sábado, 14 de dezembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Câmara deve ser ágil para aprovar reforma tributária

O Globo

Regulamentação do Senado tem imperfeições que ainda podem ser corrigidas, desde que não haja atraso

A aprovação no Senado do projeto principal de regulamentação da reforma tributária abre caminho para que a maior transformação na economia brasileira desde o Plano Real se torne realidade. Como o texto foi modificado, a Câmara voltará a examiná-lo. A votação final é esperada para a semana que vem, e os deputados não deveriam medir esforços para cumprir o prazo. A reforma revolucionará aquele que é visto como pior sistema de tributação do mundo. Até 2033, ela diminuirá a quantidade de impostos e regras, acabará com a cobrança cumulativa e a guerra fiscal entre estados, trará alívio ao tempo gasto pelas empresas com tributos e ao contencioso judicial. O fim do manicômio tributário brasileiro se traduzirá em mais investimentos, mais crescimento econômico e mais renda.

Embora represente um avanço, a votação no Senado pecou por deixar o Brasil com a segunda maior alíquota do mundo de imposto sobre consumo. O Partido Liberal (PL) apresentou destaque para reduzir de 26,5% para 25% o teto, mas a proposta foi rejeitada. Mantida essa trava, o Brasil ficará atrás somente da Hungria (27%), número 1 de um ranking de 150 países analisados pela consultoria PwC. Croácia, Dinamarca, Finlândia, Noruega e Suécia ficam em terceiro lugar, com 25%. Em países emergentes, a alíquota costuma ser mais baixa. Na China, não passa de 13%. No México, 16%. Pelo que foi aprovado nas duas Casas, toda vez que a alíquota ultrapassar 26,5%, o governo terá de propor cortes para reduzi-la.

Ainda que cientes desse limite, os deputados enviaram ao Senado um texto cheio de concessões, que exigiriam uma alíquota de 27,97%. Em vez de reduzi-la, os senadores a aumentaram para 28,55% — a maior do mundo —, sob pressão de lobbies por isenções e reduções. Nesse ponto, não adianta brigar com a aritmética. Quanto mais beneficiados com tributos zerados ou reduzidos, maior precisa ser a cobrança dos demais para manter o mesmo nível de arrecadação.

É evidente que, como em qualquer país, haverá grupos de pressão fortes o suficiente para fazer valer seus interesses dentro das regras democráticas. E o Congresso é soberano para decidir. Mas não há dúvida de que houve exagero. Os senadores ampliaram os benefícios da Zona Franca de Manaus, cujas benesses já representam um dos maiores gastos tributários do país, de eficácia questionável. Retiraram armas de fogo e bebidas açucaradas do Imposto Seletivo, que pune com alíquotas maiores produtos com efeitos nocivos para toda a sociedade. Uma vez nas listas de reduções e isenções, os grupos de pressão lutarão para ser poupados quando a inevitável tesoura for passada para cumprir o teto de 26,5%.

A Câmara ainda tem uma oportunidade de melhorar o projeto, rejeitando casos mais absurdos. Os deputados devem lembrar que isenções em imposto de consumo não são eficientes para proteger a população mais vulnerável, pois beneficiam pobres e ricos indistintamente. Mas não é hora para reabrir debates. Os deputados devem fazer as correções possíveis sem atrasar ainda mais a aprovação da regulamentação. Nenhum texto será perfeito ou imune a pressões e, só com a simplificação e a racionalização, a reforma tributária já representará um avanço histórico. É o principal.

Lula deve vetar ‘jabutis’ em projeto que regula eólicas em alto-mar

O Globo

Não faz sentido incentivar uso de combustíveis fósseis num texto destinado a estimular energia limpa

O projeto aprovado na quinta-feira pelo Senado regulamentando a instalação de usinas eólicas em alto-mar (offshore) embute, sob o disfarce de uma iniciativa verde, incentivos a usinas a carvão mineral e a gás, nocivas ao meio ambiente. Os deputados enxertaram no texto trechos que nada têm a ver com o projeto original — ou “jabutis” —, destinados a atender a lobbies, que encarecerão a conta de luz paga por todos os consumidores.

O ponto mais controverso é a prorrogação da contratação de geração de energia a carvão, a pior emissora de gases de efeito estufa. O projeto obriga a contratação até 2050 de termelétricas a carvão e exige que funcionem até 70% dos dias do ano. Pela legislação atual, a obrigatoriedade só vai até 2028, e elas só funcionariam até 2040. A proposta ainda autoriza novas usinas a carvão. E prevê também a contratação compulsória de térmicas a gás, outra grande emissora de gases. Apesar das críticas, a maior parte da base governista deu aval aos “jabutis”.

