O Globo
“Ainda estou aqui” leva aos cinemas do país milhões de brasileiros para conhecer uma parte de sua História que lhes tem sido negada por anos a fio
A explosão de alegria que a vitória de
Fernanda Torres no Globo de Ouro nos proporcionou tem diversos significados,
como uma hipotética revanche da mãe, Fernanda Montenegro, que, na opinião de
Glenn Close, e de todos os brasileiros, deveria ter ganhado o Oscar de melhor
atriz em 1999 pelo filme “Central do Brasil”, em vez de Gwyneth Paltrow. O
reconhecimento mundial de um ícone brasileiro, assim como foi com Vini Jr.
sendo escolhido o melhor jogador do mundo pela Fifa, sempre levanta o astral de
um país como o nosso, se debatendo há anos entre tapas e beijos para se
equilibrar como uma sociedade justa e o menos desigual possível.
Mas o que o filme “Ainda estou aqui”, de Walter Salles, tem de mais edificante é levar aos cinemas do país milhões de brasileiros para conhecer uma parte de sua História que lhes tem sido negada por anos a fio. Especialmente uma juventude que, nascida já na redemocratização, não aprende na escola o que se passou antes de nascerem.
Esse desconhecimento de uma parte fundamental
de nossa vida como cidadãos brasileiros é que permitiu, 33 anos depois, que um
candidato que durante a campanha eleitoral defendia a ditadura militar e a
tortura pudesse ser eleito para a Presidência da República em 2018, e permaneça
fazendo a antipolítica da aniquilação até os dias de hoje, depois de ter
tentado um autogolpe para permanecer no poder fora das limitações democráticas.
A pesquisa Quaest divulgada ontem mostra que
mais de 80% dos brasileiros desaprovam os atos de 8 de Janeiro. É um sinal de
que perderam as versões que tentaram minimizar o fato e dizer que não aconteceu
nada demais naquele dia. Os que tentavam desculpar ou minimizar os ataques não
convenceram os brasileiros, que compraram a versão verdadeira de que houve uma
tentativa de golpe.
O resultado da pesquisa mostra também que não
será fácil para algum outro tentar um golpe contra a democracia, porque ela
está firme nas raízes do brasileiro, o que é um bom sinal. Outro bom sinal que
a pesquisa aponta é que não há polarização nesse assunto e que, em alguns
momentos, há uma união nacional em favor da democracia. Pode-se não gostar de
Lula e de Bolsonaro, mas gosta-se da democracia. Ou, pelo menos, não se gosta
de ditaduras. É importante neste momento reafirmar a democracia e tentar ir para
a frente sem voltar a um passado que nem deveria ter acontecido.
A maioria dos brasileiros é contra os atos do
8 de Janeiro, e quase metade se convenceu de que Bolsonaro tinha culpa. À
medida que o tempo vai passando, fica mais evidente a culpa dele e menos
frequente a ideia de que ele não tinha nada a ver. É outra boa indicação. Dados
de pesquisas YouGov mostram que, em janeiro de 2021, logo depois da invasão do
Capitólio, 9% dos americanos aprovavam fortemente os atentados (no Brasil foram
4%). Em janeiro de 2022, um ano depois, esse percentual passou para 14% (no Brasil,
chegou a 6%, menos da metade), e em janeiro de 2023 chegou a 20%. Só entre os
eleitores republicanos, 32% apoiavam a invasão que tentou impedir a confirmação
de Joe Biden como presidente dois anos depois.
— Isso não está acontecendo no Brasil, o que
é uma ótima notícia de Ano-Novo —compara o cientista político Felipe Nunes, CEO
da Quaest.
Para ele, Biden cometeu um erro ao
partidarizar o tema. Isso permitiu aos republicanos se recuperarem do mais
violento ataque à democracia americana:
— O 6 de Janeiro nos Estados Unidos não é
hoje um tema da democracia, mas um tema da polarização partidária: democratas
versus republicanos. Não foi por acaso que o tema ficou irrelevante na eleição
do ano passado. No Brasil, os baixos índices de apoio às invasões sugerem que
os brasileiros entenderam a gravidade do que aconteceu em Brasília.
Por isso o filme é tão atual e toca em
feridas ainda abertas, como o desaparecimento de pessoas durante o regime
militar, como foi o caso do deputado Rubens Paiva, cujo corpo até hoje não foi
encontrado. O tema é tão atual que o ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal
Federal (STF), recentemente deu parecer favorável a que o desaparecimento de
corpos de presos políticos seja considerado um crime continuado, sem direito a
ser abrangido pela Lei da Anistia de 1979.
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