sexta-feira, 29 de novembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Plano de controle de gastos é tímido e insuficiente

O Globo

Governo demorou para apresentar proposta com medidas requentadas, sem nenhuma mudança estrutural

Apresentado em detalhe nesta quinta-feira, o plano de controle de gastos do governo é paradoxal. Num destaque intitulado “Cuidar da nossa casa”, afirma que o ritmo de crescimento das despesas gera incerteza sobre a regra fiscal. Cita o cenário externo desafiador e reconhece que o real desvalorizado, a pressão inflacionária e os juros altos “impactam a renda, o emprego, o investimento e desaquecem a economia”. Diante de diagnóstico tão realista de conjuntura tão delicada, esperavam-se medidas de impacto. Mas a proposta é tímida demais, insuficiente para deter o crescimento da dívida pública. Contrariando a lógica exposta pelo próprio Ministério da Fazenda, não conterá significativamente as despesas, apenas mudará sua composição. Depois de tanto mistério e expectativa, foi uma decepção.

Como reduzir os riscos à democracia - Fernando Abrucio

Valor Econômico

Ficamos por um fio de um novo autoritarismo porque a democracia ainda é fraca, ou o golpismo foi evitado porque o atual regime democrático é forte?

A imensa investigação feita pela Polícia Federal revelou que um projeto de golpe de Estado e de ditadura foi gestado pelo presidente Bolsonaro e por diversos membros do seu governo. Este fato tem evidências demais para ser considerado inverídico. A dúvida que tem gerado muito debate é outra: ficamos por um fio de um novo autoritarismo porque a democracia ainda é fraca, ou, contrariamente, o golpismo foi evitado porque o atual regime democrático é forte?

Esse raciocínio dicotômico não capta a complexidade da política brasileira contemporânea. O Brasil avançou no plano institucional e na presença de organizações sociais democráticas, de modo que é bem mais difícil ser golpista bem-sucedido hoje. Mas, ao mesmo tempo, ainda há riscos democráticos porque um golpe de Estado não aconteceu por milímetros. Bastava que os comandantes do Exército, Freire Gomes, e da Aeronáutica, Baptista Junior, tivessem aceitado o plano maluco e autoritário de Bolsonaro que a anarquia e a instabilidade poderiam ter quebrado o processo democrático. Se isso seria feito com assassinatos, junta provisória de governo ou prisão de ministros do STF e de políticos, qual seria a intensidade da reação ao golpe e por quanto tempo duraria essa situação antidemocrática, nunca saberemos por completo.

Há aqui um aparente paradoxo, pois parecem ser inconciliáveis os dois argumentos. No entanto, é possível formular o problema de uma forma mais sofisticada e menos maniqueísta. É inegável que 2022 tinha elementos bem diferentes de 1964. As instituições políticas atuais são mais vinculadas à democracia, do mesmo modo que há setores sociais e apoios internacionais que dificultaram o golpismo bolsonarista.

A multidão na política - José de Souza Martins

Valor Econômico

Há indicativos de que o golpe de Estado é continuo, de autoria disfarçada. Nesse sentido, as descobertas recentes da Polícia Federal representam um fato histórico inovador que pode tornar real a democracia no Brasil

A notícia da prisão de oficiais do Exército e de um policial federal mudou as referências de compreensão do atentado terrorista em Brasília, no dia 13 de novembro. A descoberta de indícios de um plano para matar o presidente e o vice-presidente da República, eleitos em 2022, Lula e Alckmin, e, também, o ministro Alexandre de Moraes pôs o homem-bomba num cenário sociologicamente mais abrangente. A divulgação da lista dos 37 indiciados no processo de apuração da tentativa de golpe de Estado livrou o terrorista da solidão que lhe imputavam.

Jornalisticamente, a diversificação de indícios de uma situação política crítica obscureceu a relevância noticiosa da ação do homem-bomba. Mas revelou o sentido sociológico e explicativo da rede de ações e relações ocultos no processo do que se tornou o de nossa decadência política.

Cessaram, na mídia, as cogitações que explicam a suposta solidão do autor do atentado contra o STF. Muito depressa bolsonaristas defenderam-se ao estranhar o correligionário extremista. Negaram a eventual responsabilidade coletiva na instigação difusa a que agisse como agiu, nos lugares em que o fez. Cuspiram-no.

