rota por excesso de violência, é
naturalmente incapaz de refrear a selvageria de PMs
A propósito do caso de um policial militar
(PM) que jogou um suspeito de uma ponte, caso flagrado num vídeo que chocou o
Brasil, o secretário de Segurança de São Paulo, Guilherme Derrite, declarou:
“Não vamos tolerar nenhum tipo de desvio de conduta de nenhum policial no
Estado de São Paulo”. Considerando que o próprio Derrite foi afastado da Rota,
a elite da Polícia Militar, por desvio de conduta (em suas próprias palavras,
“porque eu matei muito ladrão”), é muito difícil acreditar na advertência do secretário.
Ao contrário: ao que parece, a julgar pelos diversos casos de violência
policial documentados em imagens revoltantes nos últimos dias, e também pelo
aumento considerável da letalidade da PM em São Paulo, a conduta esperada dos
policiais paulistas pelo secretário de Segurança talvez seja a de tratar
suspeitos como bandidos – ou, pior, como seres sub-humanos, que não merecem nem
direitos nem respeito e podem ser jogados de pontes como objetos inanimados.
Sendo assim, e não há razão para acreditar
que não seja, é o caso de perguntar por que motivo o sr. Derrite continua à
frente da Secretaria da Segurança de São Paulo. Pior: não apenas continua,
como, mesmo diante da comoção causada pelas imagens de truculência policial,
consta que o sr. Derrite já está sendo cogitado como candidato ao governo do
Estado ou ao Senado. Ou seja, julgam, ele e seus padrinhos políticos, que a
violência desenfreada da PM lhe dará votos para cargos majoritários, tendo em
vista que a segurança pública é a preocupação número um de muitos eleitores,
como ficou claro na recente eleição municipal.
Não parece haver motivo, portanto, para que o
sr. Derrite puna maus policiais como ele um dia foi. O secretário que afetou
indignação com os evidentes desvios de conduta de policiais retratados em
imagens é o mesmo que celebrou o “sucesso” de operações policiais que deixaram
dezenas de mortos na Baixada Santista desde o ano passado e que são alvo de
diversas denúncias de abusos.
A solução, portanto, não é afastar um punhado
de policiais que deram o azar de ser flagrados em imagens revoltantes. A
solução é afastar o secretário de Segurança que estabeleceu a truculência como
método – e que por isso mesmo não gosta das câmeras nos uniformes da polícia.
Os policiais militares não podem continuar a ter como chefe e inspiração um
ex-PM que se orgulha de ter matado muitos suspeitos e que considera
“vergonhoso” um policial que não tenha “três ocorrências” de suspeitos mortos a
tiros no currículo.
Infelizmente, contudo, o governador Tarcísio
de Freitas já informou que não pretende demitir o sr. Derrite, considera que os
casos em questão são apenas “exceções” e convidou a sociedade a ver os números
da segurança pública sob esta administração para justificar sua decisão. De
fato, conforme as mais recentes estatísticas, houve queda nos índices de
homicídio, roubos e furtos, mas houve aumento de latrocínios e de lesão
corporal seguida de morte. De todo modo, nenhum desses dados indica alguma
tendência, nem de alta nem de baixa. Já o número de mortos pela polícia
disparou: a PM matou 496 pessoas entre janeiro e setembro, o maior índice desde
2020. Há aí, portanto, um padrão – mas o próprio governador paulista já disse,
em outra ocasião, que não está “nem aí” para as denúncias de abusos policiais.
Cada dia que o sr. Guilherme Derrite
continuar à frente da Secretaria da Segurança Pública sinalizará à sociedade
que, para o atual governo de São Paulo, vale tudo em nome de um suposto combate
ao crime, até mesmo jogar um suspeito de uma ponte durante uma abordagem
policial de rotina, matar uma criança de 4 anos durante uma suposta troca de
tiros com criminosos, desferir um tiro fatal à queima-roupa em um estudante que
deu um tapa no retrovisor de uma viatura ou executar outro suspeito com 11
tiros nas costas porque ele teria furtado pacotes de material de limpeza em um
supermercado.
