terça-feira, 7 de janeiro de 2025

Feliz Ano Novo - Merval Pereira

O Globo

“Ainda estou aqui” leva aos cinemas do país milhões de brasileiros para conhecer uma parte de sua História que lhes tem sido negada por anos a fio

A explosão de alegria que a vitória de Fernanda Torres no Globo de Ouro nos proporcionou tem diversos significados, como uma hipotética revanche da mãe, Fernanda Montenegro, que, na opinião de Glenn Close, e de todos os brasileiros, deveria ter ganhado o Oscar de melhor atriz em 1999 pelo filme “Central do Brasil”, em vez de Gwyneth Paltrow. O reconhecimento mundial de um ícone brasileiro, assim como foi com Vini Jr. sendo escolhido o melhor jogador do mundo pela Fifa, sempre levanta o astral de um país como o nosso, se debatendo há anos entre tapas e beijos para se equilibrar como uma sociedade justa e o menos desigual possível.

Mas o que o filme “Ainda estou aqui”, de Walter Salles, tem de mais edificante é levar aos cinemas do país milhões de brasileiros para conhecer uma parte de sua História que lhes tem sido negada por anos a fio. Especialmente uma juventude que, nascida já na redemocratização, não aprende na escola o que se passou antes de nascerem.

Esse desconhecimento de uma parte fundamental de nossa vida como cidadãos brasileiros é que permitiu, 33 anos depois, que um candidato que durante a campanha eleitoral defendia a ditadura militar e a tortura pudesse ser eleito para a Presidência da República em 2018, e permaneça fazendo a antipolítica da aniquilação até os dias de hoje, depois de ter tentado um autogolpe para permanecer no poder fora das limitações democráticas.

A pesquisa Quaest divulgada ontem mostra que mais de 80% dos brasileiros desaprovam os atos de 8 de Janeiro. É um sinal de que perderam as versões que tentaram minimizar o fato e dizer que não aconteceu nada demais naquele dia. Os que tentavam desculpar ou minimizar os ataques não convenceram os brasileiros, que compraram a versão verdadeira de que houve uma tentativa de golpe.

O resultado da pesquisa mostra também que não será fácil para algum outro tentar um golpe contra a democracia, porque ela está firme nas raízes do brasileiro, o que é um bom sinal. Outro bom sinal que a pesquisa aponta é que não há polarização nesse assunto e que, em alguns momentos, há uma união nacional em favor da democracia. Pode-se não gostar de Lula e de Bolsonaro, mas gosta-se da democracia. Ou, pelo menos, não se gosta de ditaduras. É importante neste momento reafirmar a democracia e tentar ir para a frente sem voltar a um passado que nem deveria ter acontecido.

A maioria dos brasileiros é contra os atos do 8 de Janeiro, e quase metade se convenceu de que Bolsonaro tinha culpa. À medida que o tempo vai passando, fica mais evidente a culpa dele e menos frequente a ideia de que ele não tinha nada a ver. É outra boa indicação. Dados de pesquisas YouGov mostram que, em janeiro de 2021, logo depois da invasão do Capitólio, 9% dos americanos aprovavam fortemente os atentados (no Brasil foram 4%). Em janeiro de 2022, um ano depois, esse percentual passou para 14% (no Brasil, chegou a 6%, menos da metade), e em janeiro de 2023 chegou a 20%. Só entre os eleitores republicanos, 32% apoiavam a invasão que tentou impedir a confirmação de Joe Biden como presidente dois anos depois.

— Isso não está acontecendo no Brasil, o que é uma ótima notícia de Ano-Novo —compara o cientista político Felipe Nunes, CEO da Quaest.

Para ele, Biden cometeu um erro ao partidarizar o tema. Isso permitiu aos republicanos se recuperarem do mais violento ataque à democracia americana:

— O 6 de Janeiro nos Estados Unidos não é hoje um tema da democracia, mas um tema da polarização partidária: democratas versus republicanos. Não foi por acaso que o tema ficou irrelevante na eleição do ano passado. No Brasil, os baixos índices de apoio às invasões sugerem que os brasileiros entenderam a gravidade do que aconteceu em Brasília.

Por isso o filme é tão atual e toca em feridas ainda abertas, como o desaparecimento de pessoas durante o regime militar, como foi o caso do deputado Rubens Paiva, cujo corpo até hoje não foi encontrado. O tema é tão atual que o ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), recentemente deu parecer favorável a que o desaparecimento de corpos de presos políticos seja considerado um crime continuado, sem direito a ser abrangido pela Lei da Anistia de 1979.

 

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