O STF e o golpe: não vale a pena ver de novo - Andrea Jubé

Valor Econômico

A história se repete, como tragédia ou farsa, e os fatos do passado influenciam as ações humanas no presente

“Hegel observa em alguma obra que todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes”, escreveu Karl Marx, na introdução de “O Dezoito de Brumário de Luís Bonaparte”. E completou: “A primeira vez como tragédia, a segunda como farsa”.

Na obra de 1852, o pensador alemão analisa o “autogolpe” de Napoleão III, sobrinho de Napoleão Bonaparte. Luís Bonaparte havia sido eleito presidente da França pelo voto popular em 1848, derrubando a monarquia, e instaurando a segunda República naquele país.

Diante da proibição da lei eleitoral para concorrer a um novo mandato, deu um golpe em 1851 para continuar no poder e se autoproclamou imperador, como o tio. Segundo Marx, Luís Bonaparte inspirou-se na biografia do tio célebre, que liderou tropas militares para derrubar a primeira República francesa, inaugurada com a Revolução de 1789, sob as palavras de ordem “liberdade, igualdade e fraternidade”.

Isenção de Imposto de Renda corre o risco de errar o alvo - Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

O câmbio, beirando os R$ 6, empurra a inflação e o juro. E assim, o impacto fiscal ameaça transformar todo o esforço em enxugamento de gelo

Já ficou claro que vai sair cara a pressão do presidente da República pela inclusão no pacote fiscal da isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil. O câmbio, beirando os R$ 6, empurra a inflação e o juro. E assim, o impacto fiscal ameaça transformar todo o esforço em enxugamento de gelo.

Sim, era uma promessa de campanha, mas também poderia sido deixado para 2025, com a mesma incidência a partir de 2026 como agora foi proposto. Permitiria uma melhor gestão de expectativas, por um lado, e ofereceria um bônus para seu eleitorado no ano da sucessão presidencial.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva parece ter sido movido não apenas pela necessidade de compensar a alteração na regra de reajuste do salário mínimo mas também pela ânsia de encontrar uma ponte para o universo dos pequenos empreendedores que tem desafiado e, em muitos casos, derrotado o governo, vide a proposta para os motoristas de aplicativos.

Pacote fiscal de Lula chega com atraso – Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

O mercado faz o teste de São Tomé: pretende ver para acreditar na promessa de economias de R$ 70 bilhões, em 2025 e 2026

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva passou um mês mais ou menos debatendo o pacto fiscal anunciado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na quarta-feira. Durante esse período, as propostas da equipe econômica foram "espancadas" pelos demais ministros, para usar uma velha expressão da ex-presidente Dilma Rousseff em relação ao seu processo de decisão sobre medidas desta natureza. Foi o que já havia ocorrido com a proposta de "déficit zero" apresentada pela equipe econômica no ano passado.

Entretanto, quem achar que o governo perdeu um mês na queda de braços da Esplanada dos Ministérios, estimulada por Lula, diga-se de passagem, estará enganado. A perda de tempo é muito maior. Pacotes dessa natureza, segundo uma velha raposa política muito experiente em assuntos administrativos, devem ser apresentados no primeiro ano de governo. Por uma razão simples: o arrocho fiscal provoca desgastes na opinião pública, que somente são revertidos quando seus efeitos positivos chegam ao dia a dia da população. Quanto mais tempo o governante tiver para que isso ocorra, melhor. Lula não terá três anos para que isso ocorra; terá apenas um ano e meio, talvez nem isso, se quiser se reeleger.

60 anos depois - Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

Por que o golpe de Estado não vingou? A reação contrária dos comandos do Exército e da Aeronáutica foi decisiva, mas não foi o único fator a salvar o Brasil de mais um golpe militar. À não adesão das Forças Armadas, somaram-se a falta de “povo” e o firme recado internacional pró-democracia, particularmente do governo Joe Biden.

Sem os comandos militares, o “povo” e os Estados Unidos, como o capitão Jair Bolsonaro e um bando de valentões poderiam repetir o golpe de 1964, que nos roubou 20 anos de democracia? O de 2022 não teve força para ser concluído – o que não minimiza o crime nem deve minimizar as penas.

Dúvidas e contrabando no pacote fiscal - Celso Ming

O Estado de S. Paulo

Agente ainda não sabe qual será a cara definitiva desse pacote fiscal. As primeiras avaliações mostraram que tem mais a ver com uma careta.

Não há analista que não tenha observado que é, de longe, insuficiente para garantir a sustentabilidade da dívida pública. Pode, em princípio, ajudar a conter as despesas em 2025 e em 2026, embora não garanta a meta do arcabouço fiscal. Mas ninguém menos que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, admitiu que será preciso alguma complementação, ainda a ser negociada com o presidente Lula.

