Sem novo ensino médio, avanço do Enem seguirá fraco
O Globo
Governadores devem acompanhar implementação
das mudanças para que tenham chance maior de sucesso
É boa notícia o aumento de 3 pontos na média do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2024 em relação ao ano anterior. Melhor ainda é a constatação de que as notas em todas as áreas foram superiores às registradas em 2019, antes da pandemia do novo coronavírus. Outro ponto positivo foi o aumento no número de participantes. No ano passado, mais de 4,3 milhões se inscreveram para fazer o Enem, e a presença foi de 73,5%. Em 2023, foram 3,99 milhões de inscritos, com presença de 71,9%. “É ótimo que a nota do Enem tenha aumentado mesmo com a ampliação do número de estudantes”, diz a presidente executiva da ONG Todos Pela Educação, Priscila Cruz. “Muitos são jovens que não tinham no horizonte fazer o Enem ou entrar para uma universidade. Isso só reforça a importância do aumento da nota”.
Embora esses avanços mereçam ser celebrados,
são tímidos, e ainda há pontos que demandam atenção. Na comparação com o ano
anterior, houve recuos nas notas de matemática, ciências da natureza e ciências
humanas. Evidentemente, podem ser oscilações pontuais, mas evidenciam a
necessidade de o país acelerar o processo de melhoria da qualidade do ensino.
Por isso é urgente a implementação do Novo Ensino Médio. É papel dos governos
estaduais colocar a reforma em prática de forma bem estruturada e rápida. Por óbvio,
não é possível fazer todas as mudanças de uma vez. O processo é gradual, mas
deve obedecer a um cronograma e ser acompanhado de perto pelos governadores.
Sem isso, as chances de sucesso são mínimas.
Sancionado em 2017, oito anos depois o Novo
Ensino Médio ainda não é realidade em todo o país. No ano passado, depois de
discussões intermináveis e sucessivas idas e vindas, o Congresso finalmente
aprovou uma revisão da reforma que, em linhas gerais, é positiva.
Os principais objetivos foram mantidos: carga
horária ampliada, coordenação maior entre o ensino regular e os cursos técnicos
e currículo composto por formação básica (com disciplinas como português e
matemática) e itinerários flexíveis (em que os estudantes escolhem
disciplinas). No projeto aprovado no ano passado, deputados e senadores
removeram obstáculos que estavam dificultando a implementação. Um dos
principais era a diminuição da carga horária destinada à formação comum. Feitas
as correções nos pontos em que houve consenso, os estados estão agora com todos
os instrumentos normativos para colocar em prática o novo modelo.
Para conseguir diminuir o problema da evasão,
as escolas precisam ser vistas pelos alunos como um trampolim social e
conectadas com a realidade deles. Quanto ao aumento da carga horária, não há
questionamento. Esse é o padrão nos países com as melhores experiências. Alunos
com dificuldade de aprendizagem têm mais chance de obter mais atenção e ajuda.
O desafio de acelerar a melhoria do ensino é
grande e envolve várias frentes. A valorização, o treinamento e o estímulo dos
professores são pontos nevrálgicos. Nesse sentido, é positivo o programa do
governo de incentivo aos docentes. Diante de tantos desafios, é comum haver
quem defenda ser impossível promover uma transformação de vulto na educação
brasileira. Isso é um equívoco. Em diferentes regiões do país, há boas
experiências em andamento. Com o devido apoio, os estados retardatários
precisam recuperar o tempo perdido quanto antes.
Pagamentos indevidos do BPC são estimados em
R$ 14,5 bilhões
O Globo
Falta coragem ao governo e Congresso para
encarar os problemas do benefício. Isso só agrava a situação
Integrantes do governo começaram o ano
falando sobre a necessidade de adoção de novas medidas fiscais. Fariam bem se
voltassem a examinar o Benefício de Prestação Continuada (BPC), um salário
mínimo pago a idosos e deficientes de baixa renda, mesmo que não tenham
contribuído para a Previdência. O programa perdeu o foco e hoje também atende a
um público que não se enquadra no perfil pensado inicialmente. Devido a uma
visão populista compartilhada pelo governo, Congresso e Judiciário — que
costuma conceder o benefício a quem bate às suas portas — , a conta não para de
subir.
