quinta-feira, 5 de dezembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Tarcísio comete seu maior erro na segurança pública

O Globo

São Paulo se destacava por combate ao crime com baixa letalidade policial. Atual governo marca uma inflexão

Questionado sobre a crise na polícia do estado, o governador de São PauloTarcísio de Freitas (Republicanos), respondeu: “Olhe os números”. Não se poderia esperar conselho mais oportuno. Tarcísio terá muito a ganhar quando seguir o próprio conselho e reconhecer os erros da política de segurança pública que ele e seu secretário Guilherme Derrite têm adotado. De janeiro a dezembro, a PM paulista matou 712 pessoas, segundo dados do Ministério Público — o dobro do registrado no mesmo período de 2022. Diversos episódios recentes formam um quadro preocupante.

É preciso reconhecer que, durante mais de duas décadas, São Paulo se destacou pelos melhores índices brasileiros na segurança pública. Sucessivos governos reduziram a criminalidade, ao mesmo tempo que baixavam a letalidade policial. Estrutura de comando e profissionalismo estiveram sempre entre as metas da polícia. E a maioria dos policiais do estado continua a desempenhar trabalho competente, preocupado com a segurança dos cidadãos. Mas a chegada de Tarcísio e Derrite marcou uma inflexão.

Desde o início, Tarcísio foi ambivalente sobre o uso de câmeras corporais, equipamento que, como revelou reportagem do Fantástico, protege não apenas o cidadão de agressões, mas os próprios policiais de acusações indevidas. A influência de Derrite, presente nas forças táticas, tem sido nefasta. Quando o comando é leniente com a truculência, os policiais mais violentos se sentem livres para agir sem freios.

No mês passado, um menino de 4 anos morreu em Santos, alvejado por projétil da polícia. Um estudante de medicina desarmado foi morto após dar tapa no retrovisor de uma viatura. Um homem de 26 anos levou 11 tiros nas costas depois de furtar sabão em pó num mercado. No ano passado, a polícia promoveu na Baixada Santista a operação que resultou em mais mortos desde o massacre do Carandiru: 36, incluindo vários inocentes. No caso mais recente, um policial jogou um homem de uma ponte (ele sobreviveu). Em todos esses casos, quando fardados, as câmeras estavam desligadas. Abusos só vieram a público por denúncias, imagens de terceiros ou de vigilância.

Olhando para os números, não há relação entre a polícia matar mais e o crime diminuir. As polícias mais letais são as de Amapá e Bahia, estados com as maiores taxas de homicídios. Apesar disso, a linha dura tem sido a política de Tarcísio e Derrite. O governo paulista destaca que os homicídios caíram no estado em 2023 e continuam em queda. Mas essa é uma tendência nacional há anos. Em cidades do interior do estado, houve aumento nos assassinatos. Roubos e furtos de celular caíram menos que em Tocantins, Rondônia ou Mato Grosso. Lesões corporais dolosas e estupros não pararam de subir.

A tolerância com a letalidade policial não é apenas ineficaz. É contraditória, pois os responsáveis por fazer cumprir a lei se tornam suspeitos de crimes. Além de moralmente inaceitável, uma polícia sem respeito por protocolos é a semente de milícias e da corrupção. A suspeita de envolvimento de policiais na execução de um delator no aeroporto de Guarulhos é estarrecedora.

Forças policiais precisam estar preparadas para embates violentos contra criminosos sempre que necessário. Mas é um engano concluir que abusos ajudem. Tarcísio tem na segurança pública o ponto mais fraco de seu projeto político. Deveria acordar para isso.

Não tem cabimento aumentar passageiros no Santos Dumont

O Globo

Ideia em gestação no governo violaria acordo e traria de volta desequilíbrio insustentável aos aeroportos cariocas

É um despropósito a ideia em gestação no governo federal de autorizar aumento na quantidade de passageiros do Aeroporto Santos Dumont, no Centro do Rio, a partir de 2025. A medida violaria o acordo costurado no ano passado para equilibrar o movimento nos aeroportos cariocas, evitando o esvaziamento do Tom Jobim/Galeão e a saturação do terminal doméstico. Para a Infraero, estatal que administra o Santos Dumont, pode até ser vantagem arrecadar mais com mais passageiros. Mas seria um erro. O funcionamento dos aeroportos do Rio precisa ser encarado de forma complementar, como noutras cidades e países, e não de maneira isolada.