Também é descabida a previsão de contratação compulsória de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs). Hoje, ela está condicionada ao crescimento da demanda, de acordo com o consumo de energia no país. Pela proposta aprovada, haverá contratação de 4,9 GW mesmo não havendo necessidade. Trata-se de uma distorção no funcionamento do mercado que encarece a energia.

O projeto determina ainda a extensão dos contratos do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa), hoje condicionada à avaliação da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e à redução do preço dos contratos. A proposta retirou a necessidade de avaliação da Aneel e atenuou a redução dos novos preços. Com o barateamento de painéis solares e usinas eólicas, as energias alternativas há muito já deveriam operar sem subsídios.

Na prática, as mudanças significarão aumento na conta de luz. As alterações na legislação terão impacto de até R$ 440 bilhões em subsídios até 2050, nos cálculos das associações do setor. A consultoria PSR estima alta de 7,5% nas contas.

O texto aprovado no Senado segue agora para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que precisa vetar os “jabutis”. Não se questiona a necessidade de regular a implantação das eólicas offshore. Mas a proposta foi de tal forma contaminada por interesses alheios aos objetivos originais que se transformou num projeto nocivo. É desejável que o Brasil amplie suas fontes de energia limpa, mas é um contrassenso incentivar combustíveis fósseis. Nada mais inoportuno do que prorrogar subsídios num setor onde já não são mais necessários, encarecendo a conta de luz para moradores, indústria e comércio, bem num momento em que o país tenta domar a inflação. O projeto não é bom para o meio ambiente e não é bom para os consumidores, que no fim pagarão a conta do desatino.

Possível fraude na eleição municipal precisa ser investigada

Folha de S. Paulo

Órgãos de controle suspeitam que candidatos tenham patrocinado transferência coletiva e ilegal de títulos de eleitores

Fraudes eleitorais são tão antigas quanto as próprias eleições, e aos órgãos de controle compete aperfeiçoar a regulação, aprimorar a fiscalização, apurar a fundo as suspeitas e punir os ilícitos comprovados.

Polícia FederalMinistério Público Eleitoral e Justiça Eleitoral têm seguido essa cartilha diante do que parece ser um esquema de compra de votos por meio da transferência coletiva e ilegal de títulos de eleitores —nada a ver com a segurança das urnas eletrônicas, alvo de campanha bolsonarista mentirosa.

Suspeita-se que, na disputa deste ano, inúmeros candidatos a prefeito e vereador tenham cooptado votantes de fora de suas cidades por meio da oferta de dinheiro ou outros benefícios —injetando, assim, um anabolizante para o desempenho nas urnas.

De acordo com as investigações, entre as maneiras utilizadas para burlar as regras estão a emissão de documentos falsos para comprovar residência na nova cidade e a apresentação de boletos de microempresas de telefonia, que não verificam o endereço informado pelo cliente.

Há indícios da manobra fraudulenta em diversas partes do país. Em municípios de pequeno e médio porte, ela pode ter sido decisiva para o desfecho do pleito.

Estranha que, ante esse quadro, a ministra Cármen Lúcia, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, tenha minimizado o problema na primeira declaração sobre o tema. Depois, esquivou-se de novos questionamentos.

Dados do próprio TSE mostram a dimensão potencial do esquema: em 2024, nada menos que 717 cidades viram seu eleitorado aumentar em pelo menos 10% apenas com a transferência de títulos de outras localidades (ou seja, excluídos novos títulos tirados por jovens, por exemplo).

Em um recorte ainda mais explícito, o total de votantes cresceu entre 20% e 46% em 82 municípios, a maioria deles com menos de 10 mil habitantes —após tamanha majoração, 58 caíram na situação esdrúxula de ter um número maior de eleitores formais do que o da população contabilizada pelo IBGE.

Em Fernão (SP), por exemplo, são 1.754 eleitores e 1.656 moradores, de acordo com o Censo de 2022 —o que inclui crianças e adolescentes. Lá, o prefeito eleito venceu por um voto de vantagem e se tornou alvo do Ministério Público, que o acusa de cooptar gente de municípios vizinhos.

Divino das Laranjeiras (MG), por sua vez, tem 4.178 habitantes e 4.968 pessoas aptas a votar. A PF desconfia que cerca de mil títulos tenham sido transferidos mediante fraude para a cidade.

