quarta-feira, 6 de novembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

É preciso alterar projeto de emendas parlamentares

O Globo

Na forma como foi aprovado, texto não impõe transparência a toda destinação de recurso

É com base nos princípios constitucionais de transparência, moralidade e publicidade que o Supremo Tribunal Federal (STF) tem tentado disciplinar as emendas parlamentares. Essas linhas do Orçamento permitem aos congressistas obter em Brasília verbas para suas bases eleitorais. É verdade que os recursos são destinados segundo interesses paroquiais, e não por necessidade ou critérios técnicos. Mesmo assim, é um mecanismo comum nas democracias. Nos últimos dez anos, porém, as emendas tiveram um crescimento explosivo no Brasil, quase 550% em termos reais. Hoje representam ao redor de 20% das despesas livres da União no Orçamento, patamar sem paralelo no mundo. Os abusos ficaram evidentes no escândalo que ficou conhecido como “orçamento secreto”.

Em 2022, sob a presidência da então ministra Rosa Weber, o Supremo declarou inconstitucionais as “emendas do relator”. Elas eram opacas — por omitir o parlamentar responsável pelo destino das verbas — e permitiam às lideranças do Congresso alocar verbas bilionárias segundo interesses políticos de ocasião, abrindo flanco a desvios e corrupção. Fechada uma porta, os congressistas encontraram outra: inflaram as “emendas de comissão”, verbas destinadas pelos colegiados temáticos do Congresso, também sem identificar os responsáveis. Elas saltaram de R$ 474 milhões em 2022 para R$ 15 bilhões neste ano.

Observações sobre a cultura brasileira hoje - Ivan Alves Filho*

À memória de Vladimir Carvalho, um brasileiro raro.

Em matéria de cultura, tenho me deparado, pelo Brasil, com produções de grande valor. Vamos tentar examinar isso de perto.

Na música popular, há violeiros notáveis, como Chico Curió, da histórica Tiradentes/MG, autor de belíssimas valsas e modinhas, na linha da melhor tradição mineira. Como Helena Meireles estava na linha das melhores tradições musicais pantaneiras. Ainda em Minas, como não se maravilhar com o trabalho dessa imensa cantora Titane? A dupla Pena Branca e Xavantinho recolheu o que o nosso cancioneiro tinha de melhor, em interpretações magistrais. Outro violeiro de Minas Gerais com muita dedicação à música de raiz foi o estupendo Renato Andrade. Roberto Corrêa também é um mestre mineiro. De certa forma, todos são filhos de Tião Carreiro, de Montes Claros, norte do estado de Minas Gerais. Em São Paulo, temos Renato Teixeira e suas lindas composições. No Mato Grosso do Sul, Almir Sater. Infelizmente perdemos um grande nome, Rolando Boldrin: além de ator e compositor, Boldrin apresentava um dos maiores programas culturais da televisão, o Sr. Brasil. A cantora e pesquisadora musical Inezita Barroso também manteve um belíssimo programa na TV Cultura, intitulado Viola, minha viola. Atilio Bari apresenta há anos o seu Persona, também na TV Cultura. Imprescindível. No Rio de Janeiro, admiro ainda o talento de Eduardo Dusek: sua interpretação de Serra da Boa Esperança é simplesmente antológica. E nunca podemos perder de vista as referências. Ainda em forma, Eliana Pittman é uma referência e tanto para minha geração e com ela participei uma vez de um programa na antiga TV Educativa do Rio de Janeiro, Sem Censura. Tem o talento de uma Dalva de Oliveira ou de uma Elizeth Cardoso. O mesmo eu diria da Alcione, a Marrom, e de Fafá de Belém. Isso, sem falar em Clara Nunes, de vida tão breve. Uma pianista, cantora e arranjadora que também impressiona pelo seu talento é Maíra Freitas, do Rio de Janeiro. Na Bahia ainda temos o Olodum, grupo tão bem representado por João Jorge e Marcelo Gentil. Isso, sem aludir ao extraordinário Elomar Figueira de Melo, baiano do sertão. Diana Pequeno é outra cantora excepcional e também baiana de nascimento, assim como Virgínia Rodrigues. Todas essas pessoas citadas acima na área da música resgatam uma tradição de qualidade que vem de Sílvio Caldas, Orestes Barbosa, Noel Rosa, Nelson Gonçalves, Tito Madi, Lúcio Alves e Roberto Ribeiro. Felizmente, ainda temos Caetano Veloso, Milton Nascimento, Fagner e Paulinho da Viola para dar uma certa continuidade a isso, com suas vozes tão melodiosas e marcantes.

