Câmara deve ser ágil para aprovar reforma tributária
O Globo
Regulamentação do Senado tem imperfeições que
ainda podem ser corrigidas, desde que não haja atraso
A aprovação no Senado do projeto principal de regulamentação da reforma tributária abre caminho para que a maior transformação na economia brasileira desde o Plano Real se torne realidade. Como o texto foi modificado, a Câmara voltará a examiná-lo. A votação final é esperada para a semana que vem, e os deputados não deveriam medir esforços para cumprir o prazo. A reforma revolucionará aquele que é visto como pior sistema de tributação do mundo. Até 2033, ela diminuirá a quantidade de impostos e regras, acabará com a cobrança cumulativa e a guerra fiscal entre estados, trará alívio ao tempo gasto pelas empresas com tributos e ao contencioso judicial. O fim do manicômio tributário brasileiro se traduzirá em mais investimentos, mais crescimento econômico e mais renda.
Embora represente um avanço, a votação no
Senado pecou por deixar o Brasil com a segunda maior alíquota do mundo de
imposto sobre consumo. O Partido Liberal (PL) apresentou destaque para reduzir
de 26,5% para 25% o teto, mas a proposta foi rejeitada. Mantida essa trava, o
Brasil ficará atrás somente da Hungria (27%), número 1 de um ranking de 150
países analisados pela consultoria PwC. Croácia, Dinamarca, Finlândia, Noruega
e Suécia ficam em terceiro lugar, com 25%. Em países emergentes, a alíquota
costuma ser mais baixa. Na China, não passa de 13%. No México, 16%. Pelo que
foi aprovado nas duas Casas, toda vez que a alíquota ultrapassar 26,5%, o
governo terá de propor cortes para reduzi-la.
Ainda que cientes desse limite, os deputados
enviaram ao Senado um texto cheio de concessões, que exigiriam uma alíquota de
27,97%. Em vez de reduzi-la, os senadores a aumentaram para 28,55% — a maior do
mundo —, sob pressão de lobbies por isenções e reduções. Nesse ponto, não
adianta brigar com a aritmética. Quanto mais beneficiados com tributos zerados
ou reduzidos, maior precisa ser a cobrança dos demais para manter o mesmo nível
de arrecadação.
É evidente que, como em qualquer país, haverá
grupos de pressão fortes o suficiente para fazer valer seus interesses dentro
das regras democráticas. E o Congresso é soberano para decidir. Mas não há
dúvida de que houve exagero. Os senadores ampliaram os benefícios da Zona
Franca de Manaus, cujas benesses já representam um dos maiores gastos
tributários do país, de eficácia questionável. Retiraram armas de fogo e
bebidas açucaradas do Imposto Seletivo, que pune com alíquotas maiores produtos
com efeitos nocivos para toda a sociedade. Uma vez nas listas de reduções e
isenções, os grupos de pressão lutarão para ser poupados quando a inevitável
tesoura for passada para cumprir o teto de 26,5%.
A Câmara ainda tem uma oportunidade de
melhorar o projeto, rejeitando casos mais absurdos. Os deputados devem lembrar
que isenções em imposto de consumo não são eficientes para proteger a população
mais vulnerável, pois beneficiam pobres e ricos indistintamente. Mas não é hora
para reabrir debates. Os deputados devem fazer as correções possíveis sem
atrasar ainda mais a aprovação da regulamentação. Nenhum texto será perfeito ou
imune a pressões e, só com a simplificação e a racionalização, a reforma tributária
já representará um avanço histórico. É o principal.
Lula deve vetar ‘jabutis’ em projeto que
regula eólicas em alto-mar
O Globo
Não faz sentido incentivar uso de
combustíveis fósseis num texto destinado a estimular energia limpa
O projeto aprovado na quinta-feira pelo
Senado regulamentando a instalação de usinas eólicas em alto-mar (offshore)
embute, sob o disfarce de uma iniciativa verde, incentivos a usinas a carvão
mineral e a gás, nocivas ao meio ambiente. Os deputados enxertaram no texto
trechos que nada têm a ver com o projeto original — ou “jabutis” —, destinados
a atender a lobbies, que encarecerão a conta de luz paga por todos os
consumidores.