Em Elesbão Veloso (PI), a PF investiga manobra capitaneada por um candidato a vereador e levada a cabo mediante o uso de documentos falsos.

Não se descartam explicações legítimas para alguns desses descompassos, mas, como apontou reportagem da Folha, diversas ações dos órgãos de controle sugerem que não cabe, de forma nenhuma, minimizar o problema.

Sistema Protecionista de Saúde

Folha de S. Paulo

Por pressão de Lula, acordo entre Mercosul e UE exclui compras do SUS, o que pode pôr em risco eficiência do setor

Decerto digno de celebração, o acordo de integração comercial entre o Mercosul e a União Europeia, firmado neste mês, não deixa de revelar cacoetes protecionistas de lado a lado. Um caso particularmente preocupante é o da exclusão das compras do Sistema Único de Saúde (SUS).

Na reabertura das negociações entre os dois blocos, em 2023, Luiz Inácio Lula da Silva (PTexigiu a proteção das compras realizadas nas três esferas de governo do Brasil —que, na visão petista, devem ser instrumento de fomento à indústria nacional.

Era bem sabido que o entendimento não sairia sem tal concessão dos europeus, que a acataram graças a benefícios extraídos do Mercosul nas áreas industrial, agropecuária e ambiental.

Restringir importações em nome do estímulo à produção do país sempre traz o risco de gerar ineficiência e empresas eternamente dependentes de favores do Estado. No caso da saúde pública, trata-se do acesso dos brasileiros aos melhores métodos de prevenção, diagnóstico e tratamento de doenças.

Os termos do acordo negam às empresas europeias do setor as mesmas condições das concorrentes brasileiras em licitações de insumos, medicamentos, vacinas, tecnologias médicas e materiais hospitalares centralizadas pelo SUS. Se quiserem participar, continuarão tratadas como as demais estrangeiras.

Isso significa que somente vencerão uma concorrência pública se cobrirem a atual vantagem de preços mais altos garantida às empresas nacionais. É certo que há fabricantes europeus estabelecidos no país nesse universo favorecido. Mas nem sempre estarão aptos a produzir no Brasil os produtos da licitação.

Não se conhecem evidências de que o maior sistema de saúde pública do mundo correria riscos ao adquirir, a custos menores, itens com qualidade validada pelas agências sanitárias europeias e produzidos por companhias submetidas a rígidas regulamentações de transparência em suas operações.

A saúde pública consome cerca de 4% do Produto Interno Bruto brasileiro, o que em valores atuais representa mais de R$ 450 bilhões por ano. Cifras dessa magnitude obviamente despertam o interesse do setor privado e do meio político —e conluios indevidos resultaram em não poucos escândalos e casos rumorosos.

Com as severas restrições orçamentárias enfrentadas pelo governo, o SUS não pode se dar ao luxo de perder eficiência em seus gastos. O protecionismo no setor merece vigilância redobrada.

STF enfraquece a imunidade parlamentar

O Estado de S. Paulo

O constituinte foi cristalino: congressistas são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer opiniões. Mas, de exceção em exceção, a imunidade parlamentar está sendo anulada

O deputado Marcel van Hattem (Novo-RS) foi indiciado por calúnia pela Polícia Federal (PF) em um inquérito sigiloso – mais um – relatado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino, em razão de um discurso na Câmara em que acusou o delegado da PF Fábio Schor, responsável por inquéritos supervisionados pelo ministro Alexandre de Moraes, de criar “relatórios fraudulentos”.

Recentemente, perante uma comissão do Senado, o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, justificou o indiciamento: “Se da tribuna um deputado cometer crime contra a honra, seja contra colega ou qualquer cidadão, ele não tem imunidade”. Tal ignorância sobre a imunidade parlamentar, princípio basilar das democracias liberais, é triplamente perturbadora quando manifestada por alguém que é, ao mesmo tempo, jurista, ministro da Justiça e ex-integrante da Corte constitucional.

A imunidade parlamentar antecede à República. Ela já figurava na primeira Constituição, de 1824, e foi consagrada na de 1988 em seu art. 53: “Deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”. Não se trata de privilégio pessoal. A proteção não é da pessoa, mas do cargo que exerce por incumbência do eleitorado. É uma garantia de independência dos parlamentares ante outros Poderes, para que possam dizer o que pensam – e eventualmente denunciar irregularidades – sem risco de constrangimento.

