quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Sem novo ensino médio, avanço do Enem seguirá fraco

O Globo

Governadores devem acompanhar implementação das mudanças para que tenham chance maior de sucesso

É boa notícia o aumento de 3 pontos na média do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2024 em relação ao ano anterior. Melhor ainda é a constatação de que as notas em todas as áreas foram superiores às registradas em 2019, antes da pandemia do novo coronavírus. Outro ponto positivo foi o aumento no número de participantes. No ano passado, mais de 4,3 milhões se inscreveram para fazer o Enem, e a presença foi de 73,5%. Em 2023, foram 3,99 milhões de inscritos, com presença de 71,9%. “É ótimo que a nota do Enem tenha aumentado mesmo com a ampliação do número de estudantes”, diz a presidente executiva da ONG Todos Pela Educação, Priscila Cruz. “Muitos são jovens que não tinham no horizonte fazer o Enem ou entrar para uma universidade. Isso só reforça a importância do aumento da nota”.

Embora esses avanços mereçam ser celebrados, são tímidos, e ainda há pontos que demandam atenção. Na comparação com o ano anterior, houve recuos nas notas de matemática, ciências da natureza e ciências humanas. Evidentemente, podem ser oscilações pontuais, mas evidenciam a necessidade de o país acelerar o processo de melhoria da qualidade do ensino. Por isso é urgente a implementação do Novo Ensino Médio. É papel dos governos estaduais colocar a reforma em prática de forma bem estruturada e rápida. Por óbvio, não é possível fazer todas as mudanças de uma vez. O processo é gradual, mas deve obedecer a um cronograma e ser acompanhado de perto pelos governadores. Sem isso, as chances de sucesso são mínimas.

Sancionado em 2017, oito anos depois o Novo Ensino Médio ainda não é realidade em todo o país. No ano passado, depois de discussões intermináveis e sucessivas idas e vindas, o Congresso finalmente aprovou uma revisão da reforma que, em linhas gerais, é positiva.

Os principais objetivos foram mantidos: carga horária ampliada, coordenação maior entre o ensino regular e os cursos técnicos e currículo composto por formação básica (com disciplinas como português e matemática) e itinerários flexíveis (em que os estudantes escolhem disciplinas). No projeto aprovado no ano passado, deputados e senadores removeram obstáculos que estavam dificultando a implementação. Um dos principais era a diminuição da carga horária destinada à formação comum. Feitas as correções nos pontos em que houve consenso, os estados estão agora com todos os instrumentos normativos para colocar em prática o novo modelo.

Para conseguir diminuir o problema da evasão, as escolas precisam ser vistas pelos alunos como um trampolim social e conectadas com a realidade deles. Quanto ao aumento da carga horária, não há questionamento. Esse é o padrão nos países com as melhores experiências. Alunos com dificuldade de aprendizagem têm mais chance de obter mais atenção e ajuda.

O desafio de acelerar a melhoria do ensino é grande e envolve várias frentes. A valorização, o treinamento e o estímulo dos professores são pontos nevrálgicos. Nesse sentido, é positivo o programa do governo de incentivo aos docentes. Diante de tantos desafios, é comum haver quem defenda ser impossível promover uma transformação de vulto na educação brasileira. Isso é um equívoco. Em diferentes regiões do país, há boas experiências em andamento. Com o devido apoio, os estados retardatários precisam recuperar o tempo perdido quanto antes.

Pagamentos indevidos do BPC são estimados em R$ 14,5 bilhões

O Globo

Falta coragem ao governo e Congresso para encarar os problemas do benefício. Isso só agrava a situação

Integrantes do governo começaram o ano falando sobre a necessidade de adoção de novas medidas fiscais. Fariam bem se voltassem a examinar o Benefício de Prestação Continuada (BPC), um salário mínimo pago a idosos e deficientes de baixa renda, mesmo que não tenham contribuído para a Previdência. O programa perdeu o foco e hoje também atende a um público que não se enquadra no perfil pensado inicialmente. Devido a uma visão populista compartilhada pelo governo, Congresso e Judiciário — que costuma conceder o benefício a quem bate às suas portas — , a conta não para de subir.