Pelos cálculos do ex-presidente do INSS Leonardo
Rolim, o Tesouro gasta por ano R$ 14,5 bilhões com pagamentos indevidos de BPC,
o que representará 12% do que deverá ser destinado ao benefício neste ano. Nas
suas estimativas, Rolim se baseia no histórico de concessões verificado entre
2011 e 2024, que mostra um forte aumento no número de beneficiários, numa
elevação fora dos padrões demográficos de envelhecimento e pessoas deficientes
de baixa renda.
Apenas entre junho de 2021 e outubro de 2024,
o total de benefícios pagos passou de 4,71 milhões para 6,3 milhões, um aumento
de 33%. Os números chamaram a atenção da equipe econômica, e mudanças na gestão
do BPC foram incluídas no pacote fiscal do ano passado. Houve, então,
resistências no Congresso e do presidente Lula. No final, a estimativa de uma
economia de R$ 2 bilhões caiu pela metade.
Da proposta original do Ministério da Fazenda
constava a inclusão na legislação da distinção clara entre deficiência
“moderada” e “grave” para efeito da concessão do benefício. No entender de
Rolim, isso poderia reduzir a concessão do BPC pela Justiça, responsável por um
terço do total de benefícios. Quanto mais clara e objetiva a legislação, menor
o espaço para disputas judiciais. Também daria base jurídica ao Ministério do
Desenvolvimento Social para negar o BPC a portadores de deficiências “leves”, uma
das principais causas do aumento no número de benefícios nos últimos anos. Este
ponto contou com apoio na Câmara dos Deputados, mas foi vetado por Lula,
supostamente para facilitar a aprovação do pacote pelo Senado.
Os juízes continuarão tendo grande influência
na gestão do BPC. Paulo Tafner, economista especializado em Previdência,
considera que o veto de Lula “foi um ato de irresponsabilidade”. Na prática,
demonstrou que não está preocupado com o equilíbrio das contas públicas. Já ao
Congresso deve ser creditada a retirada do projeto original da obrigatoriedade,
na análise do pedido do benefício, da inclusão da renda de cônjuge ou
companheiro que não reside no mesmo imóvel.
Perdeu-se no ano passado uma oportunidade de
reformar um programa social importante para deficientes e idosos de baixa
renda. O crescimento contínuo dos gastos com o BPC prejudica quem mais
necessita do benefício. Cedo ou tarde, por causa desses desvios, o programa
poderá ficar insustentável. Pela importância, o assunto deveria voltar à pauta
neste ano.
Déficit fiscal recorde é risco para Trump em
novo mandato
Valor Econômico
Estimativas sugerem que propostas de cortes de gastos de Trump podem custar até US$ 7,5 trilhões nas próximas décadas
Em pouco menos de uma semana, Donald Trump
assumirá a presidência num momento em que os Estados Unidos registram um
déficit fiscal recorde para tempos normais. Essa situação das contas públicas
americanas em si já é preocupante, só que as promessas de cortes de impostos
feitas pelo presidente eleito durante a campanha ameaçam piorar ainda mais o
quadro. Em breve, o novo governo e o Congresso americano, controlado pelos
republicanos, terão de decidir que nível de déficit consideram adequado, algo
que terá impacto em toda a economia mundial. E já há alguma tensão nos mercados
por conta do risco de um período prolongado de descontrole fiscal na maior
economia do mundo.
O governo federal dos EUA gastou US$ 1,8
trilhão a mais do que arrecadou no ano fiscal de 2024 (encerrado em 30 de
setembro), segundo dados do Escritório de Orçamento do Congresso. Esse déficit
equivale a cerca de 6,4% do PIB americano, um nível sem precedentes na história
do país em tempos de paz e sem emergências (como uma recessão ou uma pandemia).
Para cobrir esse rombo, os EUA precisam se endividar. A dívida pública saltou
de US$ 26,7 trilhões em novembro de 2023 para US$ 28,8 trilhões em novembro passado.
E deve superar US$ 30 trilhões neste ano.