Imunidade não é impunidade. A Constituição prevê a perda de mandato por abuso dessa prerrogativa. Já em 2000, por exemplo, este jornal pediu a cassação do deputado Jair Bolsonaro por conclamar o fuzilamento do presidente da República. Mas esta é uma decisão que a Carta confere exclusivamente ao Congresso.

Um tratado de Direito Constitucional de 2012 resume o consenso doutrinário: “Nas suas opiniões, palavras ou votos, jamais se poderá identificar, por parte do parlamentar, qualquer dos chamados crimes de opinião ou crimes da palavra, como os crimes contra a honra, incitamento ao crime, apologia de criminosos, vilipêndio oral a culto religioso etc.”. O grifo é nosso. O autor é Alexandre de Moraes.

O diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, discorda: “Não existe imunidade absoluta”. De fato, o STF vem gradativamente relativizando a norma constitucional. Já em 1992, entendeu que a imunidade se restringe a opiniões proferidas no exercício da função. Só recentemente, numa decisão bastante confusa de 2022 sobre ofensas proferidas em redes sociais pelo senador Jorge Kajuru a colegas parlamentares, a Corte relativizou seu próprio entendimento, estabelecendo que, mesmo no exercício da função a imunidade não comporta discursos difamatórios.

Ainda assim, a jurisprudência vigente é de que em falas proferidas no interior das Casas Parlamentares não cabe indagar o conteúdo das ofensas nem a conexão com a função legislativa. Nesses casos, independentemente das condições subjetivas ou objetivas do discurso, a inviolabilidade é absoluta. Ainda que a Corte queira reformar mais uma vez seu entendimento e relativizar a norma constitucional mesmo no recinto parlamentar, a decisão não pode retroagir em desfavor de Van Hattem, e o inquérito deveria ser arquivado.

Com frequência cada vez maior, contudo, o STF se mostra impaciente com sua condição de intérprete da Constituição, arrogando-se o papel de seu reformador, mesmo quando a vontade do constituinte é cristalina. Que ambivalência semântica pode haver na expressão “quaisquer” opiniões, palavras e votos? E, no entanto, de exceção em exceção, a Corte está encolhendo a imunidade parlamentar a ponto de anulá-la.

Não seria a primeira anulação da imunidade parlamentar no Brasil. Há mais de 50 anos, o Congresso havia negado ao governo autorização para processar criminalmente um deputado que, da tribuna, denunciara o Exército como um “valhacouto de torturadores”, conclamando um boicote aos desfiles do 7 de Setembro. Foi então que, para assegurar a “autêntica ordem democrática, baseada na liberdade e no respeito à dignidade da pessoa humana”, o Executivo instituiu o AI-5. O resto é história – e, literalmente, silêncio. E, como se sabe, quem ignora a história está condenado a repeti-la.

Sinais confusos na segurança pública

O Estado de S. Paulo

Tarcísio dá a entender que está disposto a mudar a gestão da segurança pública e tem se consultado com especialistas na área. Mas até que demita Derrite, tudo parecerá ação de marketing

A insatisfação com os rumos da política de segurança pública do governador Tarcísio de Freitas, marcada pelo estímulo à violência policial, piorou entre os eleitores paulistas. Pudera. Nos últimos dias, como se sabe, têm vindo a público várias imagens de policiais militares cometendo barbaridades contra cidadãos, suspeitos ou não de terem cometido crimes.

Uma pesquisa da Quaest, realizada entre os dias 4 e 9 deste mês e divulgada na quinta-feira passada, mostrou que 37% dos entrevistados avaliam negativamente a gestão de Tarcísio na área da segurança pública, o que representa um aumento de seis pontos porcentuais em relação ao último levantamento feito pelo instituto, em abril. Outros 36% dos eleitores paulistas consultados classificam a política de segurança pública como regular, enquanto apenas 27% a aprovam.

Quando se considera que a segurança pública é uma das principais plataformas políticas do governador de São Paulo, se não a principal, fica claro que, no geral, a avaliação que a população faz de seu trabalho nessa seara não é boa. Afinal, somados os que a reprovam e os que a consideram regular, 73% dos eleitores paulistas não percebem que Tarcísio está caminhando na direção correta para combater o crime e garantir a segurança da sociedade. Bem instruído que é, o governador decerto sabia disso, ou ao menos intuía, quando, em boa hora, admitiu publicamente seus erros e se dispôs a reavaliar as medidas – e até as palavras – que tem adotado nessa área crucial da administração pública.