O ponto mais controverso é a prorrogação da
contratação de geração de energia a
carvão, a pior emissora de gases de efeito estufa. O projeto obriga a
contratação até 2050 de termelétricas a carvão e exige que funcionem até 70%
dos dias do ano. Pela legislação atual, a obrigatoriedade só vai até 2028, e
elas só funcionariam até 2040. A proposta ainda autoriza novas usinas a carvão.
E prevê também a contratação compulsória de térmicas a gás, outra grande
emissora de gases. Apesar das críticas, a maior parte da base governista deu
aval aos “jabutis”.
Também é descabida a previsão de contratação
compulsória de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs). Hoje, ela está
condicionada ao crescimento da demanda, de acordo com o consumo de energia no
país. Pela proposta aprovada, haverá contratação de 4,9 GW mesmo não havendo
necessidade. Trata-se de uma distorção no funcionamento do mercado que encarece
a energia.
O projeto determina ainda a extensão dos
contratos do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica
(Proinfa), hoje condicionada à avaliação da Agência Nacional de Energia
Elétrica (Aneel) e à redução do preço dos contratos. A proposta retirou a
necessidade de avaliação da Aneel e atenuou a redução dos novos preços. Com o
barateamento de painéis solares e usinas eólicas, as energias alternativas há
muito já deveriam operar sem subsídios.
Na prática, as mudanças significarão aumento
na conta de luz. As alterações na legislação terão impacto de até R$ 440
bilhões em subsídios até 2050, nos cálculos das associações do setor. A
consultoria PSR estima alta de 7,5% nas contas.
O texto aprovado no Senado segue agora para o
presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que precisa vetar os “jabutis”. Não se
questiona a necessidade de regular a implantação das eólicas offshore. Mas a
proposta foi de tal forma contaminada por interesses alheios aos objetivos
originais que se transformou num projeto nocivo. É desejável que o Brasil
amplie suas fontes de energia limpa, mas é um contrassenso incentivar
combustíveis fósseis. Nada mais inoportuno do que prorrogar subsídios num setor
onde já não são mais necessários, encarecendo a conta de luz para moradores,
indústria e comércio, bem num momento em que o país tenta domar a inflação. O
projeto não é bom para o meio ambiente e não é bom para os consumidores, que no
fim pagarão a conta do desatino.
Possível fraude na eleição municipal precisa
ser investigada
Folha de S. Paulo
Órgãos de controle suspeitam que candidatos
tenham patrocinado transferência coletiva e ilegal de títulos de eleitores
Fraudes eleitorais são tão antigas quanto as
próprias eleições,
e aos órgãos de controle compete aperfeiçoar a regulação, aprimorar a
fiscalização, apurar a fundo as suspeitas e punir os ilícitos comprovados.
Polícia
Federal, Ministério
Público Eleitoral e Justiça
Eleitoral têm seguido essa cartilha diante do que parece ser um
esquema de compra de votos por meio da transferência coletiva e ilegal de
títulos de eleitores —nada a ver com a segurança das urnas eletrônicas, alvo de
campanha bolsonarista mentirosa.
Suspeita-se que, na disputa deste ano,
inúmeros candidatos a prefeito e vereador tenham cooptado votantes de fora de
suas cidades por meio da oferta de dinheiro ou outros benefícios —injetando,
assim, um anabolizante para o desempenho nas urnas.
De acordo com as investigações, entre as
maneiras utilizadas para burlar as regras estão a emissão de documentos falsos
para comprovar residência na nova cidade e a apresentação de boletos de
microempresas de telefonia, que não verificam o endereço informado pelo
cliente.
Há indícios da manobra fraudulenta em
diversas partes do país. Em municípios de pequeno e médio porte, ela pode ter
sido decisiva para o desfecho do pleito.
