segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Avanço sobre Orçamento requer atenção do TCU

O Globo

Corte será decisiva para fiscalizar profusão de recursos distribuídos por meio das emendas parlamentares

O aumento no volume de recursos movimentados por meio das emendas parlamentares exige que o Tribunal de Contas da União (TCU) e as demais instituições de controle do Estado se tornem mais presentes. À medida que o Congresso conquista mais espaço no Orçamento, cresce a relevância do TCU, que atua como braço auxiliar do Executivo e do Legislativo e pode julgar casos envolvendo congressistas. Crescem, também, as pressões sobre a Corte.

Apesar de ela estar sujeita a nomeações políticas, o corpo técnico do TCU tem prevalecido na hora de aplicar multas quando constatados prejuízos ao Erário. Exemplo recente foi a descoberta de mais um desvio de verba parlamentar para bancar gastos familiares. Entre abril de 2022 e agosto de 2023, recursos destinados ao hoje ministro dos Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho (Republicanos-PE), então deputado federal, foram usados para encher o tanque de veículos de sua mulher, de seu pai, de seu irmão e de sua cunhada. Sempre no mesmo posto do Recife. No período, foram abastecidos 48 veículos. A conta de R$ 105.500 foi despachada ao Tesouro. O Ministério Público que atua junto ao TCU apresentou representação para investigar o modo como Costa Filho distribuiu dinheiro público entre a família. Denunciado o caso, o gabinete do ministro reviu a papelada, e o dono do posto concluiu que seu estabelecimento “cometeu um erro contábil”.

Fernando Gabeira - Democracia e seus tremores

O Globo

Acontecimentos que passam de raspão na imprensa, às vezes fermentam nas redes. Ou são plantados como mais uma semente

Celebramos no 8 de Janeiro um ato que se chamou Democracia Inabalada. Isso nos transmite a impressão da força da democracia, depois das eleições e do fracasso de uma tentativa de golpe.

Quando olhamos de fora, pensamos: E la nave va. Mas esse imenso barco da democracia inabalada tem alguns furos que, lá na frente, podem resultar em algo como as revoltas de 2013. Em outras palavras, existem coisas que potencialmente podem colocar o povo contra a democracia.

Desde o século passado, quando se teorizou sobre a sociedade do espetáculo, é relativamente clara a ideia de que governos e sistemas não dependem apenas do que fazem. São determinados pela visão que se transmite deles pela mídia.

Começam aí minhas apreensões. Atualmente, essa visão não é apenas transmitida pela mídia, mas também, e fortemente, pelas redes sociais. Acontecimentos que passam de raspão na imprensa, às vezes fermentam nas redes sociais. Ou pelo menos são plantados como mais uma semente que adiante pode germinar.

Demétrio Magnoli - Catastrofismo climático

O Globo

A transição verde é cara e lenta

‘Quero que a sabotagem aconteça em escala muito maior que a atual. Não posso garantir que isso não provoque acidentes.’ A resposta do ativista climático sueco Andreas Malm a uma pergunta do New York Times sobre o risco de mortes em atos de sabotagem de movimentos ambientais não deve surpreender. Malm é autor de “How to blow up a pipeline” (“Como explodir um oleoduto”) — livro que não ensina a destruir nada, mas defende a ideia de ataques contra a infraestrutura de empresas de petróleo e gás. É, quase, o manifesto do ecoterrorismo.

Vandalizar patrimônio não é matar pessoas. Contudo o raciocínio que sustenta a sabotagem serviria, também, para legitimar o passo seguinte. A lógica de fundo reside na soma de duas ideias: 1) a sobrevivência das sociedades encontra-se sob risco iminente, derivado das emissões de gases de efeito estufa; 2) os mecanismos democráticos e a diplomacia fracassaram diante do poder econômico que sustenta os padrões vigentes de produção de energia. Afinal, de que valem patrimônios e vidas se o que está em jogo é o futuro da humanidade?

Cacá Diegues - Ainda o cinema nacional

O Globo

É preciso voltar a ouvir os cineastas brasileiros, que transmitem nosso testemunho do que somos

Terminei meu artigo do último domingo com uma frase muito simples que escancara as necessidades de sobrevivência do cinema brasileiro: “Os filmes estavam ficando cada vez melhores”, escrevi, “era preciso construir então a economia nacional que os iria expandir; e essa economia, como hoje, não poderia existir sem uma participação decisiva do Estado”.