Pelos cálculos do ex-presidente do INSS Leonardo Rolim, o Tesouro gasta por ano R$ 14,5 bilhões com pagamentos indevidos de BPC, o que representará 12% do que deverá ser destinado ao benefício neste ano. Nas suas estimativas, Rolim se baseia no histórico de concessões verificado entre 2011 e 2024, que mostra um forte aumento no número de beneficiários, numa elevação fora dos padrões demográficos de envelhecimento e pessoas deficientes de baixa renda.

Apenas entre junho de 2021 e outubro de 2024, o total de benefícios pagos passou de 4,71 milhões para 6,3 milhões, um aumento de 33%. Os números chamaram a atenção da equipe econômica, e mudanças na gestão do BPC foram incluídas no pacote fiscal do ano passado. Houve, então, resistências no Congresso e do presidente Lula. No final, a estimativa de uma economia de R$ 2 bilhões caiu pela metade.

Da proposta original do Ministério da Fazenda constava a inclusão na legislação da distinção clara entre deficiência “moderada” e “grave” para efeito da concessão do benefício. No entender de Rolim, isso poderia reduzir a concessão do BPC pela Justiça, responsável por um terço do total de benefícios. Quanto mais clara e objetiva a legislação, menor o espaço para disputas judiciais. Também daria base jurídica ao Ministério do Desenvolvimento Social para negar o BPC a portadores de deficiências “leves”, uma das principais causas do aumento no número de benefícios nos últimos anos. Este ponto contou com apoio na Câmara dos Deputados, mas foi vetado por Lula, supostamente para facilitar a aprovação do pacote pelo Senado.

Os juízes continuarão tendo grande influência na gestão do BPC. Paulo Tafner, economista especializado em Previdência, considera que o veto de Lula “foi um ato de irresponsabilidade”. Na prática, demonstrou que não está preocupado com o equilíbrio das contas públicas. Já ao Congresso deve ser creditada a retirada do projeto original da obrigatoriedade, na análise do pedido do benefício, da inclusão da renda de cônjuge ou companheiro que não reside no mesmo imóvel.

Perdeu-se no ano passado uma oportunidade de reformar um programa social importante para deficientes e idosos de baixa renda. O crescimento contínuo dos gastos com o BPC prejudica quem mais necessita do benefício. Cedo ou tarde, por causa desses desvios, o programa poderá ficar insustentável. Pela importância, o assunto deveria voltar à pauta neste ano.

Déficit fiscal recorde é risco para Trump em novo mandato

Valor Econômico

Estimativas sugerem que propostas de cortes de gastos de Trump podem custar até US$ 7,5 trilhões nas próximas décadas

Em pouco menos de uma semana, Donald Trump assumirá a presidência num momento em que os Estados Unidos registram um déficit fiscal recorde para tempos normais. Essa situação das contas públicas americanas em si já é preocupante, só que as promessas de cortes de impostos feitas pelo presidente eleito durante a campanha ameaçam piorar ainda mais o quadro. Em breve, o novo governo e o Congresso americano, controlado pelos republicanos, terão de decidir que nível de déficit consideram adequado, algo que terá impacto em toda a economia mundial. E já há alguma tensão nos mercados por conta do risco de um período prolongado de descontrole fiscal na maior economia do mundo.

O governo federal dos EUA gastou US$ 1,8 trilhão a mais do que arrecadou no ano fiscal de 2024 (encerrado em 30 de setembro), segundo dados do Escritório de Orçamento do Congresso. Esse déficit equivale a cerca de 6,4% do PIB americano, um nível sem precedentes na história do país em tempos de paz e sem emergências (como uma recessão ou uma pandemia). Para cobrir esse rombo, os EUA precisam se endividar. A dívida pública saltou de US$ 26,7 trilhões em novembro de 2023 para US$ 28,8 trilhões em novembro passado. E deve superar US$ 30 trilhões neste ano.