Democratas e republicanos colaboraram para
levar o déficit a esse patamar elevadíssimo. No primeiro governo Trump, foram
aprovados cortes de impostos sem cortes equivalentes no gasto público. A
pandemia de covid-19 gerou um forte e repentino aumento em despesas
extraordinárias, que ainda não foi totalmente revisto. Por fim, o governo Joe
Biden aprovou pacotes de estímulo à economia e de subsídios a setores
estratégicos que catapultaram o déficit ao histórico patamar atual. A isso se
acrescenta a pressão demográfica do envelhecimento da população e da
aposentadoria da geração “baby boom”.
Agora há a expectativa de uma nova rodada de
renúncia fiscal. O presidente eleito prometeu reduzir impostos para as
empresas, além de acabar com a taxação sobre gorjetas, horas extras trabalhadas
e benefícios da Seguridade Social. Estimativas sugerem que essas propostas
podem custar até US$ 7,5 trilhões nas próximas décadas, em relação ao cenário
fiscal atual.
Trump não se comprometeu a equilibrar esses
cortes com menos gasto público e foi vago em apontar como pretende reduzir as
despesas. Sua principal medida foi indicar os empresários Elon Musk e Vivek
Ramaswamy para dirigir o novo Departamento de Eficiência Governamental, cuja
missão será justamente esta. O objetivo, segundo Musk, é cortar US$ 2 trilhões
em despesas, mas não há detalhes de como eles pretendem fazer isso.
A situação fiscal neste ano tende ser um
pouco mais confortável que em 2024, devido principalmente ao corte da taxa de
juros pelo Federal Reserve, o que vai diminuir as despesas com juros da dívida
pública. Por outro lado, o cenário de longo prazo dos EUA é hoje muito pior do
que o encontrado por Trump oito anos atrás.
Segundo a mídia americana, os congressistas
republicanos ainda não chegaram nem perto de um consenso sobre o quanto vão
tolerar de déficit. Uma parte do partido apoia a política de Trump de cortar
impostos primeiro e tentar conter gastos mais tarde, o que teria um impacto
fiscal importante no curto prazo. Mas há também uma ala fiscalista, que
dificilmente aceitará passar um cheque em branco. Isso ficou evidente na
polêmica relativa ao financiamento do governo, em dezembro. Apesar dos pedidos
de Trump de que o partido só apoiasse um projeto que eliminasse o teto de
endividamento do governo, 38 deputados republicanos votaram contra. Eliminar o
teto implicaria que Trump poderia propor um nível de déficit mais agressivo.
Como os republicanos têm uma maioria de apenas dois deputados na Câmara, a Casa
Branca dependerá dessa ala fiscalista para passar qualquer projeto que afete o
orçamento público.
Mas cortar gastos é um tema altamente
inflamável nos EUA. É quase impossível fazer cortes significativos sem mexer em
despesas com saúde e previdência social, o que seria impopular, politicamente
difícil e teria oposição barulhenta da minoria democrata no Congresso. Já os
republicanos devem se opor a cortes nos benefícios para veteranos de guerra e
nos gastos militares. O próprio Trump já sugeriu que o gasto militar deve
subir. Assim, sobra pouco onde cortar.
Trump deixou claro que sua prioridade será
cortar impostos, e não equilibrar o orçamento, e questões polêmicas costumam
avançar no primeiro ano de governo. Deputados ligados ao presidente eleito
admitem que o pacote não será equilibrado e que certamente haverá efeito fiscal
negativo. A questão é justamente quanto de déficit os republicanos vão tolerar.
Nos últimos meses, os mercados vêm dando sinais de preocupação de uma ulterior
deterioração fiscal nos EUA. Desde meados de setembro, o prêmio (yield) dos principais
títulos da dívida americana está subindo, o que significa uma percepção de
aumento no risco do endividamento americano.
No final de 2022, um plano fiscal considerado
irresponsável gerou uma forte reação dos mercados e levou à renúncia da então
primeira-ministra do Reino Unido, Liz Truss. O plano previa justamente um corte
de impostos não compensado por cortes de gastos, o que levaria a uma ampliação
do déficit e da dívida pública britânicos. Os EUA não são o Reino Unido e é
improvável que ocorra uma aposta contra a política fiscal de Trump. Mas o
recado está sendo dado pelos mercados.