A teimosia do governo Lula
O Estado de S. Paulo
Liberar o uso do saldo financeiro de fundos
públicos para gastos com outras finalidades é mais uma medida do pacote fiscal
do governo Lula da Silva a ampliar a desconfiança dos investidores
O governo de Lula da Silva quer usar os
recursos do saldo financeiro de oito fundos públicos, estimado em R$ 39 bilhões
no ano passado, da forma como melhor lhe aprouver no período entre 2025 e 2030.
O dispositivo consta de um projeto de lei complementar enviado pelo Executivo
ao Congresso e permitirá a “livre aplicação” do superávit gerado pelos fundos,
destinando recursos cuja aplicação é mais restrita – e que, por isso,
permaneciam no caixa do Tesouro – para outras finalidades.
A proposta alcança o Fundo de Defesa de
Direitos Difusos (FDD), o Fundo Nacional Antidrogas (Funad), o Fundo da Marinha
Mercante (FMM), o Fundo Nacional de Aviação Civil (Fnac), o Fundo Nacional de
Segurança e Educação de Trânsito (Funset), o Fundo do Exército, o Fundo
Aeronáutico e o Fundo Naval.
Atualmente, o dinheiro desses fundos, quando
não é gasto, ajuda a reduzir o déficit primário. Da forma como foi escrito, o
texto possibilita o uso do dinheiro para três finalidades: abater a dívida
pública, o que seria o correto; pagar despesas primárias, o que seria
discutível; e repassar para bancos públicos, o que seria condenável.
O Ministério da Fazenda sustentou que o saldo
será usado para abater a dívida pública. Ao jornal Valor, a pasta
justificou não haver a necessidade de explicitar essa informação no projeto de
lei e disse que ela poderá ser incluída no texto ao longo da tramitação, caso
os parlamentares considerem necessário – algo que parece evidente.
Incluir essa informação na proposta antes de
enviá-la ao Congresso teria sido uma iniciativa muito positiva e pouparia
desgastes adicionais, haja vista que administrações petistas são pródigas em
recorrer a medidas parafiscais para financiar políticas públicas. Foi assim,
por exemplo, que Lula da Silva, em seu segundo mandato, e Dilma Rousseff
turbinaram o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social.
O fato de o governo não ter se antecipado aos
mais que previsíveis questionamentos de especialistas sobre as brechas abertas
pelo dispositivo mostra que a equipe econômica ainda não compreendeu que o
cenário com o qual trabalhava não existe mais. Ao frustrar as expectativas que
ele mesmo alimentou a respeito do pacote fiscal, o governo deu motivos para que
o câmbio ultrapassasse a marca de R$ 6,00, a curva futura de juros atingisse
14% e o Ibovespa despencasse.
O pacote tem medidas estruturais duras, entre
elas mudanças no Benefício de Prestação Continuada (BPC) que dificultarão a
concessão do auxílio a pessoas com deficiência, como apontou artigo da senadora
Mara Gabrilli (PSD-SP) publicado no Estadão. Mas o fato é que o plano
ficou marcado pelo anúncio da isenção do Imposto de Renda para quem ganha até
R$ 5 mil mensais, medida confirmada por ninguém menos que o ministro Fernando
Haddad em cadeia nacional de rádio e TV. Além de representar uma renúncia de
receitas relevante em um governo que diz almejar zerar o déficit fiscal,
desonera uma parcela da população que muito provavelmente gastará o dinheiro em
vez de poupá-lo.
Ainda que a proposta tenha que ser aprovada
pelo Legislativo para entrar em vigor, e a despeito das sinalizações de Arthur
Lira (PP-AL) e de Rodrigo Pacheco (PSD-MG) de não haver pressa para analisá-la,
é inegável que ela tem o potencial de aumentar a inflação – e, portanto, já
impulsiona as expectativas de inflação.
Não à toa, a aposta majoritária dos
investidores para a próxima reunião do Comitê de Política Monetária do Banco
Central é de um aumento de 0,75 ponto porcentual na taxa básica de juros.
Entender o motivo dessa reação, em vez de atribuí-la à má vontade do mercado
com administrações petistas, seria muito útil no urgente trabalho de contenção
da piora das expectativas.