Democratas e republicanos colaboraram para levar o déficit a esse patamar elevadíssimo. No primeiro governo Trump, foram aprovados cortes de impostos sem cortes equivalentes no gasto público. A pandemia de covid-19 gerou um forte e repentino aumento em despesas extraordinárias, que ainda não foi totalmente revisto. Por fim, o governo Joe Biden aprovou pacotes de estímulo à economia e de subsídios a setores estratégicos que catapultaram o déficit ao histórico patamar atual. A isso se acrescenta a pressão demográfica do envelhecimento da população e da aposentadoria da geração “baby boom”.

Agora há a expectativa de uma nova rodada de renúncia fiscal. O presidente eleito prometeu reduzir impostos para as empresas, além de acabar com a taxação sobre gorjetas, horas extras trabalhadas e benefícios da Seguridade Social. Estimativas sugerem que essas propostas podem custar até US$ 7,5 trilhões nas próximas décadas, em relação ao cenário fiscal atual.

Trump não se comprometeu a equilibrar esses cortes com menos gasto público e foi vago em apontar como pretende reduzir as despesas. Sua principal medida foi indicar os empresários Elon Musk e Vivek Ramaswamy para dirigir o novo Departamento de Eficiência Governamental, cuja missão será justamente esta. O objetivo, segundo Musk, é cortar US$ 2 trilhões em despesas, mas não há detalhes de como eles pretendem fazer isso.

A situação fiscal neste ano tende ser um pouco mais confortável que em 2024, devido principalmente ao corte da taxa de juros pelo Federal Reserve, o que vai diminuir as despesas com juros da dívida pública. Por outro lado, o cenário de longo prazo dos EUA é hoje muito pior do que o encontrado por Trump oito anos atrás.

Segundo a mídia americana, os congressistas republicanos ainda não chegaram nem perto de um consenso sobre o quanto vão tolerar de déficit. Uma parte do partido apoia a política de Trump de cortar impostos primeiro e tentar conter gastos mais tarde, o que teria um impacto fiscal importante no curto prazo. Mas há também uma ala fiscalista, que dificilmente aceitará passar um cheque em branco. Isso ficou evidente na polêmica relativa ao financiamento do governo, em dezembro. Apesar dos pedidos de Trump de que o partido só apoiasse um projeto que eliminasse o teto de endividamento do governo, 38 deputados republicanos votaram contra. Eliminar o teto implicaria que Trump poderia propor um nível de déficit mais agressivo. Como os republicanos têm uma maioria de apenas dois deputados na Câmara, a Casa Branca dependerá dessa ala fiscalista para passar qualquer projeto que afete o orçamento público.

Mas cortar gastos é um tema altamente inflamável nos EUA. É quase impossível fazer cortes significativos sem mexer em despesas com saúde e previdência social, o que seria impopular, politicamente difícil e teria oposição barulhenta da minoria democrata no Congresso. Já os republicanos devem se opor a cortes nos benefícios para veteranos de guerra e nos gastos militares. O próprio Trump já sugeriu que o gasto militar deve subir. Assim, sobra pouco onde cortar.

Trump deixou claro que sua prioridade será cortar impostos, e não equilibrar o orçamento, e questões polêmicas costumam avançar no primeiro ano de governo. Deputados ligados ao presidente eleito admitem que o pacote não será equilibrado e que certamente haverá efeito fiscal negativo. A questão é justamente quanto de déficit os republicanos vão tolerar. Nos últimos meses, os mercados vêm dando sinais de preocupação de uma ulterior deterioração fiscal nos EUA. Desde meados de setembro, o prêmio (yield) dos principais títulos da dívida americana está subindo, o que significa uma percepção de aumento no risco do endividamento americano.

No final de 2022, um plano fiscal considerado irresponsável gerou uma forte reação dos mercados e levou à renúncia da então primeira-ministra do Reino Unido, Liz Truss. O plano previa justamente um corte de impostos não compensado por cortes de gastos, o que levaria a uma ampliação do déficit e da dívida pública britânicos. Os EUA não são o Reino Unido e é improvável que ocorra uma aposta contra a política fiscal de Trump. Mas o recado está sendo dado pelos mercados.