A mensagem das eleições – Roberto DaMatta

O Globo

Não seria tempo de governar menos para a parentela, partido, ideologia, e mais para as carências das cidades e do povo anônimo, relevante apenas no período eleitoral?

A mensagem destas eleições não seria a reformulação de implacáveis polos? Elas não apresentam o desejo de tempos mais igualitários e democráticos? Eleição que nas brutais cadeiradas e repugnante má-fé confirma nossa dificuldade de competir como iguais, vendo os adversários como alternativa, e não como inimigo?

O equilíbrio dos eleitores, comprovando que sabem votar, expressa a domesticação das dualidades negativas que vão dos “dois Brasis” — o desenvolvido e o subdesenvolvido — ao clássico e messiânico “litoral/sertão”; assenta-se na oposição da casa/rua, do sabido/trouxa e chega ao cósmico Fla-Flu de Nélson Rodrigues.

No meu entender, o resultado eleitoral estampa o velho “nem um nem outro”. É sinal dos estertores para a polarização, sempre embrulhada em redes de relações pessoais, entre uma esquerda santificada e pura, destinada a cuidar do povo pobre e do pobre povo, contra uma direita satânica, compromissada com o mercado e com o imperialismo ianque.

Eleições viraram guerra dos sexos - Vera Magalhães

O Globo

A depender de quem vencer, Trump ou Kamala, a vida das mulheres nos EUA será profundamente diferente, o que coloca em xeque o pilar democrático da igualdade

Um dos muitos aspectos perturbadores da distópica eleição presidencial americana que se encerrou nesta terça-feira de forma absolutamente imprevisível foi que o abismo entre gêneros esboçado nos últimos pleitos virou plataforma escancarada. A depender de quem vencer, Donald Trump ou Kamala Harris, a vida das mulheres nos Estados Unidos será profundamente diferente, e isso é, por si só, um golpe de morte na ideia de democracia, que tem a igualdade de direitos como um de seus princípios basilares.

A maneira como, a despeito dos protestos veementes que eclodiram em todo o país depois que a Suprema Corte revogou a jurisprudência firmada desde o caso Roe vs. Wade, nos anos 1970, a chapa Trump-Vance não esconde a intenção de cercear ainda mais os direitos reprodutivos é um sinal claro de que os republicanos abriram mão de falar com o conjunto do eleitorado, e nem chegam a ver essa estratégia como risco eleitoral.

O que Lula pode esperar dos EUA - Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

Declarações de Lula em relação às eleições norte-americanas podem criar facilidades ou dificuldades adicionais ao relacionamento diplomático com os Estados Unidos

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez uma aposta alta ao anunciar publicamente seu apoio à candidata democrata a presidente dos Estados Unidos, Kamala Harris, e apontar o ex-presidente Donald Trump como uma ameaça à democracia. Esse posicionamento foge à tradição diplomática brasileira de manter distância regulamentar das disputas de poder de outros países, mas não foi a primeira vez que Lula fez isso. Fez aposta semelhante nas eleições da Argentina, onde apoiou o peronista Sergio Massa. Perdeu: foi eleito o ultraliberal Javier Milei.

Itamaraty agora corre atrás do prejuízo. A Argentina é o nosso terceiro parceiro comercial, o segundo da nossa indústria. Os Estados Unidos são o segundo mercado, sendo o primeiro para nossas exportações de manufaturados. Como na Argentina, as declarações de Lula em relação às eleições norte-americanas não influenciarão o resultado da eleição, mas podem criar facilidades ou dificuldades adicionais no relacionamento diplomático com os Estados Unidos, dependendo de quem ganhasse. Eram dois cenários distintos.

A eleitorcracia contra o mundo - Cristovam Buarque*

Correio Braziliense

Os eleitores não escolhem o melhor presidente para fazer um mundo melhor no futuro, apenas o que melhora o seu ao redor nacional no imediato. As eleições nos EUA mostram essa visão

Por muitos séculos, as tribos de seres humanos não percebiam que o mundo existia; cada grupo étnico se sentia único. Aos poucos, o mundo foi se transformando na soma-de-países diferentes que conviviam ou disputavam em guerras entre eles. O mundo passou a ser percebido maior do que cada país, mas suas populações não eram integradas. 