O que foi apresentado deve cortar despesas entre R$ 40 bilhões e R$ 50 bilhões em dois anos. Haddad fala em economia de R$ 71 bilhões, mas há muito ceticismo nesses números. Mesmo depois de esmerilhada pelas pressões dos políticos e dos interesses imediatos, a ideia era, pelo menos, criar condições para que as despesas não crescessem mais do que a inflação futura. Mas nem isso ficou claro.

Objetivos - Laura Karpuska

O Estado de S. Paulo

Como bem dizia um colega, reformas econômicas no País acabam virando ‘balaios de gato’

A economia normativa prevê que um país se endivide em tempos de vacas magras e pague sua dívida em tempos de vacas gordas. Na prática, essa lógica raramente se aplica. Para os políticos, quase nunca é tempo de economizar, apenas de gastar.

A carga tributária brasileira está em torno de 33% do PIB, próxima do patamar médio de países da OCDE. Contudo, a qualidade dos serviços públicos oferecidos é inferior. Existe, portanto, uma preocupação legítima com a eficiência dos gastos públicos brasileiros. Ainda assim, grande parte do debate sobre gastos se concentra no “quanto gastar”, ou seja, no tamanho do Estado que se deseja, deixando de lado a reflexão sobre o papel que queremos que o Estado exerça.

Bernardo Mello Franco – O mercado, o pacote e a urna

O Globo

Ninguém discute a necessidade de equilibrar contas, a questão é definir quem vai perder

O mercado não gostou do pacote de corte de gastos do governo. Assim que o ministro Fernando Haddad terminou o anúncio na TV, as queixas começaram a pipocar no noticiário online.

“Foi mais do mesmo”, esbravejou um analista de investimentos. “Muito inadequado”, reprovou o chefe de uma consultoria. “Gerou frustração”, sentenciou o porta-voz de uma corretora.

O azedume se refletiu ontem nos indicadores econômicos. A Bolsa caiu 1,73%. O dólar chegou a ultrapassar os R$ 6. Questionado sobre as reações negativas, o ministro Fernando Haddad disse que o mercado tem errado nas previsões. “É preciso colocar em xeque as profecias não realizadas”, ironizou.

Os desvalidos que lutem – Flávia Oliveira

O Globo

Ricos não dão um quinhão por mais justiça social e tributária. É assim desde que o Brasil é Brasil

No pronunciamento aos queridos brasileiros e às queridas brasileiras, o ministro da Fazenda usou postura e palavreado presidenciais em busca de algum apoio popular para medidas que, embora desidratem direitos sociais, não satisfazem os bambambãs das finanças. Os R$ 70 bilhões que o governo promete economizar num par de anos, à custa de mudanças no abono salarial, no reajuste do salário mínimo, na limitação de despesas e até na previdência dos militares, vão para o mercado na forma de juros num piscar de olhos. Ainda assim, o dólar avança impávido ladeira acima. Segue o baile.

As contas públicas brasileiras são disfuncionais porque o país tem muita gente pobre demandando política pública e grupos privilegiados que, numericamente em desvantagem, não dão um quinhão por mais justiça social e tributária. É assim desde que o Brasil é Brasil. Abusam da capacidade de organização e pressão política para manter benesses. Farinha muita, meu pirão primeiro; farinha pouca, também. E tome desoneração.

A montanha pariu dois ratos - Vera Magalhães

O Globo

É difícil prever o que Lula e Haddad podem fazer nos próximos dias para estancar a alta do dólar e a queda da Bolsa e engajar o Congresso em torno dos dois pacotes

Se o objetivo do governo era produzir um frisson com o anúncio da ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, capaz de neutralizar a reação ao ajuste de despesas ao arcabouço fiscal, a montanha e a demora pariram não um, mas dois ratos.

Os destinatários da medida ficaram sem entender direito a partir de quando ela valerá e como incidirá. A explicação ficou truncada, confusa, perdida diante da necessidade de detalhar também o pacote de contenção dos gastos públicos.

O Congresso, cabreiro com a inclusão do aumento da alíquota para quem “mora na cobertura”, na metáfora usada pelo ministro Rui Costa, tratou de deixar claro que a análise da reforma sobre a renda é para o ano que vem, sem pressa.

Não houve ganho, mas sim grande prejuízo na decisão, fruto do aconselhamento dos responsáveis pelo marketing e pela comunicação do governo, de misturar alhos com bugalhos.

