sábado, 19 de outubro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Morte de líder do Hamas cria chance para cessar-fogo

O Globo

Eliminação do responsável pelas atrocidades do 7 de Outubro abre oportunidade à libertação dos reféns

A morte de Yahya Sinwar, líder do grupo terrorista Hamas responsável pelo planejamento e pela execução das atrocidades do 7 de Outubro, maior matança de judeus desde o Holocausto e maior ataque ao Estado de Israel desde sua fundação, encerra um capítulo do conflito que ele mesmo iniciou. No telefonema em que o presidente americano, Joe Biden, parabenizou o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu pela eliminação do alvo número um na guerra contra o Hamas, ambos concordaram que ela abriu oportunidade a um acordo que traga a libertação dos reféns e um cessar-fogo.

Sinwar, uma espécie de Osama bin Laden de Gaza, era conhecido pelo fanatismo e pela crueldade. Quando era responsável pelas operações de segurança do Hamas, matou com as próprias mãos mais de dez palestinos que considerava traidores. É inequívoca sua responsabilidade por desencadear o conflito que custou tantas vidas em Gaza. Assim como por ter transformado o enclave num formigueiro de túneis repleto de armas e munições, que deixaram a população palestina sem nenhum refúgio seguro.

Cristovam Buarque - Duplos atrasos

Veja

Os erros: o uso de celulares nas escolas e a ignorância dos avanços

Em educação, o Brasil consegue ser duplamente atrasado: ao discutir tardiamente se o uso de celular deve ser tolerado como meio de comunicação dos alunos durante as aulas; e ao ignorar tardiamente a função dos aparelhos como ferramenta pedagógica. Há tempos já deveríamos ter proibido o uso como divertimento e já era tempo de estarmos incentivando o smartphone para facilitar o aprendizado. O celular em sala de aula tem provocado retrocesso no desempenho dos alunos, mas fechamos os olhos a essa prática; tanto quanto durante a epidemia de covid-19 relevamos o longo período das escolas fechadas; e há décadas fechamos os olhos às perdas decorrentes dos repetidos e longos períodos de greves de professores e demais servidores nas redes públicas de educação.

Oscar Vilhena Vieira - A supremocracia em xeque

Folha de S. Paulo

Abuso da prerrogativa continua sendo responsável por um perigoso processo de erosão da autoridade do STF

Ataques e restrições de poderes de cortes constitucionais e supremas cortes são normalmente um prenúncio de um processo de erosão democrática. Os casos da Venezuela e da Hungria são emblemáticos dessa estratégia empregada por populistas autoritários de alijar os tribunais, para que o caminho de subversão constitucional fique livre e desimpedido. As propostas de subordinação do judiciário apresentadas por López Obrador, no México, e Binyamin Netanyahu, em Israel, antes dos conflitos, vão nesta direção.

A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, entusiasmada com os resultados das eleições municipais, que consolidaram avanços das forças direita e extrema direita, aprovou uma série de propostas voltadas a constranger os poderes do Supremo Tribunal Federal. Parte dessas propostas, como a que confere ao Congresso Nacional a possibilidade de derrubar decisões do Supremo, ainda que por quórum qualificado, faz parte do repertório dos novos e velhos autoritarismos. Vargas fez a mesma coisa em 1937, além de aposentar compulsoriamente nada menos que cinco ministros. Trata-se, portanto, de uma represália do bolsonarismo para punir um tribunal que colocou limites ao seu ímpeto de golpear a Constituição. Simples, assim.

Hélio Schwartsman - Reforma da esquerda

Folha de S. Paulo

Partidos progressistas vivem momento difícil em vários lugares do mundo, tanto por erros como por acertos

O fraco desempenho do PT e de legendas que lhe são próximas nas eleições municipais está levando muita gente a falar em crise da esquerda e a cobrar desse campo político uma espécie de reforma ou atualização de agenda.

Reluto um pouco em extrair uma mensagem inequívoca de um amontoado de pleitos locais que são, em sua maioria, decididos mais por questões de zeladoria do que de posicionamento ideológico. Mas, se olharmos para uma série histórica mais ampla de eleições e para o que está acontecendo em outros países, acho que dá para falar que a esquerda vive um momento complicado.