Atualmente, há um limite de 6,5 milhões de passageiros por ano no Santos Dumont. Foi esse limite que levou companhias aéreas a transferir voos para o Galeão, dando nova vida ao terminal internacional — ele tem voltado a funcionar como um centro de conexão necessário não apenas para o Rio, mas para todo o Brasil. A despeito das evidências de que a limitação tem sido bem-sucedida, o secretário nacional de Aviação Civil, Tomé Franca, afirma que os resultados ainda serão avaliados e se mostra favorável à ampliação. O governo deveria descartá-la de imediato, tantos são os fatos em contrário.

Antes da restrição, em vigor desde janeiro, o terminal doméstico chegou a registrar movimento de mais de 11 milhões de passageiros, um absurdo levando em conta suas condições. Até então havia um desequilíbrio insustentável entre os aeroportos do Rio. O Galeão, com excelente infraestrutura e capacidade para 35 milhões de passageiros, vivia às moscas, pondo em risco os vultosos investimentos públicos e privados no terminal ao longo de décadas. Enquanto isso, o Santos Dumont, com capacidade declarada de 9,9 milhões e óbvias limitações físicas, vivia lotado. Isso se traduzia em intermináveis filas no saguão, trânsito parado no entorno e atrasos recorrentes em voos. O desequilíbrio afetava a economia fluminense e o turismo do Rio, porta de entrada de estrangeiros no país.

A restrição no Santos Dumont mostrou-se eficaz. Estima-se que, em 2024, o número de passageiros no Galeão deverá bater 14,2 milhões, alta de 80% em relação a 2023. Projeta-se também recorde de viajantes internacionais (4,6 milhões). O plano da concessionária RIOgaleão para 2025 é chegar a 16 milhões de passageiros. Nos últimos meses, 12 novos destinos nacionais se somaram aos 14 existentes, e novas rotas internacionais estão em implantação. A fixação do limite fez aumentar o total de passageiros dos dois aeroportos (até outubro, a alta foi de 4,4%).

Por tudo isso, não faz sentido quebrar o acordo feito no ano passado, sob a chancela do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho. Não é razoável desmontar uma regra bem-sucedida tanto para conter a deterioração do Galeão quanto para dar mais conforto e segurança a quem usa o Santos Dumont. É fundamental impedir que a Secretaria de Aviação Civil, a Infraero e os lobbies do setor imponham um retrocesso aos aeroportos do Rio.

STF acerta em aprimorar transparência de emendas

Valor Econômico

Garantida a transparência que todos devem ter com o dinheiro público, será preciso rediscutir no futuro o montante destinado às emendas parlamentares

A lei sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para atender às exigências do Supremo Tribunal Federal (STF), sobre a transparência das emendas parlamentares, após acordo entre os três Poderes, deixou a desejar. O ministro Flávio Dino, do STF, acrescentou novos pontos, apoiados pela maioria da Corte, vários corretos, e o Congresso agora ameaça se insurgir contra elas. Tem na mão o bloqueio da tramitação de projetos fundamentais para o país, começando pela reforma tributária e o pacote fiscal do governo. Evitar pontos mínimos constitucionais (transparência, impessoalidade e publicidade) macula a imagem do Legislativo, que deveria aceitar as sugestões ou discuti-las sem travar votações em um tempo que já se afigura exíguo, perto do fim no ano parlamentar.

Lacunas no projeto aprovado pelos parlamentares têm sido apontadas desde o início da tramitação, apesar das negociações em paralelo entre o Congresso, o governo e os próprios ministros do STF para alcançar um consenso e resolver o impasse que levou à suspensão dos pagamentos das emendas em agosto. A Comissão do Orçamento do Senado afirmou, em nota técnica, durante as discussões, que o projeto não atendia a “praticamente nenhuma das exigências colocadas” pelo Judiciário. Após a sanção, as ONGs Transparência Brasil, Transparência Internacional e Contas Abertas emitiram comunicado conjunto alertando que “o modelo aprovado trazia o risco de se repetirem as mesmas dinâmicas do orçamento secreto”, que o STF tenta extinguir, sem sucesso, desde 2022.