Nas últimas décadas, o mundo ficou integrado econômica e culturalmente, diversas entidades foram sendo criadas para promover a cooperação entre países em fóruns internacionais. É muito recente a atual realidade em que cada país é um pedaço-do-mundo. A foto desde o espaço trouxe a percepção de que a Terra é um território unificado e com recursos limitados. O planeta deixou de ser apenas um conceito de astronomia e se transformou na casa de todos os humanos. As mudanças climáticas passaram a ser vividas em qualquer parte do globo, mostrando que a humanidade não é mais apenas um conceito filosófico. Pela primeira vez, os seres humanos perceberam que têm um destino comum que não respeita fronteiras nacionais. As migrações em massa mostram que a busca por sobrevivência não respeita as distâncias nem as fronteiras.

Governo Lula 3 chega à metade sob pressão - Fernando Exman

Valor Econômico

Sem resolver a questão fiscal, eventual mudança na condução da política cambial deve gerar novo motivo de estresse

O governo Lula 3 chega à metade sob pressão, buscando reposicionar-se na política e, também, na economia. Em ambas as frentes a taxa de câmbio está em foco.

Mas, se há ainda muito tempo até a virada de ano, por que se fala no Congresso e no mercado que, na prática, o governo já chegou à metade?

São dois os motivos. O primeiro é o fim do pleito municipal, que fortaleceu o centro e a direita, e está exigindo inflexões do Palácio do Planalto desde já.

Líderes petistas começam a reconhecer que o resultado das eleições evidencia a dificuldade do partido em manter por perto a classe média que votou no presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2022. Esse é um obstáculo que a sigla necessita transpor até 2026, tendo em vista a campanha à reeleição, e para tanto precisará apresentar novas ideias programáticas que atendam a essa parcela da população.

Haddad com os ministros errados – Elio Gaspari

O Globo

Sabe-se lá o que vem por aí no pacote de corte de gastos armado em Brasília. A notícia de que Lula e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, reuniram-se com seus colegas da Saúde, Educação e Trabalho assusta. A lâmina parece apontada na direção errada.

Começando pelo Ministério do Trabalho, sabe-se que, nas últimas semanas, a ekipekonômika andou soprando por Brasília uma tunga engenhosa. Quem fosse demitido sem justa causa perderia uma porção da multa de 40% sobre o FGTS a que tem direito, paga pelo patrão. O engenho da tunga estava em descontar esse dinheiro avançando sobre aquilo que receberia pelo salário-desemprego, outro direito. Exposta, a tunga foi desmentida pelo Planalto e condenada pelo ministro do Trabalho, que ameaçou ir embora.

Presidente do PSB diz que corte de gastos do governo tem de poupar área social - Fábio Zanin

Folha de S. Paulo

Carlos Siqueira afirma que redução a ser anunciada pela gestão Lula não pode prejudicar os mais pobres

O presidente nacional do PSB, Carlos Siqueira, diz que o corte de gastos previsto pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva deveria poupar a área social.

"É uma decisão da equipe econômica. Mas tem que cortar onde não for prejudicar os mais pobres. Tem que ter critérios, não pode pode atingir áreas como saúde e educação", afirma.

Entre os pontos estudados pelo governo Lula no pacote de redução de despesas estão mudanças no seguro desemprego e um limite para o aumento de gastos, que poderiam afetar recursos para as áreas sociais. Como mostrou o Painel, o pacote deve gerar queixas no PT e demais legendas de esquerda.

"Temos autoridade para tratar desse assunto, porque todos os nossos governos são superavitários. Tem que cortar onde não prejudique a população", afirmou Siqueira.

Redução das despesas, agenda que se impõe - Lu Aiko Otta

Valor Econômico

Será preciso escolher entre manter ou não manter o arcabouço fiscal, ambas as opções com elevado custo político

Na imprensa, como em outros negócios que operam nos sete dias da semana, é comum ser perguntado aos trabalhadores se “preferem” trabalhar no Natal ou no Ano Novo. Não existe a opção “nenhum dos dois”.

Mal comparando, é a situação em que se encontra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva: manter ou não manter o arcabouço fiscal, ambas as opções com elevado custo político. Mas é necessário escolher.