Adriana Fernandes - Há empresários que pagam só 4% de imposto sobre os lucros

Folha de S. Paulo

Entenda o que a Receita descobriu que faz empresas pagarem alíquota efetiva muito menor

Estudos recentes da Receita Federal mostram que o nível efetivo de tributação do lucro ao nível das empresas é significativamente menor do que aquele que costumamos avaliar quando olhamos apenas para a alíquota do IRPJ (Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas) e da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido).

Em tese, o lucro deveria ser tributado em 45% nos bancos e 34% nas empresas não financeiras, mas a realidade concreta mostra que essa carga tributária não se aplica à grande maioria dos negócios no Brasil.

Para entender esse intrincado emaranhado tributário, é preciso lembrar que as empresas se submetem a três distintos regimes: lucro real, lucro presumido e Simples.

As empresas submetidas ao regime de lucro real deveriam pagar imposto, como o nome diz, sobre o seu real lucro, mas a legislação confere uma série de benefícios fiscais e possibilidades de deduções e compensações que, na prática, fazem a base de cálculo ficar bem abaixo do verdadeiro lucro.

Dora Kramer - Haddad sua a camisa

Folha de S. Paulo

Ministro da Fazenda tem a árdua tarefa de convencer Lula de que a roda é redonda

Não bastasse o enorme esforço que o ministro da Fazenda terá de fazer no Congresso para mexer no vespeiro das isenções, benefícios, vinculações, supersalários e outros gastos, antes disso Fernando Haddad tem a árdua tarefa de convencer o presidente Luiz Inácio da Silva de que a roda é redonda.

Em outras palavras: a missão de mostrar que a contenção nas despesas, além de inadiável para a saúde da economia, é fator relevante —senão decisivo— para quem pretende se reeleger ou eleger o (a) sucessor (a).

Haddad e a ministra do Planejamento, Simone Tebet, foram às redes, aos jornais, às rádios e as televisões nesta semana e disseram quase isso quando expuseram com todos os efes e erres o esgotamento das medidas de arrecadação, pentes-finos e revisões no Orçamento.

Demétrio Magnoli - Minorias mal comportadas

Folha de S. Paulo

Obsessão identitária vai destruindo extensas bases sociais do Partido Democrata

"Eles varrem os restos da mesa como se fossemos um cão treinado e dizem ‘isto é para você’. E aplaudimos como focas amestradas." Assim, referindo-se ao Partido Democrata, LaPage Drake, um negro do Texas de 63 anos, justificou sua intenção de voto. O eleitor faz parte dos 20% de homens negros que, segundo uma pesquisa recente, preferem Trump a Kamala Harris. No total, 15% do eleitorado negro americano pende para o candidato republicano, o que pode decidir a contenda.

A larga vantagem histórica dos democratas entre hispânicos e negros experimenta gradual erosão. Entre hispânicos, reduziu-se de 73% em 2012 a 63% nesta pesquisa. A queda acentuou-se no intervalo 2016-2020. Os negros seguem, com atraso, a mesma tendência. Há 12 anos, cerca de 90% deles sufragaram Obama; hoje, apenas 78% declaram voto em Harris. A queda acentuou-se nos últimos quatro anos.

É um fenômeno aparentemente paradoxal pois, enquanto o Partido Democrata torna-se cada vez mais identitário, as duas minorias clássicas da política identitária afastam-se dos democratas. Pesquisas qualitativas esclarecem o mistério: os hispânicos e negros "dissidentes" explicam sua intenção de voto da mesma forma que os brancos da baixa classe média. Dizem-se frustrados com a economia, isto é, com as perdas de renda derivadas do surto inflacionário recente.