As alterações feitas por Dino são fundamentadas. No caso das emendas de comissão, por exemplo, o projeto aprovado pelo Congresso determinava que elas precisariam identificar de “forma precisa seu objeto”, mas limitava sua proposição a líderes partidários, obscurecendo a autoria real. O magistrado determinou que os parlamentares sejam nominalmente identificados e abriu a possibilidade de que essa identificação possa ser feita por qualquer membro da comissão.

Nas emendas Pix, com as quais se enviavam recursos a governos estaduais e municipais sem indicar seu autor e sua finalidade, o STF exigiu que planos de trabalho, com objeto e prazos para os projetos beneficiados, sejam apresentados antes do pagamento dos recursos - não depois, como prevê a lei - e aprovados pelo Executivo.

Já as emendas para a saúde terão de observar indicações técnicas do gestor federal, além de serem aprovadas nas comissões bipartite e tripartite do Sistema Único de Saúde (SUS), fortalecendo políticas públicas já estruturadas.

A reação do Congresso veio em forma de ameaça de bloqueio ao pacote fiscal recentemente apresentado pelo Palácio do Planalto, acusado de fazer dobradinha com Dino, no Supremo. Para apaziguar a insatisfação geral entre os parlamentares, o governo anunciou a liberação do pagamento de R$ 7,8 bilhões em emendas individuais e de bancada estadual nos próximos dias. A Advocacia-Geral da União (AGU) foi acionada e apresentou pedido ao Supremo para que as novas regras fossem reconsideradas.

Ainda assim, houve dificuldade para se obter as assinaturas necessárias para protocolar as urgências de medidas propostas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para diminuir o déficit público. Em recado claro ao Judiciário, mas sem citar Dino expressamente, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), afirmou que tribunais jamais deveriam legislar e que a decisão do ministro causava “intranquilidade legislativa” a menos de três semanas do início do recesso parlamentar.

A independência dos Poderes deve ser respeitada e não cabe ao Supremo aprimorar leis que seguiram trâmite legislativo regular, mas Dino manteve-se dentro dos limites de sua decisão de agosto, quando suspendeu o pagamento das emendas. O Congresso falhou ao aprovar uma lei que claramente não atendia às exigências de transparência e rastreabilidade feitas pelo STF para continuar a enviar, sem escrutínio público, somas que não param de crescer e chegarão a exorbitantes R$ 50 bilhões em 2025.

A indignação de deputados e senadores é ainda mais descabida diante dos relatórios da Controladoria-Geral da União (CGU), que mostram falta de transparência, senso de prioridade, direcionamento fora dos padrões legais e falhas na execução das emendas enviadas pelos parlamentares desde 2020, quando o Congresso se aproveitou da omissão do governo de Jair Bolsonaro para abocanhar uma grande fatia do orçamento público.

Garantida a transparência que todos devem ter com o dinheiro público, será preciso rediscutir no futuro o montante destinado às emendas parlamentares. Não há paralelo no mundo ao que ocorre hoje no Brasil, como mostra recente estudo que compara a situação nacional com a de 11 países da OCDE. É legítimo que os parlamentares tenham o poder de destinar recursos para suas bases e para atender prioridades de seus eleitores, mas os atuais níveis de controle do Congresso sobre o orçamento desequilibraram o jogo em detrimento do Executivo.

Tarcísio e instituições têm de conter selvageria policial

Folha de S. Paulo

Acumulam-se casos de desprezo pela vida e despreparo na PM paulista; letalidade saltou na gestão do secretário Derrite

Antes fossem casos isolados as cenas recentes de violência injustificável da Polícia Militar de São Paulo, como tergiversa o secretário da Segurança Pública, Guilherme Derrite. Mas não: o próprio governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), que o escolheu, teve de considerar absurdo o ocorrido sob seu comando.

Melhor dizendo, falta de comando. Derrite —um ex-integrante da Rota, tropa da PM historicamente conhecida pela letalidade— estimula a convicção de impunidade entre os subordinados ao enfraquecer o uso de câmeras nas fardas dos agentes, privilegiar oficiais daquela unidade violenta e suspender o afastamento das ruas de profissionais envolvidos em mortes.