Disputas judiciais de R$ 1 tri refletem caos
tributário
Folha de S. Paulo
Ações que ameaçam a arrecadação federal
advêm, principalmente, do sistema kafkiano de taxação nos três níveis de
governo
Todos os anos o governo federal precisa se
defender nas cortes superiores de ações que podem resultar em perdas na casa
das centenas de bilhões em arrecadação. Não é diferente neste 2025, em que
casos de natureza tributária em análise no Supremo Tribunal Federal e no
Superior Tribunal de Justiça somam
até R$ 1 trilhão, conforme noticiou a Folha.
Autoridades do Executivo cumprem seu papel ao
proteger o erário, mas é claro que o setor público nem sempre é inocente nas
disputas. O fato é que o sistema brasileiro de impostos é de tal modo caótico,
com regras variando entre o intrincado e o absurdo, que estimula interpretações
oportunistas de lado a lado, tornando os litígios intermináveis.
A maior fonte de discórdia —e riscos para as
finanças públicas e privadas— é, de longe, a tributação do consumo de bens e
serviços, que, além de excessiva, está distribuída entre cinco impostos e
contribuições sociais nos três níveis de governo. Há PIS, Cofins e IPI,
federais; o ICMS, estadual, e o ISS, municipal, com regras variando conforme o
local.
Os tipos de questionamento que esse arranjo
kafkiano pode suscitar beiram o incompreensível. Está na pauta do Supremo, por
exemplo, se o ISS embutido nos preços de produtos integra a base de cálculo do
PIS e da Cofins. Trata-se de um desdobramento de uma decisão de quase oito anos
atrás, quando
o ICMS foi excluído do cálculo das duas contribuições federais.
Embora o entendimento tenha sido firmado há
tanto tempo e baseado em lógica que soa elementar, sua aplicação e suas
consequências continuam em discussão nos tribunais. No caso do ISS, espera-se
vitória dos contribuintes, com impacto de até R$ 35,4 bilhões para o Tesouro —o
valor dependerá da extensão e da retroatividade da medida.
Dada a situação ruinosa das contas federais,
porém, nem mesmo se pode comemorar um alívio tributário como esse. As receitas
do governo, afinal, hoje são insuficientes para bancar os gastos com pessoal,
custeio administrativo, programas sociais e investimentos. Qualquer perda
impacta as políticas públicas.
Essa insegurança jurídica, de fato, é
desastrosa para Estado, empresas, consumidores —toda a sociedade. Dada a
magnitude dos valores envolvidos, tribunais tendem a levar em contra outros
aspectos, além do jurídico, em suas deliberações.
A esperança de encerrar ou ao menos reduzir
esse contencioso funesto reside na reforma tributária, que teve boa parte de
sua regulamentação
aprovada pelo Congresso no ano passado. No novo sistema, haverá apenas dois
tributos principais e similares sobre o consumo, a CBS federal e o IBS
regional, mais um imposto seletivo sobre produtos nocivos.
Convém, todavia, não subestimar a propensão
de governantes, legisladores e magistrados a criar normas obscuras e
interpretações heterodoxas que complicam a vida dos contribuintes.
Violência no país mais pobre a falar o
português
Folha de S. Paulo
Com indícios de fraudes nas eleições, Chapo
assumirá Moçambique pressionado por protestos; miséria deteriora democracia
A crise política em Moçambique é
mais um caso que evidencia a importância do desenvolvimento econômico para a
proteção da democracia.
A nação africana, uma das dez mais pobres do
mundo, corre risco de rumar à guerra civil devido a indícios de irregularidades
nas eleições realizadas
em outubro.
Segundo o resultado oficial, Daniel Chapo,
candidato governista do partido de esquerda Frente de Libertação de Moçambique
(Frelimo), venceu com 65% dos votos; já Venâncio Mondlane, da sigla de centro
Partido Otimista pelo Desenvolvimento de Moçambique (Podemos), obteve 24%.
Chapo tomará posse nesta quinta-feira (15),
mas contestações sobre sua vitória indicam um futuro incerto e violento.
Em relatório de 15 de novembro, a Missão de
Observação Eleitoral da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa afirma que
testemunhou contagem errada de votos e indícios de eleitores que votaram várias
vezes.
O Centro para a Democracia e Direitos
Humanos, ONG apartidária moçambicana, verificou "eleitores fantasmas"
—quando há mais eleitores registrados do que adultos aptos a votar.