Disputas judiciais de R$ 1 tri refletem caos tributário

Folha de S. Paulo

Ações que ameaçam a arrecadação federal advêm, principalmente, do sistema kafkiano de taxação nos três níveis de governo

Todos os anos o governo federal precisa se defender nas cortes superiores de ações que podem resultar em perdas na casa das centenas de bilhões em arrecadação. Não é diferente neste 2025, em que casos de natureza tributária em análise no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça somam até R$ 1 trilhão, conforme noticiou a Folha.

Autoridades do Executivo cumprem seu papel ao proteger o erário, mas é claro que o setor público nem sempre é inocente nas disputas. O fato é que o sistema brasileiro de impostos é de tal modo caótico, com regras variando entre o intrincado e o absurdo, que estimula interpretações oportunistas de lado a lado, tornando os litígios intermináveis.

A maior fonte de discórdia —e riscos para as finanças públicas e privadas— é, de longe, a tributação do consumo de bens e serviços, que, além de excessiva, está distribuída entre cinco impostos e contribuições sociais nos três níveis de governo. Há PIS, Cofins e IPI, federais; o ICMS, estadual, e o ISS, municipal, com regras variando conforme o local.

Os tipos de questionamento que esse arranjo kafkiano pode suscitar beiram o incompreensível. Está na pauta do Supremo, por exemplo, se o ISS embutido nos preços de produtos integra a base de cálculo do PIS e da Cofins. Trata-se de um desdobramento de uma decisão de quase oito anos atrás, quando o ICMS foi excluído do cálculo das duas contribuições federais.

Embora o entendimento tenha sido firmado há tanto tempo e baseado em lógica que soa elementar, sua aplicação e suas consequências continuam em discussão nos tribunais. No caso do ISS, espera-se vitória dos contribuintes, com impacto de até R$ 35,4 bilhões para o Tesouro —o valor dependerá da extensão e da retroatividade da medida.

Dada a situação ruinosa das contas federais, porém, nem mesmo se pode comemorar um alívio tributário como esse. As receitas do governo, afinal, hoje são insuficientes para bancar os gastos com pessoal, custeio administrativo, programas sociais e investimentos. Qualquer perda impacta as políticas públicas.

Essa insegurança jurídica, de fato, é desastrosa para Estado, empresas, consumidores —toda a sociedade. Dada a magnitude dos valores envolvidos, tribunais tendem a levar em contra outros aspectos, além do jurídico, em suas deliberações.

A esperança de encerrar ou ao menos reduzir esse contencioso funesto reside na reforma tributária, que teve boa parte de sua regulamentação aprovada pelo Congresso no ano passado. No novo sistema, haverá apenas dois tributos principais e similares sobre o consumo, a CBS federal e o IBS regional, mais um imposto seletivo sobre produtos nocivos.

Convém, todavia, não subestimar a propensão de governantes, legisladores e magistrados a criar normas obscuras e interpretações heterodoxas que complicam a vida dos contribuintes.

Violência no país mais pobre a falar o português

Folha de S. Paulo

Com indícios de fraudes nas eleições, Chapo assumirá Moçambique pressionado por protestos; miséria deteriora democracia

A crise política em Moçambique é mais um caso que evidencia a importância do desenvolvimento econômico para a proteção da democracia.

A nação africana, uma das dez mais pobres do mundo, corre risco de rumar à guerra civil devido a indícios de irregularidades nas eleições realizadas em outubro.

Segundo o resultado oficial, Daniel Chapo, candidato governista do partido de esquerda Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), venceu com 65% dos votos; já Venâncio Mondlane, da sigla de centro Partido Otimista pelo Desenvolvimento de Moçambique (Podemos), obteve 24%.

Chapo tomará posse nesta quinta-feira (15), mas contestações sobre sua vitória indicam um futuro incerto e violento.

Em relatório de 15 de novembro, a Missão de Observação Eleitoral da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa afirma que testemunhou contagem errada de votos e indícios de eleitores que votaram várias vezes.

O Centro para a Democracia e Direitos Humanos, ONG apartidária moçambicana, verificou "eleitores fantasmas" —quando há mais eleitores registrados do que adultos aptos a votar.