O atual governo paulista põe assim em retrocesso décadas de iniciativas para conter a letalidade policial. A sucessão de mortes arbitrárias por PMs fora de controle, no espaço de um mês, apenas coroa a escalada de violência iniciada com a nomeação de Derrite —deputado eleito pelo PL que faz da apologia à linha-dura o esteio de sua carreira política.

Em 3 de novembro, Gabriel da Silva Soares, 26, foi morto pelas costas. Dois dias depois, foi abatido Ryan da Silva Andrade Santos, 4. No dia 20, morreu o estudante Marco Aurélio Cardenas Acosta, 22, com um tiro no ventre. Nesta semana veio a cena hedionda do rapaz jogado da ponte.

"Um erro emocional", assim qualificou a tentativa de homicídio o comandante da PM, coronel Cássio Araújo de Freitas. De pouco vale anunciar apuração rigorosa quando se emite mensagem amenizadora como essa; a tropa entenderá que não foi tão grave.

Por essa via jamais se lancetará o tumor à vista de todos: a PM exibe atitudes de desprezo pela vida e inacreditável falta de preparo. Para corrigir a deformação ética e técnica da corporação urge desarticular, no poder público e na sociedade, a noção falaciosa de que se combate o crime dando carta branca para soldados alvejarem, espancarem ou torturarem quem bem entenderem.

O exemplo precisa vir de cima. Se Tarcísio ora repudia a violência pontual, cumpre recordar que não deu as devidas mostras de preocupação ante denúncias de violações de direitos humanos na Operação Verão (56 mortes de civis), neste ano, precedida no semestre anterior pela Operação Escudo (36 mortes).

A lógica truculenta fica evidente na tentativa de Derrite de justificar-se com estatísticas como a redução de 2,9% em homicídios dolosos, para 2.065 de janeiro a outubro (tendência de queda que precede sua gestão). Argumento deplorável, quando se sabe que as mortes por policiais em serviço ou não subiram 55% no ano até setembro, para 580 casos.

Há que pôr cobro à mortandade. Obrigar PMs a manter ligadas câmeras nas fardas é o mínimo. Contudo, sem maior empenho da Corregedoria, do Ministério Público e da Justiça em apurar e punir excessos, a marcha da selvageria seguirá desimpedida.

Democracia da Coreia do Sul resiste ao caos político

Folha de S. Paulo

Presidente fracassa ao tentar impor lei marcial sem fundamento e rejeitada pelo Congresso; instabilidade deve continuar

Golpes de Estado, regimes de exceção, militares tutelando a sociedade. Nada disso é novidade nos 76 anos da Coreia do Sul, país usualmente associado a inovação tecnológica, pujança industrial e alto nível de educação de sua sociedade.

Lá, a democracia só começou no fim dos anos 1980, levando um tempo para que fosse normalizada, com alternância entre conservadores e liberais no poder.

Seus instrumentos, contudo, se mostraram eficazes para conter o que parece ter sido uma tentativa bizarra de autogolpe tentada pelo presidente Yoon Suk Yeol na terça-feira (3).

Em um pronunciamento inesperado, o político conservador deixou atônitos cidadãos e o mundo ao anunciar a decretação de lei marcial e a constituição, por parte das Forças Armadas, de um comitê para implementar suas medidas.

O cardápio era o usual: suspensão de direitos civis, cancelamento das atividades políticas no Legislativo, supressão da liberdade de imprensa. A medida era constitucional, mas as desculpas, não.

Além de críticas inespecíficas à oposição, foi alegada uma algo esotérica acusação de que os rivais estavam a serviço da ditadura norte-coreana.

Os militares obedeceram e, ato contínuo, invadiram o Parlamento. Enfrentaram assessores armados com extintores de incêndio e, do lado de fora, se acotovelaram com manifestantes, que se acumularam aos milhares na congelante madrugada de Seul.

A calma prevaleceu. Quando conseguiu reunir quórum, a oposição aprovou a derrubada da ação canhestra de Yoon. Sem pestanejar, os mesmos soldados que tinham ordem para prender deputados foram embora, dado que a manobra do Legislativo era igualmente constitucional.

Algumas horas se passaram até o presidente aquiescer e recuar. Pesou a posição legalista dos EUA, principal parceiro de Seul.