Para mantê-lo, será preciso adotar medidas impopulares que podem dar discurso à oposição e embaralhar projetos políticos para 2026. Esse é o caminho para a redução de juros e a preservação do ciclo de crescimento econômico.

Lugar de fala é lugar de cale-se - Wilson Gomes

Folha de S. Paulo

O identitarismo perde feio em eleições, mas continua soberano nas universidades

Quando escrevi esta coluna, eu ainda não sabia o resultado da eleição presidencial americana, mas você, caro leitor, provavelmente já sabe. Independentemente de quem venceu essa disputa, que pode influenciar decisivamente a eleição brasileira em dois anos, há questões que já estão claras para quem acompanha as cada vez mais frequentes competições em que a extrema direita se apresenta com grandes chances de vitória.

A mais evidente delas, que afeta tanto as retóricas eleitorais quanto as perspectivas de políticas públicas e mudanças legislativas futuras, é a crise de popularidade da ideologia identitária. Para quem acompanhou a campanha americana, saltam aos olhos tanto o recuo na retórica identitária de Kamala Harris quanto o avanço, agora sem filtros, da agenda anti-identitária de Donald Trump. Como tudo ali é baseado em dados e cálculos eleitorais, o afastamento de Harris dessa retórica e o discurso cada vez mais agressivo de Trump contra o identitarismo são sinais claros de que essa pauta tem sido mais útil eleitoralmente à extrema direita do que aos progressistas.

Boulos e a esquerda na encruzilhada – Bruno Boghossian

Folha de S. Paulo

Fatalismo do deputado não é um delírio, mas pureza ideológica não vai resolver tudo

Guilherme Boulos deu alguns passos em direção ao centro na última campanha. Tentou suavizar bandeiras para não ser engolido pela rejeição a seu histórico político. A experiência talvez tenha sido frustrante demais: o deputado não apenas foi derrotado como saiu das urnas afirmando que a esquerda não deveria fazer concessões daquele tipo.

Boulos escolheu o lado em que seguirá na encruzilhada sobre os rumos da esquerdaEm entrevista a Mônica Bergamo quatro dias após a eleição, ele se queixou de "setores do PT" que defendem o caminho do centro para resistir ao avanço da extrema direita. Para o deputado do PSOL, essa opção seria "um suicídio histórico".

O plano de Haddad e Tebet - Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Ajuste 'estrutural' fica para um dia, contas ainda estarão doentes, mas dá para conter crise

Fazenda e Planejamento terão de fazer mágicas e milagres a fim de apresentar um plano de redução do ritmo de aumento de gastos que não seja sabotado por governo e PT, que seja aprovado por Lula da Silva, que não seja avacalhado no Congresso e que convença os credores da dívida pública.

É difícil, mas Fernando Haddad e Simone Tebet podem até conseguir aprovar medidas que, como dizem os médicos, coloquem o paciente em situação "estável" (pode estar ruim, mas parou de piorar, com sinais vitais em níveis aceitáveis).

Nos últimos 12 meses, a despesa do governo federal, em termos reais (descontada a inflação), somou R$ 2,32 trilhões. Sem precatórios de pessoal, custeio e capital, foi de R$ 2,22 trilhões. Vamos considerar aqui a despesa sem precatórios. É apenas um exercício para facilitar a discussão (precatório é outro rolo grande). Não há juros nessa conta (que são "pagos" com mais dívida). A receita foi de R$ 2,1 trilhões.

Picotando os clássicos - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Decisão de Flávio Dino que manda tirar de circulação quatro obras jurídicas por preconceito configura censura

Não escrevo hoje sobre a eleição americana porque qualquer coisa que eu dissesse ficaria irrecuperavelmente velha num ritmo ainda mais acelerado do que o do já efêmero jornalismo diário. Volto, portanto, minhas baterias contra Flávio Dino.

O ministro do STF determinou a retirada de circulação de quatro obras jurídicas com conteúdo discriminatório contra mulheres e homossexuais. Os quatro títulos são todos da mesma dupla de autores, os gêmeos Luciano e Fernando Dalvi, que, junto com a editora, também foram condenados a pagar indenização de R$ 150 mil por danos morais coletivos.