Houve divergências até mesmo na Comissão Nacional de Eleições, que supervisiona o processo eleitoral no país. Dos 13 comissários, 6 contestaram a deliberação do órgão que sancionou a vitória da Chapo.

As suspeitas de fraude desencadearam uma onda de protestos que vem sendo duramente reprimida pelas forças de segurança. Desde outubro, de acordo com a Plataforma Decide, ONG de Moçambique, foram computados 294 mortos, 604 feridos, 4.218 detidos e 22 desaparecidos.

O Frelimo está no poder há 50 anos, desde a independência ante Portugal em 1975. De 1977 a 1992, fez parte da guerra civil contra o partido Renamo, mais um dos conflitos regionais no contexto da Guerra Fria.

Após a primeira eleição multipartidária, em 1994, ensaiou-se uma política econômica de mercado, mas que logo se viu capturada por orientações estatistas e deteriorada pela corrupção endêmica no país.

Moçambique está na 183ª posição no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) composto por 193 países; 75% da população vive com menos de US$ 2,15 (R$ 13,11) ao dia, nível considerado de pobreza extrema.

Tal carência material extrema desestabiliza instituições democráticas, criando um círculo vicioso que mantém o sofrimento dos moçambicanos há décadas. Para quebrá-lo, há que aliar racionalidade econômica com respeito à liberdade política.

‘Se non è vero, è ben trovato’

O Estado de S. Paulo

É falsa a informação de que Haddad pretende taxar o Pix, mas o boato só prosperou porque faz sentido, diante da sanha arrecadatória de um governo que não quer cortar gastos

Fez bem o governo em se empenhar para desmentir a falsa notícia, que tomou as redes sociais nos últimos dias, segundo a qual as transações feitas pelo Pix seriam taxadas. Ainda que a coisa em si não tenha muita importância de fato – afinal, os cidadãos são livres para escolher qual meio de pagamento querem usar –, é sempre bom combater boatos e desinformação quando afetam serviços públicos. Dito isso, é preciso notar que um boato só prospera quando tem um fundo de verdade.

No caso da “taxação do Pix”, o fundo de verdade é a ânsia do governo de aumentar a receita para fazer frente aos gastos públicos, que não param de subir. É como diz aquele célebre dito italiano atribuído a Giordano Bruno: Se non è vero, è molto ben trovato. Ou seja, pode até não ser verdade (e não é), mas faz todo o sentido, diante de um governo que não se esforça em cortar as despesas de um Estado balofo que não devolve em serviços básicos o que os muitos impostos financiam.

O governo, claro, exasperou-se, não tanto pelos efeitos da desinformação em si, mas porque a boataria ajuda a consolidar a imagem de que é um insaciável arrecadador. Por isso, a reação foi muito além do desmentido: como de hábito, os petistas trataram de qualificar como crime de lesa-democracia tudo o que expõe a verdadeira natureza do governo Lula. Mesmo uma evidente piada como o agora célebre vídeo, produzido por inteligência artificial, em que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, aparece dizendo que vai cobrar impostos sobre “tudo” – Pix, animais de estimação e fetos – foi tratada pelo governo como ameaça às instituições democráticas.

Esse boato sobre a “taxação do Pix” vem e volta desde a campanha eleitoral de 2022. Na época, o então presidente Jair Bolsonaro acusou o petista de pretender acabar com o meio de pagamento. Agora, também com a ajuda da família Bolsonaro, a lenda foi atualizada com a taxação do Pix.

A matéria-prima do atual boato foi uma instrução normativa da Receita Federal que ampliou a fiscalização sobre os pagamentos instantâneos. A regra obriga operadoras de cartão de crédito e instituições de pagamento a notificar o Fisco quando houver movimentação mensal, via Pix, superior a R$ 5 mil por pessoas físicas e a R$ 15 mil por pessoas jurídicas, inclusive entre contas do mesmo titular.