Mais um sinal claro dessa bem-vinda disposição de Tarcísio para aprumar a gestão da segurança pública no Estado foi a reunião que o governador teve há poucos dias com a pesquisadora Joana Monteiro, da Fundação Getulio Vargas (FGV), considerada uma das maiores especialistas em políticas de segurança pública do País. O encontro, sem a presença do secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite, foi pedido pelo próprio governador e ocorreu na véspera da divulgação da pesquisa. O teor da conversa não foi divulgado nem pelo Palácio dos Bandeirantes nem pela pesquisadora, mas o Estadão apurou que a nova linha de atuação desejada por Tarcísio vai ao encontro do que Joana Monteiro defendeu em um evento realizado pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), no início deste mês, e do qual o governador participou.

Em linhas gerais, a professora da FGV sustenta que o Estado precisa criar mecanismos de controle da atividade policial de forma a valorizar os bons policiais e ter elementos de prova para corrigir desvios e, no limite, expurgar os policiais que agem frontalmente contra a lei. E isso passa, em grande medida, pela ampliação do uso de câmeras no fardamento da Polícia Militar (PM). “Eu acredito na boa polícia”, disse Joana Monteiro ao Estadão, “mas, quando esse tipo de ação (truculenta) é fomentada, você valoriza o mau policial e prejudica o bom.” Ainda segundo a especialista, “a tecnologia vira o jogo porque mostra cenas de total arbitrariedade” que, ao fim e ao cabo, servem como “provas objetivas” dos desvios.

É ótimo para a população paulista que Tarcísio esteja disposto a mudar sua política de segurança pública e, para isso, esteja buscando o conhecimento e a experiência de quem entende do assunto. Mas este jornal se sente compelido a insistir em um ponto: toda a campanha do governador para mostrar que é um servidor público capaz de reconhecer seus erros e corrigir políticas públicas não passará de um esforço de propaganda se esse ânimo aparente não for correspondido por ações, a começar pela mais importante delas, a demissão imediata do secretário Derrite.

Não bastasse ser ele a personificação da banda truculenta da PM paulista, o secretário ainda é suspeito de utilizar equipamentos públicos, como um dos helicópteros Águia da PM, para atender aos interesses particulares de seus amigos, como revelou a revista piauí. Por muito menos, gente muitíssimo mais qualificada do que o sr. Derrite para exercer o múnus público já foi afastada de seus cargos a bem do interesse público.

Tutela absurda

O Estado de S. Paulo

Condenação de Ronaldo Caiado mostra que a Justiça Eleitoral se vê maior do que os eleitores

É espantosa a naturalidade com que a juíza Maria Umbelina Zorzetti, da primeira instância da Justiça Eleitoral de Goiás, subverteu a vontade de milhares de eleitores goianienses expressada nas urnas na eleição municipal deste ano.

Na quarta-feira passada, a magistrada condenou o governador Ronaldo Caiado (União Brasil) a oito anos de inelegibilidade por “abuso de poder político”. A sra. Zorzetti ainda cassou a chapa apoiada pelo governador para a prefeitura de Goiânia, formada por Sandro Mabel (União Brasil) e Coronel Cláudia (Avante). Mabel, como se sabe, foi eleito no segundo turno com 55,53% dos votos válidos.

Caiado foi acusado pelo bolsonarista Fred Rodrigues (PL), candidato derrotado na disputa, de ter sediado um ato de campanha pró-Mabel, com a presença de vereadores eleitos, no Palácio das Esmeraldas, sede do governo de Goiás, dias após o fim do primeiro turno. É possível dizer que a escolha do local foi, no mínimo, imprópria, sobretudo sendo Caiado um veterano e com pretensões políticas em âmbito nacional. Mas daí a alijá-lo das disputas eleitorais por essa irregularidade vai uma longa distância.

A decisão da juíza é absurda, além de perigosa, razão pela qual se espera que seja reformada pelo Tribunal Regional Eleitoral de Goiás e, eventualmente, até pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A Justiça Eleitoral, convém lembrar, deve se pautar pelo princípio da intervenção mínima. Ela existe no Brasil, ao contrário da experiência de outros países até mais avançados, porque aqui se entende que a força da democracia está na salvaguarda do melhor interesse dos eleitores. E, a fim de resguardá-lo, é necessária a existência de um ramo particular do Poder Judiciário.