Houve divergências até mesmo na Comissão
Nacional de Eleições, que supervisiona o processo eleitoral no país. Dos 13
comissários, 6 contestaram a deliberação do órgão que sancionou a vitória da
Chapo.
As suspeitas de fraude desencadearam uma onda
de protestos que vem sendo duramente reprimida pelas forças de segurança. Desde
outubro, de acordo com a Plataforma Decide, ONG de Moçambique, foram
computados 294
mortos, 604 feridos, 4.218 detidos e 22 desaparecidos.
O Frelimo está no poder há 50 anos, desde a
independência ante Portugal em
1975. De 1977 a 1992, fez parte da guerra civil contra o partido Renamo, mais
um dos conflitos regionais no contexto da Guerra Fria.
Após a primeira eleição multipartidária, em
1994, ensaiou-se uma política econômica de mercado, mas que logo se viu
capturada por orientações estatistas e deteriorada pela corrupção endêmica
no país.
Moçambique está na 183ª posição no ranking do
Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) composto por 193 países; 75%
da população vive com menos de US$ 2,15 (R$ 13,11) ao dia, nível
considerado de pobreza extrema.
Tal carência material extrema desestabiliza
instituições democráticas, criando um círculo vicioso que mantém o sofrimento
dos moçambicanos há décadas. Para quebrá-lo, há que aliar racionalidade
econômica com respeito à liberdade política.
‘Se non è vero, è ben trovato’
O Estado de S. Paulo
É falsa a informação de que Haddad pretende
taxar o Pix, mas o boato só prosperou porque faz sentido, diante da sanha
arrecadatória de um governo que não quer cortar gastos
Fez bem o governo em se empenhar para
desmentir a falsa notícia, que tomou as redes sociais nos últimos dias, segundo
a qual as transações feitas pelo Pix seriam taxadas. Ainda que a coisa em si
não tenha muita importância de fato – afinal, os cidadãos são livres para
escolher qual meio de pagamento querem usar –, é sempre bom combater boatos e
desinformação quando afetam serviços públicos. Dito isso, é preciso notar que
um boato só prospera quando tem um fundo de verdade.
No caso da “taxação do Pix”, o fundo de
verdade é a ânsia do governo de aumentar a receita para fazer frente aos gastos
públicos, que não param de subir. É como diz aquele célebre dito italiano
atribuído a Giordano Bruno: Se non è vero, è molto ben trovato. Ou seja,
pode até não ser verdade (e não é), mas faz todo o sentido, diante de um
governo que não se esforça em cortar as despesas de um Estado balofo que não
devolve em serviços básicos o que os muitos impostos financiam.
O governo, claro, exasperou-se, não tanto
pelos efeitos da desinformação em si, mas porque a boataria ajuda a consolidar
a imagem de que é um insaciável arrecadador. Por isso, a reação foi muito além
do desmentido: como de hábito, os petistas trataram de qualificar como crime de
lesa-democracia tudo o que expõe a verdadeira natureza do governo Lula. Mesmo
uma evidente piada como o agora célebre vídeo, produzido por inteligência
artificial, em que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, aparece dizendo que
vai cobrar impostos sobre “tudo” – Pix, animais de estimação e fetos – foi
tratada pelo governo como ameaça às instituições democráticas.
Esse boato sobre a “taxação do Pix” vem e
volta desde a campanha eleitoral de 2022. Na época, o então presidente Jair
Bolsonaro acusou o petista de pretender acabar com o meio de pagamento. Agora,
também com a ajuda da família Bolsonaro, a lenda foi atualizada com a taxação
do Pix.
A matéria-prima do atual boato foi uma
instrução normativa da Receita Federal que ampliou a fiscalização sobre os
pagamentos instantâneos. A regra obriga operadoras de cartão de crédito e
instituições de pagamento a notificar o Fisco quando houver movimentação
mensal, via Pix, superior a R$ 5 mil por pessoas físicas e a R$ 15 mil por
pessoas jurídicas, inclusive entre contas do mesmo titular.
Embora tenha causado certo barulho e revolta
nas redes sociais, não há nada de errado ou mesmo de novo na norma. Em primeiro
lugar, bancos tradicionais públicos e privados e cooperativas de crédito já são
obrigados a fornecer essas informações à Receita. A partir de agora,
maquininhas e fintechs terão de fazer o mesmo. Tampouco se trata de quebra de
sigilo bancário ou fiscal, uma vez que apenas dados como nome, endereço, CPF ou
CNPJ e o número das contas bancárias serão informados ao Fisco.