Yoon foi eleito em 2022 com vantagem de 0,73 ponto sobre o liberal Lee Jae-myung, que liderou a resistência agora. Em abril deste ano, o presidente perdeu o controle do Parlamento, onde sua sigla tem 108 deputados, e a do rival, 170, além de 22 aliados.

De lá para cá, o governo foi acossado pelo Legislativo, com pedidos de impeachment de procuradores fiéis e o travamento do debate sobre o Orçamento. O drama não acabou. O mandatário já enfrenta pedido de impedimento e protestos nas ruas.

Se tudo isso é lamentável, a reação institucional à crise mostra vigor da jovem democracia sul-coreana. O Estado de Direito resiste ao caos político.

Brutalidade como política de segurança

O Estado de S. Paulo

Tarcísio já avisou que não demitirá Derrite, mas deveria, pois o secretário, afastado da Rota por excesso de violência, é naturalmente incapaz de refrear a selvageria de PMs

A propósito do caso de um policial militar (PM) que jogou um suspeito de uma ponte, caso flagrado num vídeo que chocou o Brasil, o secretário de Segurança de São Paulo, Guilherme Derrite, declarou: “Não vamos tolerar nenhum tipo de desvio de conduta de nenhum policial no Estado de São Paulo”. Considerando que o próprio Derrite foi afastado da Rota, a elite da Polícia Militar, por desvio de conduta (em suas próprias palavras, “porque eu matei muito ladrão”), é muito difícil acreditar na advertência do secretário. Ao contrário: ao que parece, a julgar pelos diversos casos de violência policial documentados em imagens revoltantes nos últimos dias, e também pelo aumento considerável da letalidade da PM em São Paulo, a conduta esperada dos policiais paulistas pelo secretário de Segurança talvez seja a de tratar suspeitos como bandidos – ou, pior, como seres sub-humanos, que não merecem nem direitos nem respeito e podem ser jogados de pontes como objetos inanimados.

Sendo assim, e não há razão para acreditar que não seja, é o caso de perguntar por que motivo o sr. Derrite continua à frente da Secretaria da Segurança de São Paulo. Pior: não apenas continua, como, mesmo diante da comoção causada pelas imagens de truculência policial, consta que o sr. Derrite já está sendo cogitado como candidato ao governo do Estado ou ao Senado. Ou seja, julgam, ele e seus padrinhos políticos, que a violência desenfreada da PM lhe dará votos para cargos majoritários, tendo em vista que a segurança pública é a preocupação número um de muitos eleitores, como ficou claro na recente eleição municipal.

Não parece haver motivo, portanto, para que o sr. Derrite puna maus policiais como ele um dia foi. O secretário que afetou indignação com os evidentes desvios de conduta de policiais retratados em imagens é o mesmo que celebrou o “sucesso” de operações policiais que deixaram dezenas de mortos na Baixada Santista desde o ano passado e que são alvo de diversas denúncias de abusos.

A solução, portanto, não é afastar um punhado de policiais que deram o azar de ser flagrados em imagens revoltantes. A solução é afastar o secretário de Segurança que estabeleceu a truculência como método – e que por isso mesmo não gosta das câmeras nos uniformes da polícia. Os policiais militares não podem continuar a ter como chefe e inspiração um ex-PM que se orgulha de ter matado muitos suspeitos e que considera “vergonhoso” um policial que não tenha “três ocorrências” de suspeitos mortos a tiros no currículo.

Infelizmente, contudo, o governador Tarcísio de Freitas já informou que não pretende demitir o sr. Derrite, considera que os casos em questão são apenas “exceções” e convidou a sociedade a ver os números da segurança pública sob esta administração para justificar sua decisão. De fato, conforme as mais recentes estatísticas, houve queda nos índices de homicídio, roubos e furtos, mas houve aumento de latrocínios e de lesão corporal seguida de morte. De todo modo, nenhum desses dados indica alguma tendência, nem de alta nem de baixa. Já o número de mortos pela polícia disparou: a PM matou 496 pessoas entre janeiro e setembro, o maior índice desde 2020. Há aí, portanto, um padrão – mas o próprio governador paulista já disse, em outra ocasião, que não está “nem aí” para as denúncias de abusos policiais.