Estranha que, ante esse quadro, a
ministra Cármen Lúcia,
presidente do Tribunal Superior Eleitoral, tenha minimizado o problema na
primeira declaração sobre o tema. Depois, esquivou-se
de novos questionamentos.
Dados do próprio TSE mostram
a dimensão potencial do esquema: em 2024, nada menos que 717 cidades viram seu
eleitorado aumentar em pelo menos 10% apenas com a transferência de títulos de
outras localidades (ou seja, excluídos novos títulos tirados por jovens, por
exemplo).
Em um recorte ainda mais explícito, o total de
votantes cresceu entre 20% e 46% em 82 municípios, a maioria deles
com menos de 10 mil habitantes —após tamanha majoração, 58 caíram na situação
esdrúxula de ter um número maior de eleitores formais do que o da população
contabilizada pelo IBGE.
Em Fernão (SP), por exemplo, são 1.754
eleitores e 1.656 moradores, de acordo com o Censo de 2022 —o que inclui
crianças e adolescentes. Lá, o prefeito eleito venceu por um voto de vantagem e
se tornou alvo do Ministério Público, que o acusa de cooptar gente de
municípios vizinhos.
Divino das Laranjeiras (MG), por sua vez, tem
4.178 habitantes e 4.968 pessoas aptas a votar. A PF desconfia que cerca de mil
títulos tenham sido transferidos mediante fraude para a cidade.
Em Elesbão Veloso (PI), a PF investiga
manobra capitaneada por um candidato a vereador e levada a cabo mediante o uso
de documentos falsos.
Não se descartam explicações legítimas para
alguns desses descompassos, mas, como apontou reportagem da Folha,
diversas ações dos órgãos de controle sugerem que não cabe, de forma nenhuma,
minimizar o problema.
Sistema Protecionista de Saúde
Folha de S. Paulo
Por pressão de Lula, acordo entre Mercosul e
UE exclui compras do SUS, o que pode pôr em risco eficiência do setor
Decerto digno de celebração, o acordo de
integração comercial entre o Mercosul e
a União
Europeia, firmado neste mês, não deixa de revelar cacoetes
protecionistas de lado a lado. Um caso particularmente preocupante é o da
exclusão das compras do Sistema Único de Saúde (SUS).
Na reabertura das negociações entre os dois
blocos, em 2023, Luiz Inácio Lula da
Silva (PT) exigiu a
proteção das compras realizadas nas três esferas de governo do
Brasil —que, na visão petista, devem ser instrumento de fomento à indústria
nacional.
Era bem sabido que o entendimento não sairia
sem tal concessão dos europeus, que a acataram graças a benefícios extraídos do
Mercosul nas áreas industrial, agropecuária e ambiental.
Restringir importações em nome do estímulo à
produção do país sempre traz o risco de gerar ineficiência e empresas
eternamente dependentes de favores do Estado. No caso da saúde pública,
trata-se do acesso dos brasileiros aos melhores métodos de prevenção,
diagnóstico e tratamento de doenças.
Os termos do acordo negam às empresas
europeias do setor as mesmas condições das concorrentes brasileiras em
licitações de insumos, medicamentos, vacinas, tecnologias médicas e materiais
hospitalares centralizadas pelo SUS. Se quiserem participar, continuarão
tratadas como as demais estrangeiras.
Isso significa que somente vencerão uma
concorrência pública se cobrirem a atual vantagem de preços mais altos
garantida às empresas nacionais. É certo que há fabricantes europeus
estabelecidos no país nesse universo favorecido. Mas nem sempre estarão aptos a
produzir no Brasil os produtos da licitação.
Não se conhecem evidências de que o maior
sistema de saúde pública do mundo correria riscos ao adquirir, a custos
menores, itens com qualidade validada pelas agências sanitárias europeias e
produzidos por companhias submetidas a rígidas regulamentações de transparência
em suas operações.