Não se trata de tributação, mas de mais uma
regra que visa a ampliar a base de dados da Receita e a impedir a sonegação de
impostos. Se, com base nesses dados, o órgão identificar movimentação
financeira incompatível com a renda informada pelo contribuinte, é bem provável
que ele cairá na malha fina e terá de pagar o que deixou de recolher.
O governo deveria ter explicado os efeitos da
instrução normativa ainda em setembro, quando foi publicada, ou no início deste
ano, quando entrou em vigor. Ao não fazer sua parte, criou condições para que o
assunto ganhasse força nas redes sociais.
Foi só então que o governo decidiu agir. E,
em vez de simplesmente esclarecer o assunto, a Secretaria de Comunicação
Social, já sob a direção do marqueteiro Sidônio Palmeira, decidiu fazer disso
uma nova disputa na arena política. Até Lula da Silva foi mobilizado: gravou um
vídeo fazendo uma doação, via Pix, para o Corinthians, a título de contribuir
com o pagamento da dívida do clube pela construção de seu estádio e provar que
a transação não seria taxada.
A instrução normativa, afinal, é apenas mais
uma regra que busca fazer com que contribuintes paguem impostos devidos, o que
condiz com a política defendida por Haddad na área tributária. Não há nada de
errado nisso, como também não há nada de errado com as piadas que caracterizam
Haddad como implacável exator. Ele pode não achar graça, mas agora é tarde.
A sirene do aquecimento global
O Estado de S. Paulo
A Terra registra em 2024 seu ano mais quente,
e a temperatura supera o limite estipulado pelo Acordo de Paris para este
século; sem alarmismo, ainda é possível conter a fúria da natureza
Já era esperado, e agora se confirmou. A
Terra registrou em 2024 o seu ano mais quente, e a temperatura média global
ultrapassou pela primeira vez o limite para o aquecimento global neste século
em relação aos níveis pré-industriais. O planeta esquentou 1,6°C, acima do
1,5°C estabelecido pelo Acordo de Paris. Segundo o Observatório Copernicus, da
Comissão Europeia, a temperatura média chegou a 15,1°C e superou em 0,12°C o
até então recorde de 2023.
Preocupa a rapidez dessa escalada da
temperatura. A explicação para essa alta, porém, é simples, de acordo com os
cientistas: são os chamados gases de efeito estufa acumulados na atmosfera que
empurram os marcadores dos termômetros para cima. É a queima de carvão,
petróleo e gás, os combustíveis fósseis, que impacta o mundo.
E o que está ruim pode piorar. A última
década representou os dez anos mais quentes já registrados pelo Copernicus,
segundo Samantha Burgess, uma das dirigentes do observatório, em comunicado, e
provavelmente foi o período mais quente em 125 mil anos. Há praticamente
consenso na comunidade científica de que a Terra continuará a ferver. Mas,
diante de dados negativos, por vezes anunciados em tom catastrofista,
recomenda-se cautela. Como bem disse à Associated Press a cientista americana
Jennifer Francis, “as sirenes de alarme relacionadas às mudanças climáticas têm
tocado quase constantemente”, e isso pode fazer com que “o público se torne
insensível à urgência, como (é insensível) às sirenes da polícia na cidade de
Nova York”.
O problema é que não se pode banalizar um
fenômeno de tamanha gravidade e consequências tão extremas. Segundo relatório
da empresa de seguros Munich Re, as perdas causadas por desastres relacionados
ao clima chegaram a US$ 140 bilhões em 2024. E não só cifras deveriam
preocupar, mas principalmente as vidas que se perderam e as que se perderão em
razão da fúria da natureza.
O momento é delicado. Ainda assim, mesmo com
as temperaturas acima do limite do Acordo de Paris, restam até 20 anos, de
acordo com especialistas, para que se chegue a um ponto de não retorno. Logo,
há tempo para tomar providências – e em alguma medida elas estão sendo tomadas,
ainda que não na dimensão requerida.