Cada dia que o sr. Guilherme Derrite continuar à frente da Secretaria da Segurança Pública sinalizará à sociedade que, para o atual governo de São Paulo, vale tudo em nome de um suposto combate ao crime, até mesmo jogar um suspeito de uma ponte durante uma abordagem policial de rotina, matar uma criança de 4 anos durante uma suposta troca de tiros com criminosos, desferir um tiro fatal à queima-roupa em um estudante que deu um tapa no retrovisor de uma viatura ou executar outro suspeito com 11 tiros nas costas porque ele teria furtado pacotes de material de limpeza em um supermercado.

A teimosia do governo Lula

O Estado de S. Paulo

Liberar o uso do saldo financeiro de fundos públicos para gastos com outras finalidades é mais uma medida do pacote fiscal do governo Lula da Silva a ampliar a desconfiança dos investidores

O governo de Lula da Silva quer usar os recursos do saldo financeiro de oito fundos públicos, estimado em R$ 39 bilhões no ano passado, da forma como melhor lhe aprouver no período entre 2025 e 2030. O dispositivo consta de um projeto de lei complementar enviado pelo Executivo ao Congresso e permitirá a “livre aplicação” do superávit gerado pelos fundos, destinando recursos cuja aplicação é mais restrita – e que, por isso, permaneciam no caixa do Tesouro – para outras finalidades.

A proposta alcança o Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDD), o Fundo Nacional Antidrogas (Funad), o Fundo da Marinha Mercante (FMM), o Fundo Nacional de Aviação Civil (Fnac), o Fundo Nacional de Segurança e Educação de Trânsito (Funset), o Fundo do Exército, o Fundo Aeronáutico e o Fundo Naval.

Atualmente, o dinheiro desses fundos, quando não é gasto, ajuda a reduzir o déficit primário. Da forma como foi escrito, o texto possibilita o uso do dinheiro para três finalidades: abater a dívida pública, o que seria o correto; pagar despesas primárias, o que seria discutível; e repassar para bancos públicos, o que seria condenável.

O Ministério da Fazenda sustentou que o saldo será usado para abater a dívida pública. Ao jornal Valor, a pasta justificou não haver a necessidade de explicitar essa informação no projeto de lei e disse que ela poderá ser incluída no texto ao longo da tramitação, caso os parlamentares considerem necessário – algo que parece evidente.

Incluir essa informação na proposta antes de enviá-la ao Congresso teria sido uma iniciativa muito positiva e pouparia desgastes adicionais, haja vista que administrações petistas são pródigas em recorrer a medidas parafiscais para financiar políticas públicas. Foi assim, por exemplo, que Lula da Silva, em seu segundo mandato, e Dilma Rousseff turbinaram o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social.

O fato de o governo não ter se antecipado aos mais que previsíveis questionamentos de especialistas sobre as brechas abertas pelo dispositivo mostra que a equipe econômica ainda não compreendeu que o cenário com o qual trabalhava não existe mais. Ao frustrar as expectativas que ele mesmo alimentou a respeito do pacote fiscal, o governo deu motivos para que o câmbio ultrapassasse a marca de R$ 6,00, a curva futura de juros atingisse 14% e o Ibovespa despencasse.

O pacote tem medidas estruturais duras, entre elas mudanças no Benefício de Prestação Continuada (BPC) que dificultarão a concessão do auxílio a pessoas com deficiência, como apontou artigo da senadora Mara Gabrilli (PSD-SP) publicado no Estadão. Mas o fato é que o plano ficou marcado pelo anúncio da isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil mensais, medida confirmada por ninguém menos que o ministro Fernando Haddad em cadeia nacional de rádio e TV. Além de representar uma renúncia de receitas relevante em um governo que diz almejar zerar o déficit fiscal, desonera uma parcela da população que muito provavelmente gastará o dinheiro em vez de poupá-lo.

Ainda que a proposta tenha que ser aprovada pelo Legislativo para entrar em vigor, e a despeito das sinalizações de Arthur Lira (PP-AL) e de Rodrigo Pacheco (PSD-MG) de não haver pressa para analisá-la, é inegável que ela tem o potencial de aumentar a inflação – e, portanto, já impulsiona as expectativas de inflação.