Carlos Alberto Sardenberg - Do mercado ao senhor presidente

O Globo

‘Achamos, senhor presidente, que não será possível equilibrar as contas com o aumento da receita que seu governo tem aplicado’

Eis o recado que o mercado tem enviado a Lula em encontros formais (como a reunião do presidente com os principais banqueiros), conversas informais com ministros, sobretudo com Fernando Haddad, e nos documentos preparados pelos departamentos econômicos das instituições financeiras. Com a devida licença, lá vai:

“Senhor presidente, nós também não estamos gostando dos elevadíssimos juros do momento. Entre outras coisas, porque muitos de nossos investidores caíram no vermelho. Carregam papéis com juros de 10%, que pareciam muito bons quando adquiridos, mas agora estão no negativo porque os novos títulos do governo pagam 13% e pouco.

Pablo Ortellado - O que pode na universidade?

O Globo

Apresentação de historiadora e cantora de saia levantada e com palavrões na UFMA gera controvérsia

Na última quinta-feira, 17, uma performance numa mesa-redonda sobre gênero e sexualidade na Universidade Federal do Maranhão gerou grande controvérsia. Durante sua participação, a historiadora e cantora Tertuliana Lustosa subiu na mesa e, enquanto rebolava, com a saia levantada, apresentou um funk cujos versos diziam:

— Vou te ensinar gostoso dando aula na sua pica. Aqui não tem nota, nem recuperação. Não tem sofrimento, se aprende com tesão, de quatro e cu, cu, cu.

A apresentação de Lustosa, chamada “Educando com o cu”, defende uma abordagem educacional que valoriza o corpo e o prazer como instrumentos pedagógicos. O vídeo da performance viralizou rapidamente nas mídias sociais, gerando indignação. Afinal, a universidade pública pode abrigar ou apoiar esse tipo de manifestação?

Paulo Sternick – Aviso de incêndio

O Globo

Torna-se cada vez mais patente a dificuldade de reverter a violência das guerras e o rumo do aquecimento global

O filósofo Heidegger vasculhou a obra de Freud e não encontrou nenhuma explicação dele na escolha da palavra “análise” para nomear seu trabalho. Então descobriu que o poeta Homero, que viveu na Grécia Antiga, foi quem primeiro usou o termo no segundo livro da Odisseia, para descrever o que Penélope fazia todas as noites: ela desmontava o tecido que fizera durante o dia. Em grego, “análise” significa desfazer uma trama, soltar, libertar alguém da prisão e até desmontar os pedaços de uma construção.

A etimologia do termo “análise” é formidável para ilustrar aquilo a que se destina, tanto nos labirintos do sintoma do indivíduo quanto nos da cultura: revelar e desfazer a trama inconsciente ou irrefreável que os causa. Não é difícil imaginar sujeitos que não conseguem se livrar de atitudes, vícios e repetições que, não obstante, os prejudicam. Torna-se cada vez mais patente a dificuldade de reverter a violência das guerras e o rumo do aquecimento global, com a deterioração climática e seus efeitos — como os incêndios pelo mundo.

Eduardo Affonso - A impossível simetria

O Globo

Conflito poderia ser relativamente simétrico se fosse entre dois Estados, não entre um Estado e o terror

A reação de Israel ao brutal ataque terrorista sofrido há um ano tem sido desproporcional. Ou, para usar palavra da moda, assimétrica.

Sim, tem. Talvez nos duelos do Velho Oeste ou nas românticas disputas com floretes em desagravo à honra a simetria fosse mais respeitada. Vencia o mais rápido no gatilho, o de técnica mais apurada ou de melhor pontaria — mas as armas eram similares, e as mesmas regras se aplicavam a ambos os contendores.

Para que a reação fosse simétrica e proporcional, Israel deveria ter invadido Gaza, na surdina, com cerca de 3 mil fanáticos armados, portando câmeras para registrar (e depois compartilhar festivamente, na internet) a barbárie. Ter metralhado centenas de jovens que encontrassem numa celebração (matando exatos 405, nem um a menos). Ir de casa em casa, chacinando, com meticulosa crueldade, famílias inteiras — sem poupar mulheres, idosos, bebês, animais domésticos. A meta seria não mais que 1.200 seres humanos exterminados pelo crime de ser palestinos.

