sexta-feira, 13 de dezembro de 2024

Torniquete na sangria de dólar e inflação -Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Conter a hemorragia só com juros causa danos; tensão não passa sem acerto fiscal

Banco Central prometeu levar a taxa básica de juros, a Selic, a 14,25% até março. Afora grande milagre, a taxa ficaria nessa altura teratológica até maio, quando ocorre a terceira decisão a respeito de juros de 2025. Não é impossível que a Selic venha a ser ainda maior até lá, embora por enquanto o arrocho extra pareça improvável. Pode ser que vá a perto de 15%, a partir de maio.

O BC colocou um torniquete na sangria da inflação, em particular na pressão que o dólar faz na inflação. A coisa estava perto do descontrole. Se vai estancar a sangria, é a questão. Além do mais, torniquete por muito tempo causa problemas, necroses.

O BC procurou também diminuir o custo da transição de Roberto Campos Neto para Gabriel Galípolo e para uma equipe nomeada majoritariamente por Luiz Inácio Lula da Silva. Dada a confusão recente, com dólar na casa dos R$ 6 e juros de um ano galopando para 15% ao ano, o custo da transição aumentou. Galipolo poderia assumir com uma situação difícil de governar, piorada por alguma dúvida a respeito do compromisso da nova diretoria com o cumprimento das metas de inflação. Ao contratar uma alta de juros até bem entrado 2025, o BC comprou uma espécie de seguro para a transição. Seguros têm custo, porém.

Por enquanto, não é certo que o preço do dólar vá parar pela casa dos R$ 6, que a inflação corrente vá ao menos ficar pelo patamar de 5% ao ano onde praticamente está, que as expectativas de inflação para 2026 e 2027 vão ficar ao menos abaixo do limite superior da meta (de 4,5%). Mesmo com esse arrocho de política monetária, os efeitos sobre expectativas podem demorar a aparecer e são incertos.

O motivo da sangria não pode ser controlado pelo BC. Dólar e taxas de juros estão em alta desde abril deste 2024 porque: 1) se foi a perspectiva de controle do aumento de gasto e, pois, de que a dívida pública deixe de crescer sem limite; 2) houve dúvida duradoura sobre o que seria (e será) do ritmo da baixa de juros nos EUA e, mais importante e recente, do que Donald Trump vai aprontar nos EUA (o que pode redundar em dólar mais caro etc.).A dúvida maior, óbvia, é a mesma que se enraizara desde antes dessa reunião de arrocho do BC. O que o governo vai fazer?

Por ora, na melhor das hipóteses espera-se que o governo cumpra suas metas fiscais. Ainda assim, a dívida pública continuará a crescer em ritmo de país em guerra, epidemia ou colapso financeiro. Sem sinal de que tal cenário mude, mesmo com uma política que faça efeito daqui a alguns anos, o motivo da sangria permanece. Quanto mais se aperta o torniquete dos juros, mais danos: dívida pública crescendo ainda mais rápido e PIB prejudicado.

Com taxas de juro maiores e aumento de gasto público um pouco menor em 2025, talvez a atividade econômica esfrie. Mas economia tem crescido além do que se espera por motivos em parte desconhecidos. De resto, nem sempre taxas de juros altas batem de imediato no emprego (temos exemplos no Brasil deste século; PIB cresceu bem mesmo 2023 com juros além de 13%).

Suponha-se que o PIB embique para baixo. Donos do dinheiro especulam até se o governo pisaria no acelerador de despesa de novo.

Sobre Trump, nada podemos fazer. O que resta é nos protegermos desse furacão. Por ora, temos apenas um torniquete. Só isso não vai prestar.

 

 

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