Não à toa, a aposta majoritária dos investidores para a próxima reunião do Comitê de Política Monetária do Banco Central é de um aumento de 0,75 ponto porcentual na taxa básica de juros. Entender o motivo dessa reação, em vez de atribuí-la à má vontade do mercado com administrações petistas, seria muito útil no urgente trabalho de contenção da piora das expectativas.

A decepção gerada pelo esvaziado pacote fiscal não explica, sozinha, a queda nos preços dos ativos do mercado. Também por fatores externos, como a eleição de Donald Trump nos EUA, dificilmente o câmbio voltará ao patamar de R$ 4,90 do fim do ano passado, mas a cotação do dólar pode recuar a depender dos próximos passos. O maior risco é o de perda de credibilidade da equipe econômica, ainda menosprezado pelo governo Lula da Silva.

Síria em transe

O Estado de S. Paulo

Após um período de dormência, a guerra irrompeu, e o que era ruim pode ficar pior

Na semana passada, enquanto o mundo celebrava a trégua entre Israel e o Hezbollah, o Oriente Médio comprovou mais uma vez sua capacidade de surpreender. Em questão de dias, forças rebeldes na Síria capturaram mais de 80 cidades, incluindo Aleppo, a segunda maior cidade síria. A reviravolta, que tem relação direta com os desdobramentos em Gaza e no Líbano, reaqueceu a guerra civil iniciada em 2011, dissolvendo linhas congeladas desde 2020. A Síria está de novo à beira de mergulhar no caos, ou melhor, de mergulhar mais fundo no caos, que pode tragar o Levante.

Em 13 anos, 600 mil sírios foram mortos, 13 milhões foram deslocados e 6,8 milhões fugiram do país. Dos 15 milhões remanescentes, 90% vivem na miséria.

A composição que vigorava desde 2020 resultava do equilíbrio entre três forças: o regime de Bashar al-Assad, apoiado por Rússia e Irã; as Forças Democráticas Sírias (SDF, na sigla em inglês), apoiadas pelos EUA no nordeste; e milícias apoiadas pela Turquia no noroeste.

Após o início da guerra, Al-Assad e seus aliados levaram quatro anos para reconquistar Aleppo. Que tenha sido perdida em quatro dias dá a medida da vulnerabilidade do regime. Com a Rússia concentrada na Ucrânia e Irã e Hezbollah debilitados pelos golpes de Israel, os rebeldes farejaram sangue nas águas e atacaram.

Seria tentador celebrar a humilhação de Al-Assad, um ditador corrupto que promoveu massacres hediondos contra seu povo. Mas no Oriente Médio o inimigo de seu inimigo nem sempre é seu amigo, e as forças que capturaram Aleppo não são amigas da democracia.

A ofensiva foi liderada pelos jihadistas do Hayat Tahrir al-Sham (HTS), outrora afiliados a Al-Qaeda, em uma coalizão com o Exército Nacional Sírio (SNA) apoiado pela Turquia, que até então, após um acordo com a Rússia, vinha moderando sua agressividade. As SDF também tentam expandir territórios em Aleppo.

Essas forças comungam do ódio a Al-Assad, mas têm conflitos entre si. O maior interesse da Turquia é reprimir forças curdas, como as das SDF, que pleiteiam um Estado nacional, o Curdistão, envolvendo territórios da Turquia, Irã, Iraque e Síria. As relações entre o SNA e o HTS são marcadas por disputas ideológicas e territoriais. Por ora, todos puseram suas diferenças de lado, mas Deus sabe como as dirimirão quando a poeira baixar. Se baixar, já que os aliados de Al-Assad, mesmo distraídos, não o abandonarão.

Em seu primeiro mandato como presidente dos EUA, Donald Trump retirou tropas do norte da Síria, favorecendo posições russas e viabilizando ofensivas turcas contra os curdos. Cerca de 900 soldados foram mantidos para auxiliar os curdos a defender zonas petrolíferas contra o Estado Islâmico e o governo. A possibilidade de que Trump retire esses soldados em seu novo mandato, abrindo um vácuo de poder, é parte da explicação para as ofensivas. A Turquia busca alavancagem para impor termos a Al-Assad.