A saúde pública consome cerca de 4% do
Produto Interno Bruto brasileiro, o que em valores atuais representa mais de R$
450 bilhões por ano. Cifras dessa magnitude obviamente despertam o interesse do
setor privado e do meio político —e conluios indevidos resultaram em não poucos
escândalos e casos rumorosos.
Com as severas restrições orçamentárias enfrentadas pelo governo, o SUS não pode se dar ao luxo de perder eficiência em seus gastos. O protecionismo no setor merece vigilância redobrada.
STF enfraquece a imunidade parlamentar
O Estado de S. Paulo
O constituinte foi cristalino: congressistas
são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer opiniões. Mas, de exceção em
exceção, a imunidade parlamentar está sendo anulada
O deputado Marcel van Hattem (Novo-RS) foi
indiciado por calúnia pela Polícia Federal (PF) em um inquérito sigiloso – mais
um – relatado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino, em
razão de um discurso na Câmara em que acusou o delegado da PF Fábio Schor,
responsável por inquéritos supervisionados pelo ministro Alexandre de Moraes,
de criar “relatórios fraudulentos”.
Recentemente, perante uma comissão do Senado,
o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, justificou o indiciamento: “Se da
tribuna um deputado cometer crime contra a honra, seja contra colega ou
qualquer cidadão, ele não tem imunidade”. Tal ignorância sobre a imunidade
parlamentar, princípio basilar das democracias liberais, é triplamente
perturbadora quando manifestada por alguém que é, ao mesmo tempo, jurista,
ministro da Justiça e ex-integrante da Corte constitucional.
A imunidade parlamentar antecede à República.
Ela já figurava na primeira Constituição, de 1824, e foi consagrada na de 1988
em seu art. 53: “Deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por
quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”. Não se trata de privilégio
pessoal. A proteção não é da pessoa, mas do cargo que exerce por incumbência do
eleitorado. É uma garantia de independência dos parlamentares ante outros
Poderes, para que possam dizer o que pensam – e eventualmente denunciar irregularidades
– sem risco de constrangimento.
Imunidade não é impunidade. A Constituição
prevê a perda de mandato por abuso dessa prerrogativa. Já em 2000, por exemplo,
este jornal pediu a cassação do deputado Jair Bolsonaro por conclamar o
fuzilamento do presidente da República. Mas esta é uma decisão que a Carta
confere exclusivamente ao Congresso.
Um tratado de Direito Constitucional de 2012
resume o consenso doutrinário: “Nas suas opiniões, palavras ou votos, jamais se
poderá identificar, por parte do parlamentar, qualquer dos chamados
crimes de opinião ou crimes da palavra, como os crimes contra a honra,
incitamento ao crime, apologia de criminosos, vilipêndio oral a culto religioso
etc.”. O grifo é nosso. O autor é Alexandre de Moraes.
O diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues,
discorda: “Não existe imunidade absoluta”. De fato, o STF vem gradativamente
relativizando a norma constitucional. Já em 1992, entendeu que a imunidade se
restringe a opiniões proferidas no exercício da função. Só recentemente, numa
decisão bastante confusa de 2022 sobre ofensas proferidas em redes sociais pelo
senador Jorge Kajuru a colegas parlamentares, a Corte relativizou seu próprio
entendimento, estabelecendo que, mesmo no exercício da função a imunidade não
comporta discursos difamatórios.
Ainda assim, a jurisprudência vigente é de
que em falas proferidas no interior das Casas Parlamentares não cabe indagar o
conteúdo das ofensas nem a conexão com a função legislativa. Nesses casos,
independentemente das condições subjetivas ou objetivas do discurso, a
inviolabilidade é absoluta. Ainda que a Corte queira reformar mais uma vez seu
entendimento e relativizar a norma constitucional mesmo no recinto parlamentar,
a decisão não pode retroagir em desfavor de Van Hattem, e o inquérito deveria
ser arquivado.
Com frequência cada vez maior, contudo, o STF
se mostra impaciente com sua condição de intérprete da Constituição,
arrogando-se o papel de seu reformador, mesmo quando a vontade do constituinte
é cristalina. Que ambivalência semântica pode haver na expressão “quaisquer”
opiniões, palavras e votos? E, no entanto, de exceção em exceção, a Corte está
encolhendo a imunidade parlamentar a ponto de anulá-la.