O governo federal resolveu finalmente contribuir com essa “participação decisiva”, restabelecendo o compromisso dos que são responsáveis pela exibição de filmes no país. Cada sala de exibição teria que passar um filme brasileiro dentro de uma proporção de filmes estrangeiros ali exibidos.

Essa regra foi criada no Brasil no finalzinho do século XX por iniciativa de um grupo de cineastas convocado pelo governo de então para isso. Os filmes estrangeiros não eram em nada prejudicados pela iniciativa, pois o número de filmes nacionais que se beneficiavam da regra era proporcional ao número de seu resultado, em confronto com a renda total dos estrangeiros assinalada pelo valor de sua distribuição no país.

César Felício e Andrea Jubé - PT define objetivos para eleições

Valor Econômico

Prioridade é derrotar candidaturas alinhadas à oposição nas capitais e principais cidades do país

A ala política do governo estabeleceu três objetivos para as eleições municipais deste ano. Não se acredita que a disputa pelo comando das prefeituras irá afetar a eleição presidencial, mas existe uma aposta de que a polarização entre apoiadores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do ex-presidente Jair Bolsonaro irá se aprofundar e a prioridade é derrotar candidaturas alinhadas à oposição nas capitais e principais cidades do país, para disputar o espaço político.

O segundo objetivo é eleger o maior número possível de vereadores do PT e de partidos que podem se comprometer com a reeleição do presidente. A ideia é acolher pessoas que fizeram o enfrentamento em defesa do PT e do presidente Lula e transformá-las em lideranças locais. A premissa é que uma base reforçada de vereadores dará capilaridade para os candidatos a deputado federal em 2026.

Bruno Carazza* - Emendas, ineficiência, crises e corrupção

Valor Econômico

Orçamento impositivo não combina com sistema eleitoral proporcional

Na semana passada, discutindo a recente obra de Rodrigo de Oliveira Faria (Emendas Parlamentares e o Processo Orçamentário no Presidencialismo de Coalizão) argumentei que o maior controle de deputados e senadores sobre o orçamento altera radicalmente o jogo da política no Brasil.

A execução obrigatória de um montante cada vez maior de emendas parlamentares tem implicações significativas sobre a governabilidade, a eficiência do gasto público e a propensão a novos casos de corrupção.

O fortalecimento do protagonismo do Legislativo sobre a aplicação do dinheiro público tem justificativas plausíveis. Práticas distorcidas, porém, tendem a levar a resultados bastante distantes das boas intenções iniciais.

Gustavo Loyola* - Mais um ano desafiador

Valor Econômico

Há um cenário internacional que longe está de ser favorável para as economias emergentes

Os desafios para a economia brasileira em 2024 são enormes. Não se trata de pessimismo fatalista, até porque uma boa gestão macroeconômica, mesmo em conjuntura adversa, poderia trazer resultados satisfatórios em termos de crescimento econômico e estabilidade de preços. A receita do sucesso continua sendo o velho e conhecido “tripé macroeconômico”: observância do regime de metas para inflação, câmbio flutuante e equilíbrio fiscal.

No cenário externo, não faltam riscos geopolíticos e macroeconômicos. O conflito no Oriente Médio, com crescentes ramificações, ameaça criar dificuldades logísticas para o comércio internacional, além de efeitos negativos sobre o mercado de energia. Quanto à guerra Rússia-Ucrânia, numa situação de impasse militar, nada indica que esteja próxima a um final satisfatório, o que representa uma permanente ameaça para a economia global.

Carlos Pereira - A chancela do protagonismo dos juízes

O Estado de S. Paulo

Supremas Cortes fazem uso da sua independência quando atuam de forma majoritária

O engajamento de Supremas Cortes na defesa da democracia é um fenômeno relativamente recente na América Latina.

No artigo How Latin America’s judges are defending democracy, Zambrano e coautores identificam que as Supremas Cortes da Colômbia, do México e do Brasil mostraram protagonismo contra iniciativas iliberais de governos, evitando retrocessos democráticos.

Na Colômbia, a Corte Constitucional se valeu da sua independência para declarar inconstitucional a terceira tentativa de reeleição do então presidente Uribe em 2010. Em 2023, a Corte expandiu a latitude de seus poderes ao decidir que pode suspender leis consideradas inconstitucionais ou decisões do Congresso que tragam danos à ordem constitucional.