Embora tenha causado certo barulho e revolta nas redes sociais, não há nada de errado ou mesmo de novo na norma. Em primeiro lugar, bancos tradicionais públicos e privados e cooperativas de crédito já são obrigados a fornecer essas informações à Receita. A partir de agora, maquininhas e fintechs terão de fazer o mesmo. Tampouco se trata de quebra de sigilo bancário ou fiscal, uma vez que apenas dados como nome, endereço, CPF ou CNPJ e o número das contas bancárias serão informados ao Fisco.

Não se trata de tributação, mas de mais uma regra que visa a ampliar a base de dados da Receita e a impedir a sonegação de impostos. Se, com base nesses dados, o órgão identificar movimentação financeira incompatível com a renda informada pelo contribuinte, é bem provável que ele cairá na malha fina e terá de pagar o que deixou de recolher.

O governo deveria ter explicado os efeitos da instrução normativa ainda em setembro, quando foi publicada, ou no início deste ano, quando entrou em vigor. Ao não fazer sua parte, criou condições para que o assunto ganhasse força nas redes sociais.

Foi só então que o governo decidiu agir. E, em vez de simplesmente esclarecer o assunto, a Secretaria de Comunicação Social, já sob a direção do marqueteiro Sidônio Palmeira, decidiu fazer disso uma nova disputa na arena política. Até Lula da Silva foi mobilizado: gravou um vídeo fazendo uma doação, via Pix, para o Corinthians, a título de contribuir com o pagamento da dívida do clube pela construção de seu estádio e provar que a transação não seria taxada.

A instrução normativa, afinal, é apenas mais uma regra que busca fazer com que contribuintes paguem impostos devidos, o que condiz com a política defendida por Haddad na área tributária. Não há nada de errado nisso, como também não há nada de errado com as piadas que caracterizam Haddad como implacável exator. Ele pode não achar graça, mas agora é tarde.

A sirene do aquecimento global

O Estado de S. Paulo

A Terra registra em 2024 seu ano mais quente, e a temperatura supera o limite estipulado pelo Acordo de Paris para este século; sem alarmismo, ainda é possível conter a fúria da natureza

Já era esperado, e agora se confirmou. A Terra registrou em 2024 o seu ano mais quente, e a temperatura média global ultrapassou pela primeira vez o limite para o aquecimento global neste século em relação aos níveis pré-industriais. O planeta esquentou 1,6°C, acima do 1,5°C estabelecido pelo Acordo de Paris. Segundo o Observatório Copernicus, da Comissão Europeia, a temperatura média chegou a 15,1°C e superou em 0,12°C o até então recorde de 2023.

Preocupa a rapidez dessa escalada da temperatura. A explicação para essa alta, porém, é simples, de acordo com os cientistas: são os chamados gases de efeito estufa acumulados na atmosfera que empurram os marcadores dos termômetros para cima. É a queima de carvão, petróleo e gás, os combustíveis fósseis, que impacta o mundo.

E o que está ruim pode piorar. A última década representou os dez anos mais quentes já registrados pelo Copernicus, segundo Samantha Burgess, uma das dirigentes do observatório, em comunicado, e provavelmente foi o período mais quente em 125 mil anos. Há praticamente consenso na comunidade científica de que a Terra continuará a ferver. Mas, diante de dados negativos, por vezes anunciados em tom catastrofista, recomenda-se cautela. Como bem disse à Associated Press a cientista americana Jennifer Francis, “as sirenes de alarme relacionadas às mudanças climáticas têm tocado quase constantemente”, e isso pode fazer com que “o público se torne insensível à urgência, como (é insensível) às sirenes da polícia na cidade de Nova York”.

O problema é que não se pode banalizar um fenômeno de tamanha gravidade e consequências tão extremas. Segundo relatório da empresa de seguros Munich Re, as perdas causadas por desastres relacionados ao clima chegaram a US$ 140 bilhões em 2024. E não só cifras deveriam preocupar, mas principalmente as vidas que se perderam e as que se perderão em razão da fúria da natureza.

O momento é delicado. Ainda assim, mesmo com as temperaturas acima do limite do Acordo de Paris, restam até 20 anos, de acordo com especialistas, para que se chegue a um ponto de não retorno. Logo, há tempo para tomar providências – e em alguma medida elas estão sendo tomadas, ainda que não na dimensão requerida.

