segunda-feira, 18 de novembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Apenas a regulação robusta disciplinará plataformas digitais

O Globo

Falta às redes sociais transparência no fornecimento de dados e na exibição de publicidade, conclui estudo

À medida que cresce a dependência de grandes plataformas digitais, também aumenta a urgência de maior transparência em seus serviços. Isso é particularmente verdade no Brasil, de acordo com estudo recente do NetLab, laboratório vinculado à Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

O estudo avaliou as plataformas por meio de dois índices. O primeiro mediu a transparência no fornecimento de dados, o segundo na exibição de publicidade. Submetidas à avaliação, as principais plataformas apresentaram resultados sofríveis. Nenhuma alcançou o nível ideal. No Índice de Transparência de Dados, o YouTube obteve melhor pontuação (63,2 pontos na escala de 0 a 100), patamar apenas satisfatório. Facebook (53,6) e Instagram (52,1) apresentaram desempenho regular. O WhatsApp recebeu uma pontuação mínima de 1,5 ponto, revelando grave falta de transparência. No Índice de Transparência de Publicidade, a Meta — dona de Instagram, Facebook e WhatsApp — obteve melhor pontuação (49,8), mesmo assim nível apenas regular. Em seguida, Telegram (22,8), Linkedin (18,3) e Google (8,2) apresentaram nível precário.

A arte de perder eleições - Fernando Gabeira

O Globo

Nem sempre considero decisões acertadas apenas por ser majoritárias. Alemães e italianos já se equivocaram

Eu já deveria ter esquecido as eleições nos Estados Unidos. Torci por Kamala Harris, perdi. Perdi eleições municipais, estaduais e federais. Uma fora do Brasil não é nada. Se houver algo em Marte, farei minha aposta.

A energia inicial, milhões de dólares arrecadados entre pequenos doadores, me impressionou. Pensei que a alegria da campanha e seu olhar para o futuro bastariam. Hoje, percebo que havia uma raiva e uma frustração que o otimismo superficial não resolve. Trump interpretou bem, venceu.

Sempre tiro o chapéu para os vitoriosos e respeito as decisões majoritárias. Mas esse é meu limite. Nem sempre as considero acertadas apenas por ser majoritárias. Alemães e italianos já se equivocaram, com mais entusiasmo.

Mulheres contra a ditadura – Miguel de Almeida

O Globo

Numa única tacada, deputada tirou o Brasil da Pré-História, levando-o ao centro do século XXI

Por causa de uma conjunção astral (!) favorável, do tipo que ocorre uma vez a cada século, o brasileiro consegue enxergar seu horizonte sem a lente das cotas identitárias. Em duas mãos de sorte:

1) A deputada Erika Hilton, do PSOL de São Paulo, apresentou proposta para diminuir a carga semanal de trabalho. A parlamentar trans legislou para toda a sociedade, e não apenas para um grupo;

2) “Ainda estou aqui”, de Walter Salles, conta a história de uma heroína brasileira. Desta vez, o audiovisual tupiniquim, contaminado às tampas pelas guerras culturais, abandonou o viés racial e de gênero para mostrar uma personagem humana, e não esquemática. Alguém de carne e osso. Não é tese nem arte engajada. Cinema puro. Na narrativa, não há ninguém mal-humorado cumprindo cota. Baita filme.

Numa única tacada, Erika tirou o Brasil da Pré-História, levando-o ao centro do século XXI e para longe da mão dos sindicalistas e das plataformas do fundo eleitoral. Mesmo o sempre amuado Geraldo Alckmin arrepiou o semblante. Um ar novo cruzou o ambiente. Até então, diante da chegada das novas tecnologias e da vizinhança da IA, os governantes ainda não conseguiram formular qualquer política pública eficaz. Sindicalizar não vale.