Camila Rocha - Narcogarimpo, política e genocídio yanomami

Folha de S. Paulo

Atividade ilegal é motor econômico em Roraima, e população local continuará a rejeitar pautas ambientais

As trágicas imagens do genocídio yanomami em Roraima muitas vezes vêm acompanhadas da figura do garimpeiro. Tidos por parte da imprensa e dos movimentos sociais como "maus elementos", os garimpeiros são, em sua maioria, pessoas pobres, descendentes de migrantes nordestinos, que passaram a ocupar a região amazônica a partir das décadas de 1960 e 1970 com incentivo de governos militares.

Na época, o apoio estatal ao garimpo era explícito, tanto que, em 1969, foi construído em Boa Vista (RR) o Monumento ao Garimpeiro. Porém, com a demarcação de terras indígenas prevista pela Constituição de 1988, o garimpo se tornou ilegal em tais territórios, o que possibilitou o surgimento do narcogarimpo.

Ana Cristina Rosa - É preciso sair da superfície

Folha de S. Paulo

Enfrentar fatores institucionais que sustentam o racismo no ensino vai além de conceder bolsas e criar conta poupança

Há no Brasil um movimento pró-inclusão de bolsistas negros em universidades e escolas particulares de alto padrão. Na esfera pública, semana passada foi sancionada lei que cria uma poupança de incentivo à conclusão do ensino médio por estudantes de baixa renda.

Ótimo! São iniciativas muito importantes. Mas não dá para simplesmente aplaudir. Por mais nobre que seja, conceder bolsas de estudos e criar conta poupança não é o suficiente.

É preciso incluir, incentivar o respeito pela diversidade, ter professores negros, implementar um currículo com educação antirracista, investir na melhoria das condições de ensino (no caso das escolas públicas) e estar preparado para encarar os desafios impostos por realidades muito díspares.

Lygia Maria - Opressões imaginárias

Folha de S. Paulo

Denunciar preconceito onde não há é sinal de ressentimento pernicioso aos movimentos sociais e ao debate público

Ser uma vítima de opressão gera curtidas nas redes sociais. Não me refiro a opressões reais, que precisam ser denunciadas, mas às imaginárias. De modo consciente ou não, situações muitas vezes banais, que nada têm de racismomachismo ou homofobia, adquirem magicamente alguma dessas pechas.

Trata-se de um fenômeno pernicioso, que pode gerar não apenas injustiças, como cancelamentos e linchamentos virtuais, mas distorcer o debate público sobre o preconceito através de um moralismo tacanho.

Glenn Greenwald* - Propaganda pró-Israel

Folha de S. Paulo

Fantástico apresenta defensor do país como fonte neutra e exclui perspectiva palestina

A edição do último domingo (14) do Fantástico apresentou uma rápida e conveniente retrospectiva dos 100 dias da guerra entre Israel e Hamas. A matéria, em seu conjunto, é uma peça declarada de propaganda do governo de Binyamin Netanyahu, como vem sendo o grosso da cobertura da guerra pelo grupo Globo e pela grande mídia brasileira.

Desde o início, o teor da reportagem é idêntico à propaganda israelense. A repórter estava em Tel Aviv, mas não em qualquer parte da Palestina. No que diz respeito às acusações formais de genocídio contra Israel apresentadas à Corte Internacional de Justiça pela África do Sul, o programa incluiu apenas um representante de Israel, junto com Netanyahu, defendendo o caso, mas ninguém defendendo a acusação de genocídio foi ouvido.

A retórica da matéria incluiu imagens explícitas e emocionais de muitos israelenses feridos ou mortos em 7 de outubro, mas quase nada sobre civis palestinos mortos ou mutilados, um número cerca de 50 vezes maior. Nada foi dito sobre os milhares de palestinos mortos por Israel antes dessa data nem sobre os horrores da ocupação israelense da Cisjordânia e do seu bloqueio de quase duas décadas a Gaza.

Marcos Strecker - 2024 será uma reedição de 1968?

Revista IstoÉ  

Há 60 anos, a sociedade também estava rachada e a direita crescia. Mas, ao contrário do momento atual, a democracia se fortalecia

Mal o ano começou, dois eventos bombásticos mostraram as fortes emoções que devem sacudir o planeta em 2024. O ataque dos militares americanos e britânicos contra o grupo terrorista Houthi no Mar Vermelho confirma que o conflito israelense em Gaza começa a se espalhar para o Oriente Médio, o que, ao lado da guerra na Ucrânia, ameaça a economia mundial. Em Davos, os líderes mundiais apostam em desaceleração nos próximos meses. Nos EUA, a vitória acachapante de Donald Trump nas prévias de Iowa confirma que ele será o candidato republicano e provavelmente voltará à Presidência do país.