Como afirmou Carlo Buontempo, diretor do
Copernicus, em entrevista coletiva, “estamos enfrentando um clima muito novo e
desafios climáticos para os quais nossa sociedade não está preparada”. Já
passou da hora de preparar a sociedade para enfrentar esse novo mundo e esses
desafios climáticos, a começar por ações efetivas de comunicação sobre a
gravidade do aquecimento global, de modo a não banalizar seus riscos.
São necessários, portanto, planos e medidas
efetivas. Nesse sentido, o Brasil, que em 2024 registrou calor recorde, com
temperatura média de 25,02°C, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia
(Inmet), poderia liderar esse esforço, mas o que se vê, infelizmente, é um
governo perdido entre a demagogia do presidente Lula da Silva e a inação de sua
ministra do Meio Ambiente, Marina Silva.
Em 2024, as queimadas no Pantanal, no Cerrado
e na Amazônia assustaram o Brasil, e o governo, letárgico em combater as
chamas, jogou a culpa na mudança climática, como se não fosse justamente a
mudança do clima um fenômeno a exigir planejamento para mitigar seus efeitos.
Além disso, a tal “Autoridade Climática” – que ninguém sabe para que servirá –
segue uma promessa de campanha, se é que um dia existirá.
Até agora o mundo não conhece o presidente da
Conferência do Clima (COP-30), a ser realizada em novembro em Belém, que,
segundo Lula, com sua típica política ambiental de gogó, será a “última chance
de evitar uma ruptura irreversível no sistema climático”. Trata-se de um
evidente exagero retórico, típico de Lula, mas, se fosse mesmo como o
presidente diz, então o Brasil já teria que ter quase tudo pronto para a COP, o
que está muito longe de ser o caso.
Faltam ações, sobra palavrório. E as palavras
de Lula soam como as sirenes de Nova York.
Um presente para Estados endividados
O Estado de S. Paulo
Governo Lula mantém essência perdulária do
projeto que prevê a renegociação da dívida dos Estados
Elaborado pelo presidente do Senado, Rodrigo
Pacheco (PSD-MG), e defendido pelos Estados mais encalacrados do País, o
projeto de lei que cria novas regras para a renegociação das dívidas estaduais
foi sancionado pelo presidente Lula da Silva. Em outros tempos, o vergonhoso
socorro mereceria a rejeição integral da Presidência da República, mas o
governo bem sabe que não detém maioria no Congresso para fazer esse
enfrentamento. Assim, limitou-se a fazer nove vetos que mantiveram a essência
perdulária do projeto.
A proposta, no limite, permitirá que os
Estados zerem o indexador que corrige suas dívidas sem sequer terem de cortar
despesas. Bastará que gastem em áreas consideradas prioritárias pelo Executivo,
como o Ensino Médio Técnico. A depender da adesão, a União deixará de receber
R$ 48 bilhões anuais, segundo cálculo do economista Manoel Pires, coordenador
do Centro de Política Fiscal e Orçamento Público do FGV Ibre.
Para piorar, o trecho do projeto com o maior
potencial de gerar danos à União foi preservado: a possibilidade de abatimento
das dívidas por meio da federalização de empresas estatais estaduais. Só quem
ignora a história recente pode achar que se trata de um bom negócio.
Basta lembrar o rombo que as antigas
distribuidoras estaduais de energia geraram para a Eletrobras quando foram
federalizadas, durante um processo de renegociação de dívidas estaduais
realizado no governo Fernando Henrique Cardoso. À época, a federalização dessas
empresas seria algo temporário, até que houvesse condições de oferecê-las à
iniciativa privada. Tudo mudou com a vitória de Lula da Silva na eleição de
2002. Passaram-se 20 anos até que as concessionárias fossem privatizadas,
período ao longo do qual elas consumiram R$ 25 bilhões.
Tentando justificar o injustificável – e a
incessante repetição de erros do passado –, o governo se fiou em um detalhe e
destacou que a troca de dívidas por estatais não poderá ocorrer sem o aval da
União. Não explicou, no entanto, quem fará a precificação das empresas e sob
quais critérios. Uma coisa já se pode afirmar: independentemente da avaliação,
os Estados certamente dirão que elas valem mais do que valem.