A sociedade desmente deputados e senadores - Bruno Carazza

Valor Econômico

Regime de emendas parlamentares não necessita apenas de transparência - ele deveria ser extinto

O Senado Federal deve concluir nesta semana a votação de um novo regramento para a execução das emendas parlamentares ao Orçamento. Trata-se de exigência do ministro Flávio Dino, que atendendo a um pedido do Psol no âmbito da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 7697, suspendeu a execução das dotações definidas por deputados e senadores, as famosas emendas impositivas.

Na liminar concedida em 14 de agosto, Dino estabeleceu a distinção entre “orçamento impositivo” - aquele no qual a execução das despesas pelo governo federal deve seguir a destinação estabelecida pelos congressistas - e “orçamento arbitrário”, regime que melhor caracteriza a forma como as emendas vêm sendo cumpridas até hoje: “Incompatível com a ordem constitucional a execução privada [do parlamentar autor da emenda] e secreta do orçamento público”.

Embasando sua decisão em trabalhos de economistas como Marcos Mendes, Fabio Giambiagi, Paulo Hartung e Felipe Salto, Dino sustou a aplicação de recursos alocados por meio de emendas impositivas até que os poderes Executivo e Legislativo estabeleçam novos procedimentos para sua execução.

Endurecimento na responsabilização das redes sociais - Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Julgamento do artigo 19 do Marco Civil da Internet no Supremo Tribunal Federal, marcado para o dia 27 deste mês

A primeira repercussão concreta das bombas que explodiram na quarta-feira (13) na Praça dos Três Poderes, matando seu detonador, Francisco Wanderley Luiz, não deve se dar sobre a anistia pelos crimes do 8 de janeiro - que já foi adiada com a perspectiva de uma longínqua comissão especial na Câmara dos Deputados - mas, sim, sobre o julgamento do artigo 19 do Marco Civil da Internet no Supremo Tribunal Federal, marcado para o dia 27 deste mês.

O ministro do STF, Alexandre de Moraes, revelou sua expectativa em relação aos reflexos das bombas sobre o tema. “Aqueles que defendem a democracia devem se unir para que haja uma responsabilização e uma regulamentação das redes sociais, não é mais possível esse envenenamento constante”, disse, ao comentar sua explosão na quinta-feira (14) no Conselho Nacional do Ministério Público. Além das mensagens veiculadas por Francisco Wanderley antes do atentado, o “envenenamento” a que se refere o ministro, pode ganhar outra dimensão com a decodificação do celular do homem-bomba que foi recolhido pela Polícia Federal.

Países do grupo aumentam barreiras no comércio global - Assis Moreira

Valor Econômico

Com 85% das trocas internacionais, G20 tem multiplicado políticas unilaterais de restrição

Os líderes do G20, reunidos no Rio nesta segunda e terça-feira, vão se comprometer a combater o protecionismo e defender o sistema de regras comuns, como fazem normalmente na cúpula anual.

Na prática, porém, o que se vê é o aumento de restrições no comércio internacional tendo como fundo a multiplicação de políticas unilaterais adotadas por países do grupo, que fazem 85% da produção global.

Dados que a diretora-geral da Organização Mundial do Comércio, Ngozi Okonjo-Iweala, leva para a cúpula presidida pelo Brasil atestam mais unilateralismo e mais políticas focadas na proteção interna.

Os países do G20 introduziram 91 novas medidas restritivas ao comércio entre outubro de 2023 e outubro de 2024, numa alta de 85,7% em relação ao relatório anterior fornecido para a cúpula do G20 na India no ano passado.

Trump 2.0, um Brexit americano? - Winston Fritsch

Valor Econômico

É razoável esperar que a complexidade das estruturas de poder nos EUA temperará os arroubos populistas e isolacionistas do presidente eleito, mas apertem os cintos

Em novembro de 2016, a surpreendente eleição de Donald Trump apenas cinco meses depois do apertado referendo que tirou o Reino Unido da Comunidade Europeia, tornou inevitável a comparação entre os eventos.