A decepção gerada pelo esvaziado pacote
fiscal não explica, sozinha, a queda nos preços dos ativos do mercado. Também
por fatores externos, como a eleição de Donald Trump nos EUA, dificilmente o
câmbio voltará ao patamar de R$ 4,90 do fim do ano passado, mas a cotação do
dólar pode recuar a depender dos próximos passos. O maior risco é o de perda de
credibilidade da equipe econômica, ainda menosprezado pelo governo Lula da
Silva.
Síria em transe
O Estado de S. Paulo
Após um período de dormência, a guerra
irrompeu, e o que era ruim pode ficar pior
Na semana passada, enquanto o mundo celebrava
a trégua entre Israel e o Hezbollah, o Oriente Médio comprovou mais uma vez sua
capacidade de surpreender. Em questão de dias, forças rebeldes na Síria
capturaram mais de 80 cidades, incluindo Aleppo, a segunda maior cidade síria.
A reviravolta, que tem relação direta com os desdobramentos em Gaza e no
Líbano, reaqueceu a guerra civil iniciada em 2011, dissolvendo linhas
congeladas desde 2020. A Síria está de novo à beira de mergulhar no caos, ou
melhor, de mergulhar mais fundo no caos, que pode tragar o Levante.
Em 13 anos, 600 mil sírios foram mortos, 13
milhões foram deslocados e 6,8 milhões fugiram do país. Dos 15 milhões
remanescentes, 90% vivem na miséria.
A composição que vigorava desde 2020
resultava do equilíbrio entre três forças: o regime de Bashar al-Assad, apoiado
por Rússia e Irã; as Forças Democráticas Sírias (SDF, na sigla em inglês),
apoiadas pelos EUA no nordeste; e milícias apoiadas pela Turquia no noroeste.
Após o início da guerra, Al-Assad e seus
aliados levaram quatro anos para reconquistar Aleppo. Que tenha sido perdida em
quatro dias dá a medida da vulnerabilidade do regime. Com a Rússia concentrada
na Ucrânia e Irã e Hezbollah debilitados pelos golpes de Israel, os rebeldes
farejaram sangue nas águas e atacaram.
Seria tentador celebrar a humilhação de
Al-Assad, um ditador corrupto que promoveu massacres hediondos contra seu povo.
Mas no Oriente Médio o inimigo de seu inimigo nem sempre é seu amigo, e as
forças que capturaram Aleppo não são amigas da democracia.
A ofensiva foi liderada pelos jihadistas do
Hayat Tahrir al-Sham (HTS), outrora afiliados a Al-Qaeda, em uma coalizão com o
Exército Nacional Sírio (SNA) apoiado pela Turquia, que até então, após um
acordo com a Rússia, vinha moderando sua agressividade. As SDF também tentam
expandir territórios em Aleppo.
Essas forças comungam do ódio a Al-Assad, mas
têm conflitos entre si. O maior interesse da Turquia é reprimir forças curdas,
como as das SDF, que pleiteiam um Estado nacional, o Curdistão, envolvendo
territórios da Turquia, Irã, Iraque e Síria. As relações entre o SNA e o HTS
são marcadas por disputas ideológicas e territoriais. Por ora, todos puseram
suas diferenças de lado, mas Deus sabe como as dirimirão quando a poeira
baixar. Se baixar, já que os aliados de Al-Assad, mesmo distraídos, não o
abandonarão.
Em seu primeiro mandato como presidente dos
EUA, Donald Trump retirou tropas do norte da Síria, favorecendo posições russas
e viabilizando ofensivas turcas contra os curdos. Cerca de 900 soldados foram
mantidos para auxiliar os curdos a defender zonas petrolíferas contra o Estado
Islâmico e o governo. A possibilidade de que Trump retire esses soldados em seu
novo mandato, abrindo um vácuo de poder, é parte da explicação para as
ofensivas. A Turquia busca alavancagem para impor termos a Al-Assad.
Os desdobramentos dessas manobras são imprevisíveis. Elas comprovam uma coisa certa sobre o Oriente Médio – a sua capacidade de surpreender – e a única coisa certa sobre a guerra civil na Síria: que ela está muito longe de acabar.