Nuances do ajuste fiscal - Benito Salomão*

Correio Braziliense

O pacote anunciado indica que há esforço para construir no país um ambiente de racionalidade fiscal

A temática fiscal predomina no debate econômico do país há mais de uma década. O pacote anunciado no último dia 28 prevê uma economia de R$ 70 bilhões entre os exercícios de 2024 e 25. Se esse impacto for de fato realista, há a possibilidade de se zerar o déficit primário no próximo exercício fiscal, preservando os parâmetros do Arcabouço (NAF).

É importante salientar que o pacote anunciado, caso efetivo, não estabiliza a relação dívida/PIB, de forma que novos pacotes deverão estar no radar da política econômica nos próximos anos. Entretanto, é igualmente importante ressaltar que o seu objetivo não é estabilizar o endividamento público, mas, sim, preservar os parâmetros do NAF. Desde a sua concepção, já se sabia que o NAF não seria capaz, na ausência de reformas adicionais, de estabilizar a relação dívida/PIB.

'Direita civilizada' é moda nos salões - Marcos Augusto Gonçalves

Folha de S. Paulo

Direitismo democrático é conversa para 2026 da elite liberal econômica que embarcou no Mito

O que a farta comprovação da trama golpista de Jair Bolsonaro e seus asseclas representará, enfim, para a direita? Afora os fanáticos que continuarão a idolatrar o Mito caído, o transatlântico do conservadorismo e do liberalismo econômico já vem manobrando em busca de nova rota. A adesão de figurões da centro-direita à candidatura Lula no segundo turno foi um sinal de que a carona no cavalo das trevas se revelava equivocada.

Lula carrega em sua posição de centro-esquerda o pacote petista, com suas visões estatistas em economia, avessas ao mercado e à livre iniciativa. Não é, obviamente, o candidato ideal da centro-direita, embora palatável dentro de certas circunstâncias.

Governo usou trampolim como amortecedor - Bruno Boghossian

Folha de S. Paulo

Rebaixado a ferramenta de contenção de danos, reforma do IR vem ao mundo num contexto amargo

pacote de contenção de gastos do governo tomou um banho de política antes de ver a luz do dia. A decisão de anunciar em conjunto o ajuste fiscal e o aumento da isenção do Imposto de Renda mostrou que Lula não estava disposto a absorver o desgaste que o plano provocaria em sua base social sem, ao menos, preparar terreno para tentar amenizar esse impacto antes da próxima eleição.

O formato do anúncio começou a ser discutido há duas semanas, numa reunião entre Lula e seu marqueteiro. O presidente convocou o publicitário Sidônio Palmeira para avaliar os efeitos políticos das medidas que formariam a espinha dorsal do ajuste fiscal, como a limitação ao aumento do salário mínimo e o aperto de certos benefícios sociais.

A avaliação de que o plano poderia ter efeitos desastrosos sobre a avaliação do governo fez com que Lula determinasse que o anúncio fosse compensado com a antecipação da reforma do Imposto de Renda. Quando o presidente consultou ministros que integram o núcleo de seu governo, Fernando Haddad foi o único a votar contra a proposta.

Pacote é remendo improvável - Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Vai ser difícil conseguir mesmo o remendo para manter as contas até 2026

Está difícil de acreditar que o governo vai conseguir conter despesas no tanto que está previsto na tabelinha do pacote fiscal. Se vai conseguir cumprir suas metas em 2025 e 2026. O plano fiscal vai até 2030. Mas sabe-se lá qual será o próximo governo e qual será o tamanho do conserto fiscal necessário em 2027 —será grande. Ainda que o pacote funcionasse no próximo biênio, seria apenas um remendo.

O tamanho do resultado de algumas providências é incerto, como no caso dos pentes-finos, recadastramentos e mudanças de regras de acesso do Bolsa Família e do Benefício de Prestação Continuada. Para o ano que vem, o governo estima conter gastos de cerca de R$ 6,5 bilhões (da contenção total de R$ 30,6 bilhões prevista no pacote).

O governo pretende conter gastos com aquele mecanismo chamado pelo palavrão "DRU", desvinculação de receitas da União. Em resumo, a DRU permite ao governo não fazer certos gastos obrigatórios. Está em vigor. Vence no final deste ano. Se o governo vai apenas renovar o instrumento, de onde vem o dinheiro extra (R$ 3,6 bilhões em 2025)? Se vai mudar a DRU, como vai ser?

