Folha de S. Paulo
Imagens isoladas não são capazes de evocar a
gravidade do ocorrido
Na próxima quarta, os ataques de
8 de janeiro completam dois anos. No entanto, ainda que a
invasão à praça dos Três Poderes tenha se tornado simbólica da tentativa de
golpe promovida por apoiadores do ex-presidente Jair
Bolsonaro, suas imagens isoladas não são capazes de evocar a
gravidade do ocorrido para parte expressiva da população.
Para muitos, as fotos e vídeos de milhares de pessoas comuns vestidas com as cores nacionais invadindo a praça dos Três Poderes e quebrando vidros de prédios indicam um ato de vandalismo reprovável, porém sem conexão com uma tentativa de golpe.
De acordo com uma pesquisa
realizada pelo Datafolha em março de 2024, ainda que 55% dos
brasileiros afirmassem que Bolsonaro tentou promover um golpe para se manter no
poder, 65% compreendiam o 8 de janeiro apenas como um ato de vandalismo. Mesmo
entre eleitores de Lula e petistas essa interpretação do 8 de janeiro como mero
vandalismo é majoritária.
No dia 27 de novembro de 2024, ecoando tal
compreensão, o jornalista Mario Sabino afirmou que a ligação do 8 de janeiro
com o plano golpista seria "inconvincente". Afinal, em meados de
dezembro, já teria ficado claro que, sem o apoio do Alto Comando das Forças
Armadas, caso o golpe não fosse efetuado em pouco tempo, as
manifestações a seu favor iriam perder força ou se radicalizar, fazendo com que
os militares de Operações Especiais, conhecidos como "kids pretos",
ligados aos altos escalões do governo Bolsonaro, perdessem seu controle.
De fato, a segunda opção, a radicalização, se
concretizou. Segundo Mario Sabino, "os kids pretos até tentaram
instrumentalizar as pessoas que acampavam na frente dos quartéis, mas não
tinham controle nenhum sobre elas". E conclui que "a invasão na praça
dos Três Poderes foi um movimento espontâneo de gente desapontada e com falta
de parafuso na cabeça, não uma ação coordenada pelos kids pretos".
No entanto, se de um lado realmente houve
gente desapontada atuando de forma autônoma, como afirma Sabino, de outro, está
comprovado o envolvimento coordenado de "kids pretos" nos atos. De
acordo com a relatora da CPMI do 8
janeiro, senadora Eliziane Gama (PSD-MA), os "kids
pretos" recrutaram pessoas comuns radicalizadas "ante o cenário de
uma ‘guerra irregular’ ou ‘movimento irregular’, e que serviram como indutores
de ações violentas com a finalidade de desestabilizar as instituições de Estado
e forçar uma intervenção militar".
Ou seja, mesmo após o fracasso em
convencer o Alto
Comando a aderir ao golpe, os golpistas continuaram a promover
várias tentativas de gerar caos no país com o objetivo de forçar uma
intervenção militar. Seja planejando o assassinato de autoridades ou com atos
terroristas ou fomento de insurgência popular.
Todas as tentativas de subversão golpista
foram planejadas e executadas total ou parcialmente por "kids pretos"
com conhecimento e apoio de membros do alto escalão do governo
Bolsonaro, inclusive do ex-presidente. O fato de nenhuma delas
ter prosperado não significa que não representaram um enorme risco para a
democracia brasileira.
Assim, é fundamental fornecer o contexto em
que o 8 de janeiro ocorreu, do contrário, sua memória irá permanecer sem o
impacto necessário.
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