Não seria a primeira anulação da imunidade
parlamentar no Brasil. Há mais de 50 anos, o Congresso havia negado ao governo
autorização para processar criminalmente um deputado que, da tribuna,
denunciara o Exército como um “valhacouto de torturadores”, conclamando um
boicote aos desfiles do 7 de Setembro. Foi então que, para assegurar a
“autêntica ordem democrática, baseada na liberdade e no respeito à dignidade da
pessoa humana”, o Executivo instituiu o AI-5. O resto é história – e,
literalmente, silêncio. E, como se sabe, quem ignora a história está condenado
a repeti-la.
Sinais confusos na segurança pública
O Estado de S. Paulo
Tarcísio dá a entender que está disposto a
mudar a gestão da segurança pública e tem se consultado com especialistas na
área. Mas até que demita Derrite, tudo parecerá ação de marketing
A insatisfação com os rumos da política de
segurança pública do governador Tarcísio de Freitas, marcada pelo estímulo à
violência policial, piorou entre os eleitores paulistas. Pudera. Nos últimos
dias, como se sabe, têm vindo a público várias imagens de policiais militares
cometendo barbaridades contra cidadãos, suspeitos ou não de terem cometido
crimes.
Uma pesquisa da Quaest, realizada entre os
dias 4 e 9 deste mês e divulgada na quinta-feira passada, mostrou que 37% dos
entrevistados avaliam negativamente a gestão de Tarcísio na área da segurança
pública, o que representa um aumento de seis pontos porcentuais em relação ao
último levantamento feito pelo instituto, em abril. Outros 36% dos eleitores
paulistas consultados classificam a política de segurança pública como regular,
enquanto apenas 27% a aprovam.
Quando se considera que a segurança pública é
uma das principais plataformas políticas do governador de São Paulo, se não a
principal, fica claro que, no geral, a avaliação que a população faz de seu
trabalho nessa seara não é boa. Afinal, somados os que a reprovam e os que a
consideram regular, 73% dos eleitores paulistas não percebem que Tarcísio está
caminhando na direção correta para combater o crime e garantir a segurança da
sociedade. Bem instruído que é, o governador decerto sabia disso, ou ao menos intuía,
quando, em boa hora, admitiu publicamente seus erros e se dispôs a reavaliar as
medidas – e até as palavras – que tem adotado nessa área crucial da
administração pública.
Mais um sinal claro dessa bem-vinda
disposição de Tarcísio para aprumar a gestão da segurança pública no Estado foi
a reunião que o governador teve há poucos dias com a pesquisadora Joana
Monteiro, da Fundação Getulio Vargas (FGV), considerada uma das maiores
especialistas em políticas de segurança pública do País. O encontro, sem a
presença do secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite, foi pedido pelo
próprio governador e ocorreu na véspera da divulgação da pesquisa. O teor da
conversa não foi divulgado nem pelo Palácio dos Bandeirantes nem pela
pesquisadora, mas o Estadão apurou que a nova linha de atuação
desejada por Tarcísio vai ao encontro do que Joana Monteiro defendeu em um
evento realizado pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e
Pesquisa (IDP), no início deste mês, e do qual o governador participou.
Em linhas gerais, a professora da FGV
sustenta que o Estado precisa criar mecanismos de controle da atividade
policial de forma a valorizar os bons policiais e ter elementos de prova para
corrigir desvios e, no limite, expurgar os policiais que agem frontalmente
contra a lei. E isso passa, em grande medida, pela ampliação do uso de câmeras
no fardamento da Polícia Militar (PM). “Eu acredito na boa polícia”, disse
Joana Monteiro ao Estadão, “mas, quando esse tipo de ação (truculenta) é
fomentada, você valoriza o mau policial e prejudica o bom.” Ainda segundo a
especialista, “a tecnologia vira o jogo porque mostra cenas de total
arbitrariedade” que, ao fim e ao cabo, servem como “provas objetivas” dos
desvios.