Logo, a pergunta que a sra. Zorzetti deveria ter feito a si mesma antes de tomar a decisão era: o fato de Caiado ter realizado um ato de campanha no Palácio das Esmeraldas em prol de Mabel, em que pese se tratar de uma irregularidade, afetou ou não o resultado da eleição? Ao fim e ao cabo, a juíza protegeu ou violou os direitos dos eleitores goianienses? A tal reunião influenciou decisivamente o resultado da eleição? É evidente que não. Parece claro para qualquer pessoa sensata que se está diante de uma interpretação draconiana da legislação eleitoral, para não dizer de um abuso.

Caiado, obviamente, não fez o que fizeram Jair Bolsonaro (PL) e o general Braga Netto (PL) para terem sido condenados à inelegibilidade pelo TSE. Tampouco se portou como o delinquente Pablo Marçal (PRTB), acusado de ter falsificado um laudo médico para prejudicar o deputado Guilherme Boulos (PSOL-SP) e, assim, influenciar o resultado da eleição para a Prefeitura de São Paulo. A escolha do futuro prefeito de Goiânia certamente não foi viciada pelo evento realizado no Palácio das Esmeraldas.

Entre outras razões, essa atitude inflexível da Justiça Eleitoral, que por vezes se vê maior do que os eleitores, dá força ao discurso dos inimigos da democracia segundo o qual o “sistema” vai de encontro aos interesses dos cidadãos. No caso em tela, foi mesmo.

Avanços e recuos na reforma tributária

Correio Braziliense

A reforma tributária possível é um avanço, mas há que se registrar o sucesso dos lobbies da indústria de bebidas e da bancada da bala

O Senado Federal aprovou o texto-base da regulamentação da reforma tributária, por 49 votos favoráveis e 19 contrários, basicamente dos senadores do PL e do Novo. A regulamentação trata das regras de incidência dos novos impostos sobre o consumo: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), em nível federal, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de nível estadual/municipal. Haverá também o Imposto Seletivo (IS), o chamado "imposto do pecado", que é uma sobretaxa aplicada sobre determinados produtos e serviços considerados prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, como bebidas e cigarros.

Esses novos impostos unificam cinco tributos (ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins), com uma transição de 2026 e 2033. O texto volta à Câmara dos Deputados com novas hipóteses de redução dos futuros tributos (CBS e IBS), como na conta de água, e com mais itens na cesta básica — a exemplo a inclusão da erva-mate, mais consumida do que o café em determinados estados do sul do país.

O relator Eduardo Braga (MDB-AM) atendeu emenda incluindo os serviços funerários no regime de tributação diferenciada e outra para aperfeiçoar as compras governamentais. Acatou ainda várias emendas pontuais, como para o setor artístico e combustíveis para fins de transporte. Foram excluídas do "imposto do pecado" as bebidas açucaradas, como sucos e refrigerantes industrializados. A isenção para 22 produtos da cesta básica, incluindo carnes e queijos, foi mantida.

As principais vantagens da reforma são a simplificação tributária, que facilita a administração tributária e reduz a burocracia; o fim da guerra fiscal, com a arrecadação baseada no destino das mercadorias, que reequilibra a distribuição de recursos entre os estados; a devolução de impostos (cashback) para as famílias incluídas no CadÚnico, relativos a produtos essenciais, como alimentos da cesta básica e medicamentos; e a criação do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR), para reduzir disparidades econômicas entre estados e fomentar investimentos em infraestrutura e inovação.

Entretanto, a reforma também foi parcialmente desfigurada pelo Congresso, que aprovou medidas que alongam o período de transição do atual sistema tributário para o novo, ao longo de sete anos, o que vai impactar os custos administrativos das empresas, porque o velho e o novo sistema coexistirão nesse período. Alguns setores, como o agropecuário e a indústria, poderão enfrentar aumentos de carga tributária, dependendo de ajustes nas alíquotas estaduais. Como as empresas terão de reconfigurar seus sistemas contábeis e fiscais para atender às novas regras, haverá outros custos adicionais.

A reforma possível é um avanço, mas há que se registrar o sucesso dos lobbies da indústria de bebidas e da bancada da bala. É inadmissível que um refrigerante e, pior ainda, uma arma, paguem menos impostos do que as fraldas descartáveis de crianças e idosos. E mais: como voltará para a Câmara dos Deputados, além do atraso na aprovação da reforma, existe o risco de que o texto possa piorar. 

Um comentário:

  1. Falando em fraudes eleitorais existirem há não sei quanto tempo, lembrei-me da charge de Alfredo Storni, sobre o chamado voto de cabresto. Ela é de 1927, mas ainda ilustra bastante bem o que acontece hoje, como nos casos apontados pela Folha.

    😏

    ResponderExcluir

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.