Como afirmou Carlo Buontempo, diretor do Copernicus, em entrevista coletiva, “estamos enfrentando um clima muito novo e desafios climáticos para os quais nossa sociedade não está preparada”. Já passou da hora de preparar a sociedade para enfrentar esse novo mundo e esses desafios climáticos, a começar por ações efetivas de comunicação sobre a gravidade do aquecimento global, de modo a não banalizar seus riscos.

São necessários, portanto, planos e medidas efetivas. Nesse sentido, o Brasil, que em 2024 registrou calor recorde, com temperatura média de 25,02°C, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), poderia liderar esse esforço, mas o que se vê, infelizmente, é um governo perdido entre a demagogia do presidente Lula da Silva e a inação de sua ministra do Meio Ambiente, Marina Silva.

Em 2024, as queimadas no Pantanal, no Cerrado e na Amazônia assustaram o Brasil, e o governo, letárgico em combater as chamas, jogou a culpa na mudança climática, como se não fosse justamente a mudança do clima um fenômeno a exigir planejamento para mitigar seus efeitos. Além disso, a tal “Autoridade Climática” – que ninguém sabe para que servirá – segue uma promessa de campanha, se é que um dia existirá.

Até agora o mundo não conhece o presidente da Conferência do Clima (COP-30), a ser realizada em novembro em Belém, que, segundo Lula, com sua típica política ambiental de gogó, será a “última chance de evitar uma ruptura irreversível no sistema climático”. Trata-se de um evidente exagero retórico, típico de Lula, mas, se fosse mesmo como o presidente diz, então o Brasil já teria que ter quase tudo pronto para a COP, o que está muito longe de ser o caso.

Faltam ações, sobra palavrório. E as palavras de Lula soam como as sirenes de Nova York.

Um presente para Estados endividados

O Estado de S. Paulo

Governo Lula mantém essência perdulária do projeto que prevê a renegociação da dívida dos Estados

Elaborado pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e defendido pelos Estados mais encalacrados do País, o projeto de lei que cria novas regras para a renegociação das dívidas estaduais foi sancionado pelo presidente Lula da Silva. Em outros tempos, o vergonhoso socorro mereceria a rejeição integral da Presidência da República, mas o governo bem sabe que não detém maioria no Congresso para fazer esse enfrentamento. Assim, limitou-se a fazer nove vetos que mantiveram a essência perdulária do projeto.

A proposta, no limite, permitirá que os Estados zerem o indexador que corrige suas dívidas sem sequer terem de cortar despesas. Bastará que gastem em áreas consideradas prioritárias pelo Executivo, como o Ensino Médio Técnico. A depender da adesão, a União deixará de receber R$ 48 bilhões anuais, segundo cálculo do economista Manoel Pires, coordenador do Centro de Política Fiscal e Orçamento Público do FGV Ibre.

Para piorar, o trecho do projeto com o maior potencial de gerar danos à União foi preservado: a possibilidade de abatimento das dívidas por meio da federalização de empresas estatais estaduais. Só quem ignora a história recente pode achar que se trata de um bom negócio.

Basta lembrar o rombo que as antigas distribuidoras estaduais de energia geraram para a Eletrobras quando foram federalizadas, durante um processo de renegociação de dívidas estaduais realizado no governo Fernando Henrique Cardoso. À época, a federalização dessas empresas seria algo temporário, até que houvesse condições de oferecê-las à iniciativa privada. Tudo mudou com a vitória de Lula da Silva na eleição de 2002. Passaram-se 20 anos até que as concessionárias fossem privatizadas, período ao longo do qual elas consumiram R$ 25 bilhões.

Tentando justificar o injustificável – e a incessante repetição de erros do passado –, o governo se fiou em um detalhe e destacou que a troca de dívidas por estatais não poderá ocorrer sem o aval da União. Não explicou, no entanto, quem fará a precificação das empresas e sob quais critérios. Uma coisa já se pode afirmar: independentemente da avaliação, os Estados certamente dirão que elas valem mais do que valem.

