quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

Teto da tributária, candidato a ser furado - Lu Aiko Otta

Valor Econômico

Para quem esperava que a reforma reduzisse de forma importante a carga tributária, os sinais que vêm do Congresso não são muito animadores

O Brasil, dizem especialistas, já lidera hoje o ranking do “maior IVA do mundo”. IVA, ou Imposto sobre o Valor Agregado, é o que se pretende adotar no país a partir da reforma tributária. Hoje, os tributos que serão substituídos pelo IVA somam algo como 34%, nas estimativas do governo.

Para quem esperava que a reforma tributária reduzisse de forma importante essa carga, os sinais que vêm do Congresso não são muito animadores. O relatório que o senador Eduardo Braga (MDB-AM) apresentou esta semana para o Projeto de Lei Complementar (PLP) 68/24 aponta para uma alíquota de 28,1% como a necessária para Estados e municípios não terem perda de arrecadação após a reforma.

Nos bastidores do governo, a aposta é que, na prática, a alíquota será menor do que isso. Isso porque o novo sistema reduzirá de forma importante a sonegação, a inadimplência e os contenciosos. Quanto, não se sabe. Uma parte já foi incluída nas contas, mas é um cálculo conservador, dizem os técnicos.

Em seu relatório, Braga ampliou a lista de itens que terão tributação reduzida. Por isso, a alíquota que havia sido estimada em 27,97% a partir da versão do PLP 68 aprovada na Câmara ganhou um acréscimo de 0,13 ponto percentual.

Ao mesmo tempo, o senador manteve em seu relatório um teto para a alíquota-padrão do novo IVA brasileiro, de 26,5%.

A conta não fecha, por isso o relatório contém dispositivos que autorizam o governo a enviar ao Congresso uma proposta de aumento da carga tributária daqueles setores que foram contemplados com alíquotas reduzidas em 30% e 60%, de forma a reduzir a carga tributária dos demais bens e serviços até o teto.

“É bonito, mas parece algo que, no futuro, o Congresso vai dar um jeito de não respeitar”, avaliou a tributarista Ana Cláudia Utumi, sócia fundadora da Utumi Advogados.

Como o cumprimento do teto só será auferido em 2032, é possível que a alíquota necessária até lá seja diferente, observou. “A ideia é não ter aumento de carga, mas também não ter perda de receitas, então não dá para garantir que 26,5% é o nível para isso.”

Além disso, o novo sistema tributário vai alterar o fluxo de caixa dos Estados, o que pode levantar pressões por algum tipo de compensação.

O teto candidato a furo é um dos problemas que a especialista vê no relatório. Ela apontou outros, entre eles um sistema de pagamento de créditos tributários que pesa sobre os contribuintes.

Hoje, quando um supermercado compra um produto para revender, ele paga o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) no ato da compra e, ao mesmo tempo, ganha o crédito tributário correspondente.

No novo sistema, o crédito tributário só estará disponível quando o fornecedor pagar os impostos, o que pode ocorrer dias depois. “O governo transfere o problema de inadimplência para a sociedade”, disse. “Seria trabalho dele fiscalizar e cobrar os impostos.”

Na visão da especialista, a reforma tributária tem pontos de mérito, mas traz problemas nos detalhes. “E o diabo mora nos detalhes”, alertou.

O desenvolvimento da parte operacional e dos normativos infralegais poderá responder muitas dúvidas quanto ao funcionamento do novo sistema tributário. Em seu relatório, Braga incluiu a criação do Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).

A criação desse órgão, que vai reunir Estados e municípios para administrar o novo tributo, está proposta em outro PLP, o 108/24. Este, porém, está com a tramitação mais atrasada no Congresso Nacional, com expectativa de só ser aprovado em 2025.

Como o novo sistema entrará em testes em 2026, o Comitê Gestor teria menos de um ano para discutir as regras e o sistema operacional do IBS e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que é a parte federal do futuro IVA. O prazo curto vinha alimentando especulações nos bastidores sobre um possível adiamento do período de testes em um semestre.

Braga só transplantou para seu relatório a parte do PLP 108 que cria o Comitê Gestor. Ainda assim, essa criação é provisória: só durante o ano de 2025. A mudança foi feita a pedido do Ministério da Fazenda.

“É importante para agilizar o processo de regulamentação e de montagem do sistema operacional do novo sistema tributário”, disse um integrante do governo.

A antecipação da criação do Comitê Gestor “assegura que os entes federativos sejam parte integrante e ativa na elaboração das normativas e na criação das bases operacionais necessárias para a implementação do IBS e da CBS”, comentou uma fonte que negocia pelos Estados.

Aprovado pelo Congresso Nacional depois de quase quatro décadas de negociação, o novo sistema tributário é uma aposta da sociedade brasileira num modelo mais simples, menos sujeito a fraudes e mais favorável à competitividade das empresas brasileiras.

No processo de análise no Legislativo, ganhou complexidade em relação à proposta elaborada pelos técnicos. Restaram muitas insatisfações no caminho, haverá muitas críticas e dúvidas. Os próximos meses serão decisivos para garantir que a mudança seja a menos traumática possível.

 

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