O governo federal também ignorou um alerta da
área técnica de que a incorporação dessas ações vai aumentar o endividamento
líquido e afetar o resultado primário, uma vez que a dívida a receber dos
Estados é um ativo financeiro, diferentemente das ações das estatais. E tudo
isso em um momento no qual o governo tenta desesperadamente recuperar a
confiança dos investidores, perdida desde o esvaziado pacote de corte de gastos
aprovado no fim do ano passado.
Nesse sentido, tem razão o ministro Fernando Haddad quando disse que os governadores “nem sonhavam” que isso fosse possível e deveriam agradecer ao governo pela sanção da proposta, que foi “muito além” do que eles haviam pedido. De fato, a proposta é um presente para os Estados mais endividados e mais ricos do País, todos governados pela oposição – Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e São Paulo.
Enem e celulares: motivos para reflexões
Correio Braziliense
O país tem a chance de dar continuidade ao
ano de 2025 buscando ferramentas e metas educacionais a partir do panorama do
Enem e do novo cotidiano nas escolas
Nesta segunda-feira, o Brasil acompanhou a
divulgação de dois fatos relevantes ligados à educação. Um deles diz respeito
ao resultado
do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2024. O outro foi a
sanção, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, da lei que proíbe o uso de
celulares nas escolas públicas e privadas do país — do infantil ao nível médio.
As notas que garantem vaga em universidades e a mudança no dia a dia das instituições
devem ser motivo de reflexão e de inspiração para avanços.
A pontuação no Enem é importante para avaliar
a qualidade do que vem sendo trabalhado nas salas de aula. Pode, ainda, ser
utilizada na implementação de novas políticas educacionais e de incentivos. O
resultado médio foi de 546 pontos, três a mais do que em 2023 — aumento
comemorado pelo Ministério da Educação (MEC). O crescimento da adesão também
mereceu destaque da pasta: o número de inscritos foi de 4,32 milhões, com
elevação de 1,6% em relação ao ano anterior, quando houve 3,93 milhões de
inscrições, e um acréscimo expressivo na comparação com 2022, que teve 3,47
milhões de registros.
Mas é necessário fazer mais. Como porta de
entrada para o ensino superior, a participação no teste precisa ser cada vez
maior. Simplesmente retomar o patamar pré-pandemia de covid-19 já tem se
configurado como um grande desafio. Em 2019, a quantidade de inscritos
confirmados no exame chegou a quase 5,1 milhões. A queda registrada é
prejudicial ao país e contribui para as desigualdades sociais, já que a
presença dos estudantes carentes cai proporcionalmente. Diante desse cenário,
ações que promovam o acesso dos alunos de instituições públicas devem ser
executadas, assim como o investimento no ensino gratuito precisa estar sempre
na pauta dos governos das três esferas.
Respostas estratégicas são fundamentais. Da
mesma forma, as decisões que deem as respostas necessárias para as questões
atuais não podem ser adiadas. Nesse contexto, a discussão sobre a aplicação da
tecnologia na educação é prioridade. A mais recente mudança veio com a Lei
15.100/2025, que veda o uso de celulares durante as aulas, os recreios e os
intervalos em todas as etapas da educação básica — a proibição não se coloca
para a utilização pedagógica desses dispositivos.
Defendida pelo MEC e aprovada por grande
parte dos educadores, a medida pretende tirar o foco dos estudantes das telas,
recolocando-o nos conteúdos apresentados pelo professor. Não se trata de negar
as possibilidades de ampliação de conhecimento que a era digital proporciona,
mas apenas saber empregar da forma ideal para o pleno desenvolvimento
individual dos alunos. Recuperar a interação entre as crianças, os adolescentes
e os jovens é outro argumento válido e importante para a restrição.
Com grandes desafios sociais e muito trabalho a ser feito, o país tem a chance de dar continuidade ao ano de 2025 buscando ferramentas e metas educacionais a partir do panorama do Enem e do novo cotidiano nas escolas. Um melhor nível de ensino gera progressos no mercado. Além disso, é impossível competir em um mundo sempre em aceleração sem mão de obra qualificada. Muitas lições foram mostradas no decorrer da história, e o Brasil de hoje já sabe que precisa investir e acompanhar as demandas que a digitalização apresenta para fazer, definitivamente, da educação a base do seu desenvolvimento.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.