Reale Jr. vê ‘sequestro’ do Orçamento pelo Legislativo

Matheus Lara, Pedro Lima /O Estado de S. Paulo

Ex-ministro da Justiça critica a distribuição de emendas pelo Executivo e afirma que o País vive um momento de ‘podridão’

O jurista Miguel Reale Júnior fez duras críticas ontem ao que chamou de “sequestro” do Orçamento do País pelo Legislativo por meio das emendas parlamentares. Para o ex-ministro da Justiça, o Brasil vive um momento de “podridão”, em que o interesse público deu lugar ao interesse particular de deputados e senadores.

“O Legislativo pôs a mão no Orçamento. Se já é difícil para o Executivo cumprir seu papel com as despesas obrigatórias, com esse sequestro de receita por parte do Legislativo, o Executivo fica com as mãos atadas”, disse o jurista no encerramento do 9.º Seminário Caminhos Contra a Corrupção, promovido pelo Estadão e pelo Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). “Estamos vivendo uma podridão, vendo o dinheiro indo para o ralo, vendo ações que priorizam atendimento pessoal de parlamentares. Acabou o interesse público, este é o quadro.”

Uma reunião com 21 anos de atraso - Marcelo Godoy

O Estado de S. Paulo

Iniciativa de Lula vai fracassar porque a Segurança é refém do corporativismo das polícias

Quando assumiu a Secretaria Nacional de Segurança Pública, em 2003, Luiz Eduardo Soares tentou montar o que chamava de “um pacto pela paz”, que levaria à criação do SUSP, o Sistema Único de Segurança Pública. Tudo parecia possível. No começo de 2002 — lembrou o antropólogo em artigo assinado com o professor Manuel Domingos —, Lula fora bem recebido por tucanos, como Aécio Neves, que elogiaram o pacote anticrime petista.

Segundo Soares, “o plano não idealizava a racionalidade técnica e apontava para ajustes de instituições públicas às determinações constitucionais”. Dois anos antes, a resolução 160 da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo instituíra o Sistema Estadual de Coleta de Estatísticas Criminais. Soares queria o mesmo: dados confiáveis que servissem para retratar o funcionamento do sistema.

Cadeias cheias e ruas perigosas - Nicolau da Rocha Cavalcanti

O Estado de S. Paulo

Essa realidade não é fruto do acaso, mas de modos de proceder incorporados como normais, apesar de seus nefastos efeitos

Temos a terceira maior população carcerária do mundo – prendemos muitas pessoas, investimos muitos recursos públicos aí –, mas não somos um país seguro. Há um alto índice de criminalidade e de insegurança, que afeta a vida das pessoas, das famílias, das empresas, dos negócios, de todo o País. Entender e enfrentar as causas desse cenário de disfuncionalidade do sistema de Justiça penal é, a meu ver, um imperativo cívico e ético, um cuidado necessário com a coletividade: com o presente e o futuro do Brasil.

A melhoria do sistema de Justiça penal não é uma missão impossível. Neste momento, por exemplo, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) tem a oportunidade de corrigir um antigo erro seu e melhorar significativamente a qualidade das investigações que embasam as ações penais. Não adianta processar e prender muita gente, se os processos penais são superficialmente instruídos, se eles não desvendam a dinâmica do crime, se eles não prendem quem deveria ser preso.

O colapso das ferrovias - Almir Pazzianotto Pinto

O Estado de S. Paulo

A prioridade dada às rodovias não justifica o abandono das ferrovias, que deveriam ser vistas como o principal meio de transporte de cargas pesadas e de passageiros à longa distância

Nos altos escalões da República nada se diz sobre o colapso da malha ferroviária, um dos pontos fracos da nossa precária infraestrutura, responsável pela baixa produtividade do Brasil.

A rede se estende de forma descoordenada ao longo de 30.129 quilômetros (km), distribuídos entre 22 Estados e o Distrito Federal. A maior parte se destina a transporte de cargas, como minério de ferro. É reduzido o número de quilômetros explorados para deslocamento de passageiros. A maior extensão se registrou na década de 1960, quando alcançou 38.287 quilômetros. Na Mensagem ao Congresso Nacional relativa ao ano de 1956, o presidente Juscelino Kubitschek declarava existirem 37.100 quilômetros, “sendo 2.880 km em bitola de 1,60 metro, 33.120 km em bitola de 1,00 metro e 1.060 km em bitolas inferiores a 1 metro”. Também relacionava as ferrovias em fase de construção (página 418).