É ótimo para a população paulista que
Tarcísio esteja disposto a mudar sua política de segurança pública e, para
isso, esteja buscando o conhecimento e a experiência de quem entende do
assunto. Mas este jornal se sente compelido a insistir em um ponto: toda a
campanha do governador para mostrar que é um servidor público capaz de
reconhecer seus erros e corrigir políticas públicas não passará de um esforço
de propaganda se esse ânimo aparente não for correspondido por ações, a começar
pela mais importante delas, a demissão imediata do secretário Derrite.
Não bastasse ser ele a personificação da
banda truculenta da PM paulista, o secretário ainda é suspeito de utilizar
equipamentos públicos, como um dos helicópteros Águia da PM, para atender aos
interesses particulares de seus amigos, como revelou a revista piauí. Por
muito menos, gente muitíssimo mais qualificada do que o sr. Derrite para
exercer o múnus público já foi afastada de seus cargos a bem do interesse
público.
Tutela absurda
O Estado de S. Paulo
Condenação de Ronaldo Caiado mostra que a
Justiça Eleitoral se vê maior do que os eleitores
É espantosa a naturalidade com que a juíza
Maria Umbelina Zorzetti, da primeira instância da Justiça Eleitoral de Goiás,
subverteu a vontade de milhares de eleitores goianienses expressada nas urnas
na eleição municipal deste ano.
Na quarta-feira passada, a magistrada
condenou o governador Ronaldo Caiado (União Brasil) a oito anos de
inelegibilidade por “abuso de poder político”. A sra. Zorzetti ainda cassou a
chapa apoiada pelo governador para a prefeitura de Goiânia, formada por Sandro
Mabel (União Brasil) e Coronel Cláudia (Avante). Mabel, como se sabe, foi
eleito no segundo turno com 55,53% dos votos válidos.
Caiado foi acusado pelo bolsonarista Fred
Rodrigues (PL), candidato derrotado na disputa, de ter sediado um ato de
campanha pró-Mabel, com a presença de vereadores eleitos, no Palácio das
Esmeraldas, sede do governo de Goiás, dias após o fim do primeiro turno. É
possível dizer que a escolha do local foi, no mínimo, imprópria, sobretudo
sendo Caiado um veterano e com pretensões políticas em âmbito nacional. Mas daí
a alijá-lo das disputas eleitorais por essa irregularidade vai uma longa
distância.
A decisão da juíza é absurda, além de
perigosa, razão pela qual se espera que seja reformada pelo Tribunal Regional
Eleitoral de Goiás e, eventualmente, até pelo Tribunal Superior Eleitoral
(TSE). A Justiça Eleitoral, convém lembrar, deve se pautar pelo princípio da
intervenção mínima. Ela existe no Brasil, ao contrário da experiência de outros
países até mais avançados, porque aqui se entende que a força da democracia
está na salvaguarda do melhor interesse dos eleitores. E, a fim de
resguardá-lo, é necessária a existência de um ramo particular do Poder
Judiciário.
Logo, a pergunta que a sra. Zorzetti deveria
ter feito a si mesma antes de tomar a decisão era: o fato de Caiado ter
realizado um ato de campanha no Palácio das Esmeraldas em prol de Mabel, em que
pese se tratar de uma irregularidade, afetou ou não o resultado da eleição? Ao
fim e ao cabo, a juíza protegeu ou violou os direitos dos eleitores
goianienses? A tal reunião influenciou decisivamente o resultado da eleição? É
evidente que não. Parece claro para qualquer pessoa sensata que se está diante
de uma interpretação draconiana da legislação eleitoral, para não dizer de um
abuso.