Redução da miséria não cessa desafios
Correio Braziliense
Embora os dados sejam positivos, são
indicadores de que ainda há um longo caminho a ser vencido para que o país, um
dos maiores produtores de alimentos do mundo, consiga erradicar fome e a
miséria e garantir a todos os brasileiros meios e condições dignas de vida
O ano termina com uma boa notícia. A camada
de 67,7 milhões de brasileiros na pobreza teve uma redução de 8,7 milhões,
entre 2022 e 2023 — uma diminuição de 31,6% para 27,4% da população. Hoje são
59 milhões nessa condição. Outros 3,1 milhões não mais vivem em situação de
extrema pobreza, um recuou de 12,6 milhões para 9,5 milhões — queda de
5,9% para 4,4%. Os dados foram divulgados ontem pelo Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE) e representam a maior redução da miséria no Brasil
desde 2012.
O gerente de Indicadores Sociais do IBGE,
Leonardo Athia, atribuiu esse resultado "ao dinamismo no mercado de
trabalho e ao aumento da cobertura dos benefícios sociais". Ele explica
que enquanto os programas sociais impactam, a diminuição da pobreza está
alinhada a um mercado de trabalho mais aquecido.
No trimestre de julho a setembro deste ano, a
taxa de desocupação ficou em 6,4%, uma queda de 0,5 ponto percentual (p.p.)
menor do que no período anterior de abril a junho, (1,3 p.p). na comparação com
o mesmo trimestre de 2023. Foi a segunda menor taxa de desocupação da série
histórica da PNAD Contínua do IBGE, iniciada em 2012, acima da taxa do
trimestre encerrado em 2013 (6,3%).
O estudo do IBGE ressalta que crianças e
adolescentes, com menos de 1 a 14 anos, são a camada mais afetada pela pobreza
— 7,3% são extremamente pobres e 44,8% pobres. Os idosos são os menos
atingidos: 2% vivem em situação de extrema pobreza e 11,3% na pobreza. No
recorte raça/cor, pobreza é condição de 35,5% das pessoas pardas e de 30,8% das
pretas, contra 17,7% das brancas. Os negros são maioria na extrema pobreza (6%
pardos e 4,7% pretos), enquanto 2,6% são brancos.
Regionalmente, o Nordeste e o Norte têm os
maiores percentuais de pessoas pobres, respectivamente, 47,2% e 38,5%. As
proporções são bem menores no Sudeste (18,4%), no Centro-Oeste (17,8%) e no Sul
(14,8%). A parcela em extrema pobreza afeta 9,1% da população do Nordeste, 6%
do Norte, 2,5% do Sudeste, 1,8% do Centro-Oeste e 1,7% do Sul.
Ainda em 2023, o número de jovens de 15
a 29 anos que não estudam nem trabalham (geração nem-nem) chegou a 10,3
milhões, o menor quantitativo e a mais baixa taxa (21,2%) desde 2012. A
pesquisa revelou que entre os 10% dos domicílios do país com os maiores
rendimentos, 6,6% dos jovens estavam no grupo dos nem-nem, e nos 10% das
residências com menos rendimento, 49,3% deles também não tinham ocupação nem
estudavam.
No universo dos nem-nem, as jovens pretas e
pardas somam 45,2% . Desse percentual, 76,5% delas estavam fora da força de
trabalho. "Isso demonstra que os afazeres domésticos e o cuidado com
parentes dificultam as mulheres buscar uma colocação no mercado de
trabalho", avalia a analista Denise Guichard, do IBGE.
Embora os dados sejam positivos, são indicadores de que ainda há um longo caminho a ser vencido para que o país, um dos maiores produtores de alimentos do mundo, consiga erradicar fome e a miséria e garantir a todos os brasileiros meios e condições dignas de vida. O estudo revela ainda que as políticas públicas voltadas para a infância e juventude precisam ser fortalecidas, a fim de que esse público conquiste condições melhores de vida e de formação para acesso aos postos de trabalho. Eliminar as desigualdades, que fortalecem as injustiças socioeconômicas, é desafio imposto ao poder público.
" Brutalidade como política de segurança ", O Estado de S. Paulo
ResponderExcluirPerfeito !