segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

Precisamos estimular as conciliações de conflitos - Maria Tereza Aina Sadek

Folha de S. Paulo

É uma ênfase na convivência, na pacificação e na possibilidade de harmonia

Ouvimos com frequência sobre o excesso de ações judiciais tramitando no sistema judiciário brasileiro (segundo o Conselho Nacional de Justiça, eram 84 milhões em 2023), o que pode justificar em parte a também propalada morosidade nas soluções dos conflitos. Faz parte dessa realidade o fato de o Brasil ter a maior quantidade de advogados por habitante do mundo (1 para cada 253 pessoas).

Esses números superlativos não significam o atendimento ao que assegura a Constituição de 1988 quanto ao acesso de todos à Justiça (parágrafo 4º, art. 153: "a lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão de direito individual"). Sabe-se que um número restrito de litigantes concentra percentual expressivo dos casos em tramitação.

Mas há um ponto menos explorado nesse cenário complexo: o insuficiente estímulo à conciliação, que poderia não apenas reduzir a sobrecarga do Judiciário mas também atender melhor a população, a partir de soluções mais rápidas de litígios.

De fato, o Poder Judiciário não deve ter o monopólio na solução de conflitos, e nem tudo precisa ser resolvido por tribunais. Têm contribuído nessa direção, entre outros, a Lei de Ação Civil Pública (7.347/85), a Lei de Pequenas Causas (7.244/84), os Juizados Especiais (9.099/95) e as leis de mediação (lei 13.140/2015) e de arbitragem (lei 9.307/1996).

No entanto, é preciso avançar. Na questão da prioridade à via judicial em detrimento de soluções conciliatórias, é importante analisar o processo de formação dos operadores do direito (juízes, integrantes do Ministério Público, advogados públicos e privados).

Faculdades de direito, mesmo as mais modernas, tradicionalmente valorizam a "cultura da sentença", o procedimento contencioso para os conflitos de interesse. Trata-se de solução imperativa, defendida por advogados e proferida por um representante do Estado, em que prevalece um jogo de soma zero, a decisão do que é "certo" versus o que é "errado".

A estrutura curricular das faculdades de direito incentiva uma formação baseada em parâmetros adversariais, as decisões impositivas. Em resumo: o melhor advogado é o "pitbull".

Mudanças legislativas e regulações não têm tido os impactos pretendidos. Há portaria do MEC obrigando disciplinas de conciliação, e a Resolução 125 do CNJ de 2010 instituiu a Política Nacional de Tratamento Adequado dos Conflitos de Interesse. Mas tornou-se disciplina optativa, uma resposta "burocrática", não uma efetiva mudança de concepção.

Não há, assim, a ampla disseminação da "cultura da pacificação", a busca de meios adequados de solução de conflitos, em jogo de "ganha-ganha". Nessa visão, as partes poderiam ser sujeitos, interferindo ativamente para o consenso.

É uma ênfase na convivência, na pacificação, na possibilidade de harmonia.

*Cientista política, professora sênior da USP, dirigiu o Departamento de Pesquisas Judiciárias do CNJ na gestão da ministra Cármen Lúcia

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