Bolívar Lamounier - Duas notícias que se neutralizam

O Estado de S. Paulo

A política municipal transformou-se num bico de pena de um quadro federal lastimável. A maioria dos agentes políticos são néscios de dar dó

A boa notícia é que a eleição municipal assumiu uma tendência centrista, desfazendo a radicalização que ameaçava o País desde 1926; a ruim, é que esse resultado se deveu principalmente ao fato de a maioria dos eleitores terem se desinteressado pela política num grau nunca visto pelo menos desde o fim da 2.ª Guerra Mundial.

Fosse facultativo o nosso sistema de votação, dificilmente o comparecimento às urnas atingiria 40%. Que motivos podemos aventar para essa abrupta queda? Afirmo sem temor de errar que o principal motivo foi a qualidade mediana dos candidatos. Para chegar a essa conclusão, não precisamos evocar o pitoresco episódio do recurso a peças de mobiliário para aquecer o debate. Basta-nos observar que, no Brasil, a teratológica centralização do poder sempre reduziu a política municipal a um quase nada. Os candidatos, sim, têm muito apreço por ela, pois sabem que é um bom negócio plenamente compatível com um quase total ócio.

Carlos Andreazza – Confia

O Estado de S. Paulo

A blitz de Fernando Haddad está na pista. De Haddad e Simone Tebet. Blitz de propaganda. O pacote relevante de cortes de gastos vem aí – prometeram. Coisa de volume entre R$ 30 bilhões e 50 bilhões – plantou-se. Não será mais um pente-fino – informam. Uma só das ações pode chegar a R$ 20 bilhões. Uau!

Os ministros reagem à desconfiança. A reforma do Imposto de Renda – a isenção a quem ganha até R$ 5 mil – estava à frente. Vinha ainda em 2024. Para sacrifício de receita da ordem de mais de R$ 40 bilhões por ano. Sem anúncio crível de compensação para o rombo. O mar, que já não era bom, crispou-se.

Marcus Pestana - Realidade e percepção sobre a economia brasileira

A situação da economia determina a qualidade de vida da população, o ânimo dos investidores, os humores políticos e o grau de esperança no futuro. Na análise dos fatos não bastam os dados frios e objetivos, mas também a percepção e as expectativas que geram. Tão ou mais importante que a foto do momento é o filme que esboça tendências e rumos.

O Brasil é um país emergente, que não superou a armadilha da renda média, razoavelmente industrializado, detentor de um agronegócio competitivo e pujante, possuidor de um setor de serviços sofisticado, excessivamente fechado para o mundo globalizado, portador de desigualdades sociais inaceitáveis, em busca de recuperar o fio da meada do crescimento sustentado, com políticas monetária e cambial bem resolvidas, juros altíssimos, investimentos muito aquém do necessário e um enorme desafio fiscal.

Reserva moral: Enrico Berlinguer

Angela Giuffrida /CartaCapital

Uma cinebiografia e duas exposições aguçam a nostalgia e a admiração por Enrico Berlinguer

Enrico Berlinguer foi um gigante da esquerda italiana nas décadas de 1970 e 1980, quando chegou perto de levar o Partido Comunista ao governo por meio de um “compromisso histórico” com os democrata-cristãos e na defesa do “eurocomunismo”, uma versão liberal e anti-stalinista do marxismo que varreu brevemente o continente. Sua morte há 40 anos e o colapso dos partidos comunistas europeus no fim da década de 1980 eclipsaram, porém, o seu legado. Desde então, a Itália cruzou o espectro político e em 2022 elegeu Giorgia Meloni, da extrema-direita, como primeira-ministra.

Agora, Berlinguer retomou a popularidade, inclusive entre figuras de direita, pois um filme sobre sua vida abre o festival de cinema de Roma, antes do lançamento internacional. Berlinguer – La Grande Ambizione levará os espectadores por meio dos eventos históricos que marcaram sua carreira, desde desafiar o dogma da Guerra Fria e escapar por pouco de um atentado contra sua vida na Bulgária, até levar o Partido Comunista Italiano à beira do poder na década de 1970 e manter-se firme contra o terrorismo político que ferveu no país naquele período.