As semelhanças eram evidentes. Trump em 2016 era um “outsider” nos quadros tradicionais do Partido Republicano, do mesmo modo que o movimento pró-Brexit não contava com o apoio das lideranças do Partido Conservador. Ambas as campanhas foram centradas no uso intensivo das redes sociais, repetindo velhos argumentos da extrema-direita como a apologia do Estado mínimo, isolacionismo nacionalista e, especialmente, um visceral ataque contra a imigração - que, no caso inglês, cresceu com a entrada da Europa do Leste na União Europeia em meio ao aumento de desemprego causado pela Grande Recessão. Os resultados das urnas por grupo de eleitores eram também incrivelmente semelhantes, exceto por diferenças nos grupos de gênero, onde Hillary Clinton, a oponente de Trump, teve significativa maioria entre mulheres.

Polarização e violência política - Marcus André Melo

Folha de S. Paulo

Evidências empíricas de um novo estudo abrangente alimenta o debate em torno de duas explicações rivais sobre o assunto

A violência política entrou com força na agenda pública não só em democracias avançadas mas também nas novas democracias, o Brasil incluso. Mas está longe de constituir algo inédito. Para ficar apenas nos EUA, onde Trump sofreu várias tentativas de assassinato, Bob Kennedy, candidato à Presidência, foi assassinado em plena campanha, semanas após Martin Luther King, liderança pública histórica, ser morto.

A agenda atual, porém, está fortemente marcada pelas relações entre violência política, polarização afetiva e atitudes antidemocráticas, o que discuti aqui. A intolerância e polarização/animosidade partidária estão em um crescendo; no entanto não há consenso se elas implicam necessariamente atos extremos. Atualmente há duas posições rivais na ciência política: a primeira é que a animosidade interpartidária está intrinsecamente relacionada a atitudes antidemocráticas e violência política; a segunda é que se trata de fenômenos com dinâmicas próprias e distintas.

Segredo uruguaio contra a polarização - Oliver Stuenkel

O Estado de S. Paulo

Uruguaios oferecem série de lições sobre como não cair na tentação do ‘nós contra eles’

No dia 24, eleitores uruguaios escolherão, no segundo turno, seu próximo presidente. O cenário no Uruguai se destaca em meio a uma tendência mundial de polarização crescente e cada vez mais destrutiva. Ao contrário do que se observa em numerosos países, os dois candidatos não adotam discursos radicais, não representam ameaça às instituições democráticas e não veem o adversário como inimigo, mas como oponente legítimo dentro de uma das democracias mais sólidas do mundo – que costuma, nos rankings, aparecer à frente de países como Reino Unido, França e muito adiante dos EUA.

Enquanto a vitória do “outro lado” é vista, por milhões de eleitores em países como EUA, Índia, Brasil e Argentina, como uma catástrofe, os uruguaios não terão dificuldades para aceitar o resultado das urnas. Atitudes como contestar resultado, incitar violência contra opositores ou brigar com parentes e amigos por visões políticas distintas são raras no país. O Uruguai apresenta baixos níveis de polarização tanto na dimensão ideológica – caso de grupos (líderes ou eleitores) se movendo para posições extremas – quanto na dimensão emocional – sentimentos negativos em relação a grupos opositores.

Terrorismo, mas não aqui - Diogo Schelp

O Estado de S. Paulo

As explosões em Brasília no último dia 13 foram um ato de terrorismo? A PF investiga o episódio como tal. Em muitos países, também seria tratado assim, mesmo que se confirme que o autor sofria de distúrbios psiquiátricos e que financiou, planejou e executou o ataque sozinho, sem ordem direta de outras pessoas ou grupos organizados. Na Global Terrorism Database, base de dados com informações sobre atentados cometidos em todo o mundo desde 1970, há inúmeros casos de ataques cometidos por lobos solitários sem filiação com organizações terroristas. Em 2019, o FBI listou 52 ataques terroristas desse tipo desde a década de 70 em território americano. O critério suficiente para classificá-los como terrorismo era a existência de uma motivação de base ideológica (política, racial, social, religiosa, etc).