O governo federal também ignorou um alerta da área técnica de que a incorporação dessas ações vai aumentar o endividamento líquido e afetar o resultado primário, uma vez que a dívida a receber dos Estados é um ativo financeiro, diferentemente das ações das estatais. E tudo isso em um momento no qual o governo tenta desesperadamente recuperar a confiança dos investidores, perdida desde o esvaziado pacote de corte de gastos aprovado no fim do ano passado.

Nesse sentido, tem razão o ministro Fernando Haddad quando disse que os governadores “nem sonhavam” que isso fosse possível e deveriam agradecer ao governo pela sanção da proposta, que foi “muito além” do que eles haviam pedido. De fato, a proposta é um presente para os Estados mais endividados e mais ricos do País, todos governados pela oposição – Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e São Paulo.

Enem e celulares: motivos para reflexões

Correio Braziliense

O país tem a chance de dar continuidade ao ano de 2025 buscando ferramentas e metas educacionais a partir do panorama do Enem e do novo cotidiano nas escolas

Nesta segunda-feira, o Brasil acompanhou a divulgação de dois fatos relevantes ligados à educação. Um deles diz respeito ao resultado do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2024. O outro foi a sanção, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, da lei que proíbe o uso de celulares nas escolas públicas e privadas do país — do infantil ao nível médio. As notas que garantem vaga em universidades e a mudança no dia a dia das instituições devem ser motivo de reflexão e de inspiração para avanços.

A pontuação no Enem é importante para avaliar a qualidade do que vem sendo trabalhado nas salas de aula. Pode, ainda, ser utilizada na implementação de novas políticas educacionais e de incentivos. O resultado médio foi de 546 pontos, três a mais do que em 2023 — aumento comemorado pelo Ministério da Educação (MEC). O crescimento da adesão também mereceu destaque da pasta: o número de inscritos foi de 4,32 milhões, com elevação de 1,6% em relação ao ano anterior, quando houve 3,93 milhões de inscrições, e um acréscimo expressivo na comparação com 2022, que teve 3,47 milhões de registros.

Mas é necessário fazer mais. Como porta de entrada para o ensino superior, a participação no teste precisa ser cada vez maior. Simplesmente retomar o patamar pré-pandemia de covid-19 já tem se configurado como um grande desafio. Em 2019, a quantidade de inscritos confirmados no exame chegou a quase 5,1 milhões. A queda registrada é prejudicial ao país e contribui para as desigualdades sociais, já que a presença dos estudantes carentes cai proporcionalmente. Diante desse cenário, ações que promovam o acesso dos alunos de instituições públicas devem ser executadas, assim como o investimento no ensino gratuito precisa estar sempre na pauta dos governos das três esferas.

Respostas estratégicas são fundamentais. Da mesma forma, as decisões que deem as respostas necessárias para as questões atuais não podem ser adiadas. Nesse contexto, a discussão sobre a aplicação da tecnologia na educação é prioridade. A mais recente mudança veio com a Lei 15.100/2025, que veda o uso de celulares durante as aulas, os recreios e os intervalos em todas as etapas da educação básica — a proibição não se coloca para a utilização pedagógica desses dispositivos. 

Defendida pelo MEC e aprovada por grande parte dos educadores, a medida pretende tirar o foco dos estudantes das telas, recolocando-o nos conteúdos apresentados pelo professor. Não se trata de negar as possibilidades de ampliação de conhecimento que a era digital proporciona, mas apenas saber empregar da forma ideal para o pleno desenvolvimento individual dos alunos. Recuperar a interação entre as crianças, os adolescentes e os jovens é outro argumento válido e importante para a restrição.

Com grandes desafios sociais e muito trabalho a ser feito, o país tem a chance de dar continuidade ao ano de 2025 buscando ferramentas e metas educacionais a partir do panorama do Enem e do novo cotidiano nas escolas. Um melhor nível de ensino gera progressos no mercado. Além disso, é impossível competir em um mundo sempre em aceleração sem mão de obra qualificada. Muitas lições foram mostradas no decorrer da história, e o Brasil de hoje já sabe que precisa investir e acompanhar as demandas que a digitalização apresenta para fazer, definitivamente, da educação a base do seu desenvolvimento. 

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