O governo prevê diminuir subsídios e subvenções em 10% (crédito barateados para empresas, muitas do agro, etc.). O governo diz que o arrocho será de R$ 1,8 bilhão. Vai conseguir? O governo quer também conter o aumento do dinheiro que é legalmente obrigado a passar para o Distrito Federal. Hum.

Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos e ex-secretário da Fazenda paulista, estima que, com subsídios, o governo arruma R$ 700 milhões. Com DRU, nada. Com as medidas para melhorar BPC e Bolsa Família, R$ 2,6 bilhões. No total, prevê frustração de R$ 11 bilhões.

Há contas mais precisas por fazer, pois faltam os textos legais. A coisa toda vai passar pelo Congresso. Há medidas que devem funcionar, como colocar a despesa com escola integral no cesto da despesa obrigatória e crescente do Fundeb. Vai haver algum controle sobre o crescimento do valor das emendas parlamentares —bom. Mas vai se cortar apenas parte da gordura de um bicho que cresceu muito, de modo indevido, quando não picareta.

Como observa o economista Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper e colunista desta Folha, o governo ainda vai precisar de muito aumento de receita. Mais aumento de receita implica mais gasto obrigatório com saúde e educação.

O resumo da ópera é desconfiança.

O anúncio do dito pacote fiscal foi dominado pela história do Imposto de Renda, entende-se. É vida real, mais ou menos dinheiro a cair na conta. É incerteza econômica, pois não se sabe se o governo vai conseguir criar o imposto extra sobre ricos, que pagam escandalosamente pouco. Quando este governo tentou cobrar mais sobre os fundos exclusivos, de famílias ricas, o Congresso cortou a alíquota quase pela metade.

O IR não apenas dominou a conversa como fez o pacote sair pela culatra, até agora: dólar a quase R$ 6, taxa de juros de um ano quase a 14% anuais, mais aperto financeiro, aumento do custo de financiamento da dívida pública, mais pressão sobre a inflação.

Esperava-se que, mesmo com um pacote mediano, o dólar poderia voltar ao preço salgado e inflacionário de R$ 5,5. Agora, sabe-se lá. Há incerteza nova, as metas do pacote parecem otimistas demais.

Vamos ter mais problemas, também a curto prazo.

Pacote esquálido - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Ala política do governo, que privilegia eleições, prevaleceu sobre a econômica, que buscava sinalizar compromisso com sustentabilidade fiscal

Na queda de braço entre Fernando Haddad e Gleisi Hoffmann, deu Gleisi. A ala política do governo Lula (a que só pensa em eleição) prevaleceu sobre a econômica, e o pacote que deveria dar sustentabilidade ao arcabouço fiscal não apenas saiu esquálido como ainda teve de dividir o palco com uma proposta de reforma do Imposto de Renda, o que fez aumentar as desconfianças do mercado em relação à disposição do Planalto de ajustar as contas públicas.

O resultado prático é que o anúncio das medidas que deveriam tranquilizar os agentes econômicos produziu mais uma alta do dólar, que vai lenta e resolutamente alimentando a inflação.

Muita calma nesta hora da vida brasileira – Dora Kramer

Folha de S. Paulo

Ambientes radicalizados são terrenos férteis para a semeadura de soluções de ruptura da legalidade

Duas dúvidas rondam a cena política do Brasil: se Jair Bolsonaro (PL) vai ser preso é uma. A outra diz respeito à possibilidade de o país caminhar para um ambiente de concertação e civilidade na convivência político-institucional.

Guardadas as devidas proporções inerentes às duas conjunturas, algo parecido aconteceu no Brasil nos anos 1980, quando a pressão da sociedade dentro dos meios legais e a união das forças políticas em torno de um objetivo comum permitiram a transição da ditadura militar para o regime democrático.

Isso Tudo Que Aí Está – Ruy Castro

Folha de S. Paulo

É o nome verdadeiro do político sob os pseudônimos 'Jânio Quadros', 'Fernando Collor' e 'Bolsonaro'

Não é de hoje. Rara a eleição nos últimos 70 anos, no Brasil, em que o vencedor à Presidência não foi um candidato que, sob qualquer nome, interpreta uma figura chamada Isso Tudo Que Aí Está. O padrão é invariável. Isso Tudo Que Aí Está é um sujeito desconhecido, carismático, que surge de repente. Concorre por um partido nanico, mas este é acoplado por outro maior, notório perdedor, que não se envergonha de virar rabo de cometa. Não se sabe o que Isso Tudo Que Aí Está defende ou qual é sua plataforma. Só se sabe que ele é contra "isso tudo que aí está".