quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

A comunicação enquanto política - Vera Magalhães

O Globo

Governo precisa é de uma mudança mais ampla, que aumente sua base social para além dos convertidos 

De que forma o anúncio da guinada de política de moderação de conteúdo feita por um gigante como a Meta e a troca da guarda no comando da comunicação do governo Lula se conectam neste tenso início de ano, e o que a prevalência desses assuntos demonstra?

A resposta parece ser que, de qualquer ângulo que se olhe, as mudanças vertiginosas na comunicação e seu impacto imediato na vida de pessoas, sociedades e países são a grande moeda política e econômica dos tempos que vivemos.

A mudança feita por Lula na Secom parece até pueril diante do potencial de estrago causado pela demonstração, a partir do anúncio feito por Mark Zuckerberg, de que agora vale tudo para que as chamadas big techs se alinhem ao Zeitgeist da volta de Donald Trump ao poder, apesar de tudo o que perpetrou em seu primeiro mandato e depois que foi derrotado.

Trocar Paulo Pimenta por Sidônio Palmeira, nesse contexto, se assemelha à tentativa desesperada de um técnico quando o time enfrenta uma equipe infinitamente mais preparada e vence por um placar dilatado.

A verdade é que há muito pouco que se possa fazer a partir do Palácio do Planalto para conter o que o novo titular da comunicação estatal definiu como “faroeste digital”. Portanto não é a troca de nomes que fará com que o governo deixe de perder a batalha da opinião pública, que decorre de muitos outros fatores além da difusão de fake news ou a suposta inoperância desse ou daquele.

Uma coisa é a necessidade óbvia de regulamentar a responsabilidade das gigantes de tecnologia pelos conteúdos de informação por elas veiculados. E cabe, sim, ao governo definir uma posição clara para que o debate não fique, de novo, a cargo apenas do Judiciário.

A defesa de que o que configura crime, manipulação política ou incitação ao ódio e à discriminação seria apenas exercício da liberdade de expressão seria ingênua, se não fosse cinismo deliberado na grande maioria dos casos.

Outra coisa, no entanto, é creditar os desacertos do governo à incompetência de fulano ou sicrano ou apenas à guerrilha digital que precisa ser contida pela lei e pela Justiça. O caso da “taxação do Pix” é emblemático: uma mentira dessa natureza só prospera e se difunde graças a uma série de incompetências de diferentes níveis do governo, da norma da Receita sem a devida explicação à divisão interna e eterna quanto à necessidade de conter gastos, e não apenas aumentar a arrecadação

Lula já foi aclamado aqui e alhures por ser um comunicador nato, mas o fato é que a mágica não se repetiu desde o primeiro dia de seu terceiro governo. Pelo contrário: muitas das enrascadas em que sua gestão se meteu e da impopularidade em igual medida à aprovação decorrem de suas próprias escolhas, da forma como fala de improviso e comete de gafes a erros crassos que elevam a cotação do dólar e do fato de que o grupo de pessoas que têm lastro para dizer a ele que está errando é cada vez mais restrito.

Com essa configuração, que transforma até atos talhados para melhorar a imagem do governo em pequenos desastres, como o relativo aos dois anos do 8 de Janeiro, nem a mudança na Secom nem a mais draconiana regulação das redes sociais sanarão o problema.

O que o governo precisa é de uma mudança mais ampla, que aumente sua base social para além dos convertidos de sempre e devolva ao presidente a aura de alguém capaz de promover justiça social ao mesmo tempo que preserva a austeridade fiscal — este sim o cerne da dificuldade que enfrenta hoje, que é uma crise de confiança grave e em grande medida enraizada.

Sem isso, nem sequer uma reforma ministerial ainda mais ampla nem a necessária contenção ao vale-tudo digital serão capazes de mudar a impressão de ineficiência, que prevalece a despeito dos bons indicadores sociais e macroeconômicos, outra discrepância que não se explica só por fracasso da coitadinha da Secom nem pela vilania de Zuckerbergs e Musks.


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