Caiado, obviamente, não fez o que fizeram
Jair Bolsonaro (PL) e o general Braga Netto (PL) para terem sido condenados à
inelegibilidade pelo TSE. Tampouco se portou como o delinquente Pablo Marçal
(PRTB), acusado de ter falsificado um laudo médico para prejudicar o deputado
Guilherme Boulos (PSOL-SP) e, assim, influenciar o resultado da eleição para a
Prefeitura de São Paulo. A escolha do futuro prefeito de Goiânia certamente não
foi viciada pelo evento realizado no Palácio das Esmeraldas.
Entre outras razões, essa atitude inflexível da Justiça Eleitoral, que por vezes se vê maior do que os eleitores, dá força ao discurso dos inimigos da democracia segundo o qual o “sistema” vai de encontro aos interesses dos cidadãos. No caso em tela, foi mesmo.
Avanços e recuos na reforma tributária
Correio Braziliense
A reforma tributária possível é um avanço,
mas há que se registrar o sucesso dos lobbies da indústria de bebidas e da
bancada da bala
O Senado Federal aprovou o texto-base da
regulamentação da reforma tributária, por 49 votos favoráveis e 19 contrários,
basicamente dos senadores do PL e do Novo. A regulamentação trata das regras de
incidência dos novos impostos sobre o consumo: a Contribuição sobre Bens e
Serviços (CBS), em nível federal, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de
nível estadual/municipal. Haverá também o Imposto Seletivo (IS), o chamado
"imposto do pecado", que é uma sobretaxa aplicada sobre determinados
produtos e serviços considerados prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, como
bebidas e cigarros.
Esses novos impostos unificam cinco tributos
(ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins), com uma transição de 2026 e 2033. O texto volta
à Câmara dos Deputados com novas hipóteses de redução dos futuros tributos (CBS
e IBS), como na conta de água, e com mais itens na cesta básica — a exemplo a
inclusão da erva-mate, mais consumida do que o café em determinados estados do
sul do país.
O relator Eduardo Braga (MDB-AM) atendeu
emenda incluindo os serviços funerários no regime de tributação diferenciada e
outra para aperfeiçoar as compras governamentais. Acatou ainda várias emendas
pontuais, como para o setor artístico e combustíveis para fins de transporte.
Foram excluídas do "imposto do pecado" as bebidas açucaradas, como
sucos e refrigerantes industrializados. A isenção para 22 produtos da cesta
básica, incluindo carnes e queijos, foi mantida.
As principais vantagens da reforma são a
simplificação tributária, que facilita a administração tributária e reduz a
burocracia; o fim da guerra fiscal, com a arrecadação baseada no destino das
mercadorias, que reequilibra a distribuição de recursos entre os estados; a
devolução de impostos (cashback) para as famílias incluídas no CadÚnico,
relativos a produtos essenciais, como alimentos da cesta básica e medicamentos;
e a criação do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR), para reduzir
disparidades econômicas entre estados e fomentar investimentos em
infraestrutura e inovação.
Entretanto, a reforma também foi parcialmente
desfigurada pelo Congresso, que aprovou medidas que alongam o período de
transição do atual sistema tributário para o novo, ao longo de sete anos, o que
vai impactar os custos administrativos das empresas, porque o velho e o novo
sistema coexistirão nesse período. Alguns setores, como o agropecuário e a
indústria, poderão enfrentar aumentos de carga tributária, dependendo de
ajustes nas alíquotas estaduais. Como as empresas terão de reconfigurar seus
sistemas contábeis e fiscais para atender às novas regras, haverá outros custos
adicionais.
A reforma possível é um avanço, mas há que se registrar o sucesso dos lobbies da indústria de bebidas e da bancada da bala. É inadmissível que um refrigerante e, pior ainda, uma arma, paguem menos impostos do que as fraldas descartáveis de crianças e idosos. E mais: como voltará para a Câmara dos Deputados, além do atraso na aprovação da reforma, existe o risco de que o texto possa piorar.
Falando em fraudes eleitorais existirem há não sei quanto tempo, lembrei-me da charge de Alfredo Storni, sobre o chamado voto de cabresto. Ela é de 1927, mas ainda ilustra bastante bem o que acontece hoje, como nos casos apontados pela Folha.
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