Reflexões sobre Trump - Denis Lerrer Rosenfield

O Estado de S. Paulo

Os trabalhadores, independentemente de serem brancos, negros ou hispano-americanos, votaram no republicano por defenderem os mesmos interesses, e não como identitários

A vitória de Donald Trump nas eleições dos EUA, ganhando, além da presidência pelo voto nacional e pelo Colégio Eleitoral, ademais o Senado e a Câmara dos Representantes, teve um forte impacto. Sobretudo, porque a maior parte da mídia apoiou descaradamente Kamala Harris, fechando os olhos para o avanço do republicano. Pesquisas eleitorais, por exemplo, apontavam para uma disputa acirrada, quando a realidade já era outra. Vejamos, a propósito, alguns desses pontos.

Xingamento. Não houve, em boa parte da cobertura jornalística, análise propriamente do que estava ocorrendo, prevalecendo o xingamento e críticas acerbas. Até parecia que a cobertura, cada vez mais enviesada, tinha como alvo o prestígio do analista junto à esquerda, exibindo um profundo alheamento da realidade. Quando se abandona o mundo das categorias analíticas, das ideias desprovidas de vieses, cai-se em posicionamentos ideológicos, que não conseguem mais ver os fatos, tornados meras narrativas.

O poeta cinemeiro - Sérgio Augusto*

Folha de S. Paulo

[RESUMO] O texto a seguir é o prefácio de Sérgio Augusto para o livro "O Cinema de Perto", que reúne a produção em prosa e verso de Carlos Drummond de Andrade sobre o tema, publicada em jornais de 1920 a 1980. Um apaixonado cinemeiro, termo que preferia a cinéfilo, o poeta escreveu sobre seus filmes favoritos, fez declarações de amor para atrizes (Greta Garbo antes de todas), defendeu as vantagens do preto e branco em relação às cores, combateu a censura, celebrou a geração do cinema novo e torceu o nariz para figurões da modernidade das telas, como os cineastas Godard, Antonioni e Bergman.

Quem se aventurar a escrever a história da crítica de cinema praticada por poetas dificilmente encontrará um ancestral do norte-americano Vachel Lindsay (1879-1931).

Um dos fundadores da poesia cantada moderna, o jazz poet de Illinois também foi o primeiro poeta a escrever sobre filmes e estética cinematográfica de que se tem registro, inclusive sob a forma de
livro: seu pioneiro "The Art of the Moving Picture" foi posto à venda em 1915, quando Hollywood era pouco mais que um matagal seco e dispunha de apenas um estúdio de filmagem em funcionamento.

Já pelas bandas de cá, só na década seguinte o modernismo abriria espaço, na revista Klaxon, para que dois poetas da terra, Mário de Andrade e Guilherme de Almeida, dessem vazão em público e letra de fôrma à sua paixão pelo cinema.

Mário de Andrade escreveu sobre filmes, cineastas e tópicos cognatos entre maio de 1922 e janeiro de 1923, por vezes oculto por um pseudônimo. Guilherme de Almeida foi mais longe, assinando críticas
de filmes periodicamente no jornal O Estado de S. Paulo, entre 1926 e 1942, e editando um livro, "Gente de Cinema", em 1929.

Tempos depois, Vinicius de Moraes, o concretista José Lino Grünewald e Van Jafa, este mais comprometido com a crítica teatral diária, ampliaram a linhagem em variados veículos da imprensa carioca; noves fora Caetano Veloso, que, antes de virar compositor, foi crítico de cinema na Bahia.

Antes deles, porém, outro poeta, justo o maior de todos, Carlos Drummond de Andrade, já se dedicava, intensamente, a refletir e escrever sobre cinema e os sortilégios de seus ídolos. O poeta de Itabira foi um ativo cronista cinematográfico em publicações de Belo Horizonte e do Rio de Janeiro, ao longo de praticamente seis décadas.

Poesia | Graziela Melo: Os vivos e os mortos


Tudo
fica
para trás!

Só nós
é que
nos vamos...

E para
nunca mais!!!

É a
viagem
sem retorno
não precisa
passaporte!

É o dia
mais triste
da vida,