Os desdobramentos dessas manobras são imprevisíveis. Elas comprovam uma coisa certa sobre o Oriente Médio – a sua capacidade de surpreender – e a única coisa certa sobre a guerra civil na Síria: que ela está muito longe de acabar.

Redução da miséria não cessa desafios

Correio Braziliense

Embora os dados sejam positivos, são indicadores de que ainda há um longo caminho a ser vencido para que o país, um dos maiores produtores de alimentos do mundo, consiga erradicar fome e a miséria e garantir a todos os brasileiros meios e condições dignas de vida

O ano termina com uma boa notícia. A camada de 67,7 milhões de brasileiros na pobreza teve uma redução de 8,7 milhões, entre 2022 e 2023 — uma diminuição de 31,6% para 27,4% da população. Hoje são 59 milhões nessa condição. Outros 3,1 milhões não mais vivem em situação de extrema pobreza, um recuou de 12,6 milhões para 9,5 milhões — queda  de 5,9% para 4,4%.  Os dados foram divulgados ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e representam a maior redução da miséria no Brasil desde 2012.

O gerente de Indicadores Sociais do IBGE, Leonardo Athia, atribuiu esse resultado "ao dinamismo no mercado de trabalho e ao aumento da cobertura dos benefícios sociais". Ele explica que enquanto os programas sociais impactam, a diminuição da pobreza está alinhada a um mercado de trabalho mais aquecido. 

No trimestre de julho a setembro deste ano, a taxa de desocupação ficou em 6,4%, uma queda de 0,5 ponto percentual (p.p.) menor do que no período anterior de abril a junho, (1,3 p.p). na comparação com o mesmo trimestre de 2023. Foi a segunda menor taxa de desocupação da série histórica da PNAD Contínua do IBGE, iniciada em 2012, acima da taxa do trimestre encerrado em 2013 (6,3%).

O estudo do IBGE ressalta que crianças e adolescentes, com menos de 1 a 14 anos, são a camada mais afetada pela pobreza — 7,3% são extremamente pobres e  44,8% pobres. Os idosos são os menos atingidos: 2% vivem em situação de extrema pobreza e 11,3% na pobreza. No recorte raça/cor, pobreza é condição de 35,5% das pessoas pardas e de 30,8% das pretas, contra 17,7% das brancas. Os negros são maioria na extrema pobreza (6% pardos e 4,7% pretos), enquanto 2,6% são brancos.

Regionalmente, o Nordeste e o Norte têm os maiores percentuais de pessoas pobres, respectivamente, 47,2% e 38,5%.  As proporções são bem menores no Sudeste (18,4%), no Centro-Oeste (17,8%) e no Sul (14,8%). A parcela em extrema pobreza afeta 9,1% da população do Nordeste, 6% do Norte, 2,5% do Sudeste, 1,8% do Centro-Oeste e 1,7% do Sul.

Ainda em 2023,  o número de jovens de 15 a 29 anos que não estudam nem trabalham (geração nem-nem) chegou a 10,3 milhões, o menor quantitativo e a mais baixa taxa (21,2%) desde 2012. A pesquisa revelou que entre os 10% dos domicílios do país com os maiores rendimentos, 6,6% dos jovens estavam no grupo dos nem-nem, e nos 10% das residências com menos rendimento, 49,3% deles também não tinham ocupação nem estudavam. 

No universo dos nem-nem, as jovens pretas e pardas somam 45,2% . Desse percentual, 76,5% delas estavam fora da força de trabalho. "Isso demonstra que os afazeres domésticos e o cuidado com parentes dificultam as mulheres buscar uma colocação no mercado de trabalho", avalia a analista Denise Guichard, do IBGE.

Embora os dados sejam positivos, são indicadores de que ainda há um longo caminho a ser vencido para que o país, um dos maiores produtores de alimentos do mundo, consiga erradicar fome e a miséria e garantir a todos os brasileiros meios e condições dignas de vida. O estudo revela ainda  que as políticas públicas voltadas para a infância e juventude precisam ser fortalecidas, a fim de que esse público conquiste condições melhores de vida e de formação para acesso aos postos de trabalho. Eliminar as desigualdades, que fortalecem as injustiças socioeconômicas, é desafio imposto ao poder público.

Um comentário:

Mais um amador disse...

" Brutalidade como política de segurança ", O Estado de S. Paulo

Perfeito !