Folha de S. Paulo
A
questão hoje é saber o grau e os resultados da crescente penetração das facções
nas instituições da República
Entre
dissimulações e reconhecimento de evidências incontornáveis, no furacão da
crise da segurança pública em São Paulo,
o governador Tarcísio de
Freitas tratou com surpreendente desenvoltura um tema delicado:
a presença do Primeiro Comando da Capital no estado e seus reflexos nas
estatísticas relativas a mortes violentas.
"O crime organizado, no fim, está por trás de grande parte da violência no Brasil. Isso explica, às vezes, até a própria estatística aqui em São Paulo, que é uma estatística favorável, mas é favorável em função até da predominância ou da hegemonia de uma facção", afirmou o mandatário durante evento realizado no Instituto Brasileiro de Ensino, na semana passada.
A
tradição entre governantes paulistas sempre foi a de minimizar, quando não
apenas negar, o porte da facção e suas consequências na vida social e
institucional —agora com desdobramentos
internacionais e movimentações
bilionárias em escala nunca antes vista. Em 2012, Antônio
Ferreira Pinto, secretário da Segurança de Geraldo Alckmin, declarou que
o PCC não
chegaria a "30 ou 40 indivíduos"...
O
grupo, no discurso oficial, era tratado como uma espécie de matéria escura, que
se mantém invisível, mas se sabe, como na cosmologia, que, sem a sua presença,
o sistema não poderia funcionar como funciona. Parte importante da mídia,
inclusive, recusava-se a nomear a organização.
Sempre
houve muitas dificuldades políticas para reconhecer o papel desempenhado pelo
PCC, entre elas a opção por vender os programas que vieram, de fato, a
aperfeiçoar o desempenho da polícia e a ajudar a reduzir a taxa de homicídios
ao longo de anos. Um aspecto que a oposição, naturalmente, tendia a não
contemplar, atribuindo só à facção monopolista a queda das mortes violentas no
estado.
Foram
realmente feitos investimentos na polícia, mas a ausência de disputas
sangrentas pelo controle do tráfico de drogas, a exemplo do que se verifica no
Rio, não pode ser deixada de lado numa análise sobre as taxas de homicídio.
Tarcísio
fez uma observação empírica, que ajuda a comprovar o que disse:
"Se
a gente pegar o mapa de São Paulo, vai ver que onde morre mais gente é
justamente no Vale do Paraíba. E aí tem uma ação, uma tentativa de entrada no
território de São Paulo por organizações criminosas do Rio de Janeiro e a
contenção do Primeiro Comando da Capital."
Segundo
o diretor do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, não
há detalhamento atual sobre que parcela da queda dos homicídios poderia ser
atribuída à hegemonia da facção em São Paulo. Ele publicou, em 2018, com
colegas, um estudo acadêmico no Journal of Quantitative Criminology intitulado "Pax
Monopolista". Os dados são de 2005 a 2009, já longínquos para a realidade
de nossos dias, mas a conclusão permanece sugestiva: a presença do PCC estava
associada a uma redução de 11% na criminalidade violenta nas favelas onde havia
penetrado.
Hoje
não é mais possível deixar de admitir a incontestável presença do PCC e seus
reflexos em estatísticas. A matéria escura agora está na verdadeira dimensão da
penetração do grupo e congêneres nas instituições da República, na vida
política e na polícia. Os presídios, como se sabe, há muito estão dominados.
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