terça-feira, 17 de dezembro de 2024

Pedalada natalina - ProfºAylê-Salassié Quintão

Para aquecer a memória, essa história de manipulação parlamentar dos orçamentos da União, dos Estados e até de municípios já gerou muitas confusões, prisões e até assassinatos. Não me lembro de problemas especificamente regionais, mas não me esqueço de crimes como os dos Anões do Orçamento, a morte da professora Elizabeth Lofrano, e de como Itamar Franco (1992-1995) governou até quase a metade do mandato sem orçamento, por negligência do Congresso Nacional. Foi uma sorte ter acontecido justo com o Itamar Franco, porque ele manteve a governança inalterada, sem sofrer uma acusação sequer de corrupção. Com Itamar, o PIB cresceu 10%, e a renda per capita 6,78%. Foi o último período de tranquilidade política vivido pelo País nesses últimos anos.

Neste momento, a Lei Orçamentária Anual (LOA) para 2025 está em debate no Congresso, com previsão de votação junto com a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) antes do Natal. Tecnicamente, tudo meio confuso ainda: cenário que agrada aos políticos. A LDO já deveria ter sido votada há tempos, porque é ela que define as prioridades para o próximo Exercício. A LOA é o Orçamento propriamente dito. Prevê receitas e fixa as despesas para programas e projetos que serão executados em 2025. A tramitação é arrastada por causa de despesas sobreavaliadas e fontes de receita imaginadas, como a redução ou extinção de privilégios concedidos à regiões, empresas e setores. Não tem origens realistas.

A distribuição dos recursos para a administração direta (ministérios) não tem muito problema porque todos trabalham com tetos -referenciando-se no Exercício anterior. Apenas superestimam as necessidades. Sabem, por antecipação, que haverão cortes, agora, na sua tramitação e, lá por abril e maio, um novo ajuste para torná-la mais compatível com a arrecadação fiscal. As negociações políticas interferem nesse percurso, confundindo os ministérios do Planejamento e o da Fazenda. Destinações e liberações vão sendo decididas no Planalto.

Durante a tramitação da LOA no Congresso, a maioria dos parlamentares que não consideram seus estados devidamente contemplados no Orçamento, passam a agir nos subterrâneos - comissões, assessorias e até em plenário - para introduzir um "jabuti", um "fantasminha"- um parágrafo, uma alínea, um ítem - algo de seu interesse ou que foi suprimido pelo relator, que passam no calor da hora de votação. Chegam a ser apresentadas quase 15 mil emendas. A tarefa do relator é gigantesca, analisar tudo aquilo, aprovar ou rejeitar. A maioria é descartada. Surgem daí grandes inimizades

Para se ter uma ideia na LOA para 2024, aprovada em 23 de dezembro de 2023, os deputados e senadores apresentaram 16 mil emendas ao Orçamento. O relator acolheu 7.900 individuais, de bancadas estaduais e de Comissões, num total de R$ 53 bilhões, das quais R$ 23 bilhões para serem distribuídas, individualmente, entre os 594 parlamentares. Receber os repasses do Tesouro é que é o problema. O Governo faz uma troca de favores.

O que empaca mesmo a votação das peças orçamentárias é a definição dos limites de valores para as emendas parlamentares - recursos destinados compulsoriamente a cada deputado, senador para executar projetos na sua região de origem. Começam por sofrer embargos prévios, devido a fragilidade das justificativas. Por provocação do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, a partir de agora, os parlamentares estão obrigados a apresentar projetos para cada emenda. O Judiciário quer uma prestação de contas e saber se as emendas atendem a que tipo de projeto, quem recebe, quem aplica e a quem beneficia? Vinculado ao Senado Federal, O Tribunal de Contas da União sempre se omitiu sobre essa questão. Deputados e senadores recebiam sua quota financeira para as emendas e as aplicava à revelia, sem qualquer fiscalização.

A apresentação dessas propostas criam um reboliço dentro do Congresso, com muita chantagem de ambos lados, e que resulta de uma expectativa de auto afirmação junto às bases eleitorais. o Governo quer contabilizar tudo no tal Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), como obras suas, e há dezenas de deputados, e partidos de oposição, que se recusam a fazê-lo. Esse pendurucalho narcisista trava tudo.

Enfim, trata-se de um teatro improdutivo, que consome recursos públicos, leva a tensão também entre o Congresso e o Judiciário, este último um gastador contumaz que não admite críticas, nem cortes. A relação agravou-se este ano, após a mudanças dos critérios para liberação das emendas parlamentares. O Congresso aprovou uma nova lei mudando a regra, e Lula, numa portaria, tentou alterar o entendimento de Flávio Dino, da "rastreabilidade e transparência" das peças do Orçamento. Para contornar a gestão orçamentária e a decisão do Supremo Tribunal, tentou-se a responsabilização de quem assinasse os papéis. Houve um apagão. Ninguém queria mais assinar autorização de saques, serviços e ordens de pagamento.

A verdade é que todos gostam de "dinheiro a rodo e fácil ", liberdade para gastar como achar melhor para seus estados e municípios, e até para o próprio bolso. Há os que se consideram com mais direito que os outros por apoiar o Governo. No fundo, todos querem mesmo é pedalar os recursos do Tesouro, sobretudo via emendas no Orçamento. Provoca-se, com isso, segundo os especialistas em políticas fiscais, confrontos de gestão ou um "derretimento institucional", que já gerou o impeachment de Dilma Roussef, e podem resultar em problemas contábeis e constitucionais aí na frente.

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