Para aquecer a memória, essa história de manipulação parlamentar dos orçamentos da União, dos Estados e até de municípios já gerou muitas confusões, prisões e até assassinatos. Não me lembro de problemas especificamente regionais, mas não me esqueço de crimes como os dos Anões do Orçamento, a morte da professora Elizabeth Lofrano, e de como Itamar Franco (1992-1995) governou até quase a metade do mandato sem orçamento, por negligência do Congresso Nacional. Foi uma sorte ter acontecido justo com o Itamar Franco, porque ele manteve a governança inalterada, sem sofrer uma acusação sequer de corrupção. Com Itamar, o PIB cresceu 10%, e a renda per capita 6,78%. Foi o último período de tranquilidade política vivido pelo País nesses últimos anos.
Neste momento, a Lei Orçamentária Anual (LOA)
para 2025 está em debate no Congresso, com previsão de votação junto com a Lei
de Diretrizes Orçamentárias (LDO) antes do Natal. Tecnicamente, tudo meio
confuso ainda: cenário que agrada aos políticos. A LDO já deveria ter sido
votada há tempos, porque é ela que define as prioridades para o próximo
Exercício. A LOA é o Orçamento propriamente dito. Prevê receitas e fixa as
despesas para programas e projetos que serão executados em 2025. A tramitação é
arrastada por causa de despesas sobreavaliadas e fontes de receita imaginadas,
como a redução ou extinção de privilégios concedidos à regiões, empresas e
setores. Não tem origens realistas.
A distribuição dos recursos para a
administração direta (ministérios) não tem muito problema porque todos
trabalham com tetos -referenciando-se no Exercício anterior. Apenas
superestimam as necessidades. Sabem, por antecipação, que haverão cortes,
agora, na sua tramitação e, lá por abril e maio, um novo ajuste para torná-la
mais compatível com a arrecadação fiscal. As negociações políticas interferem
nesse percurso, confundindo os ministérios do Planejamento e o da Fazenda.
Destinações e liberações vão sendo decididas no Planalto.
Durante a tramitação da LOA no Congresso, a
maioria dos parlamentares que não consideram seus estados devidamente
contemplados no Orçamento, passam a agir nos subterrâneos - comissões,
assessorias e até em plenário - para introduzir um "jabuti", um "fantasminha"-
um parágrafo, uma alínea, um ítem - algo de seu interesse ou que foi suprimido
pelo relator, que passam no calor da hora de votação. Chegam a ser apresentadas
quase 15 mil emendas. A tarefa do relator é gigantesca, analisar tudo aquilo,
aprovar ou rejeitar. A maioria é descartada. Surgem daí grandes inimizades
Para se ter uma ideia na LOA para 2024,
aprovada em 23 de dezembro de 2023, os deputados e senadores apresentaram 16
mil emendas ao Orçamento. O relator acolheu 7.900 individuais, de bancadas
estaduais e de Comissões, num total de R$ 53 bilhões, das quais R$ 23 bilhões
para serem distribuídas, individualmente, entre os 594 parlamentares. Receber
os repasses do Tesouro é que é o problema. O Governo faz uma troca de favores.
O que empaca mesmo a votação das peças
orçamentárias é a definição dos limites de valores para as emendas
parlamentares - recursos destinados compulsoriamente a cada deputado, senador
para executar projetos na sua região de origem. Começam por sofrer embargos
prévios, devido a fragilidade das justificativas. Por provocação do ministro
Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, a partir de agora, os parlamentares
estão obrigados a apresentar projetos para cada emenda. O Judiciário quer uma
prestação de contas e saber se as emendas atendem a que tipo de projeto, quem
recebe, quem aplica e a quem beneficia? Vinculado ao Senado Federal, O Tribunal
de Contas da União sempre se omitiu sobre essa questão. Deputados e senadores
recebiam sua quota financeira para as emendas e as aplicava à revelia, sem
qualquer fiscalização.
A apresentação dessas propostas criam um
reboliço dentro do Congresso, com muita chantagem de ambos lados, e que resulta
de uma expectativa de auto afirmação junto às bases eleitorais. o Governo quer
contabilizar tudo no tal Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), como
obras suas, e há dezenas de deputados, e partidos de oposição, que se recusam a
fazê-lo. Esse pendurucalho narcisista trava tudo.
Enfim, trata-se de um teatro improdutivo, que
consome recursos públicos, leva a tensão também entre o Congresso e o
Judiciário, este último um gastador contumaz que não admite críticas, nem
cortes. A relação agravou-se este ano, após a mudanças dos critérios para
liberação das emendas parlamentares. O Congresso aprovou uma nova lei mudando a
regra, e Lula, numa portaria, tentou alterar o entendimento de Flávio Dino, da
"rastreabilidade e transparência" das peças do Orçamento. Para
contornar a gestão orçamentária e a decisão do Supremo Tribunal, tentou-se a
responsabilização de quem assinasse os papéis. Houve um apagão. Ninguém queria
mais assinar autorização de saques, serviços e ordens de pagamento.
A verdade é que todos gostam de "dinheiro a rodo e fácil ", liberdade para gastar como achar melhor para seus estados e municípios, e até para o próprio bolso. Há os que se consideram com mais direito que os outros por apoiar o Governo. No fundo, todos querem mesmo é pedalar os recursos do Tesouro, sobretudo via emendas no Orçamento. Provoca-se, com isso, segundo os especialistas em políticas fiscais, confrontos de gestão ou um "derretimento institucional", que já gerou o impeachment de Dilma Roussef, e podem resultar em problemas contábeis e constitucionais aí na frente.
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