quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais /Opiniões

Negar gravidade da atual crise fiscal é inadmissível

O Globo

Brasil tem segundo pior rombo nas contas públicas entre 23 países emergentes e desenvolvidos

Num grupo de 23 economias emergentes e desenvolvidas, o Brasil aparece com o segundo pior resultado nas contas públicas. No levantamento que considera receitas, gastos e também despesas com os juros da dívida, apenas Bolívia tem desempenho pior, segundo análise do banco BTG Pactual. Esse foi o quadro registrado nos dois últimos anos e deve se repetir em 2025.

A previsão para os próximos 12 meses é que os bolivianos continuarão em primeiro lugar no ranking dos piores, mas conseguirão reduzir o tamanho do déficit. Por aqui, o cenário é de elevação. Há metodologias diferentes para determinar o quadro fiscal de um país. A que determina a trajetória da dívida pública é justamente a que leva em conta o pagamento de juros. Quanto maior o rombo a cada ano, mais alto o endividamento. É essa a métrica acompanhada pelos investidores. Deveria ser também o principal ponto de atenção do governo federal e dos congressistas.

Tentativas de ilusionismo ou negação não mudaram nem nunca mudarão a realidade. O desempenho brasileiro é ruim sob qualquer ângulo. O resultado é pior que a média dos emergentes, dos desenvolvidos e da América Latina. A previsão do BTG Pactual para este ano é de um déficit de 8,6% do Produto Interno Bruto (PIB). No México, Colômbia, Peru e Chile, o percentual deverá ser inferior a 4%.

Confirmada a manutenção do rombo das contas públicas e da despesa com juros da dívida, o endividamento em relação ao PIB crescerá 14 pontos percentuais ao longo do atual mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Para um país com uma dívida alta como o Brasil, o cenário é um tremendo problema. Por isso a insegurança no mercado financeiro e as altas repetidas do dólar. Insinuar que as esquinas da Avenida Brigadeiro Faria Lima, em São Paulo, estão cheias de especuladores trabalhando contra o país é terraplanismo econômico.

Na semana passada, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, antecipou que o governo deve ter fechado 2024 com um déficit de 0,1% do PIB. O cálculo do ministro usa metodologia que não inclui as despesas com os juros da dívida. Na análise do resultado fiscal, a Fazenda também retira fatores extraordinários. Eventos como os gastos com as enchentes do Rio Grande do Sul não são considerados. O esforço pode ser válido, mas o incrível é que, com todas essas ressalvas, o governo não conseguiu equilibrar as contas. O percentual antecipado por Haddad se encaixa nas regras fiscais somente porque há uma tolerância de déficit de até 0,25% do PIB.

A comemoração desse resultado dá a medida do baixo nível da discussão fiscal no Brasil. O endividamento, é bom não esquecer, segue subindo. A se confirmarem as últimas projeções da Instituição Fiscal Independente (IFI), criada para ampliar a transparência das contas públicas e ligada ao Senado Federal, a dívida chegará a 86% do PIB no ano que vem, 91% em 2027, mais de 100% em 2030 e 116% em 2034, o horizonte das estimativas. Quanto mais elevada, maior o custo de rolagem. Neste ano os gastos com juros devem passar de R$ 1 trilhão. Diante de tantas evidências, negar a gravidade da crise fiscal é inadmissível. É hora de medidas à altura dos desafios. O ajuste deve ser amplo para ter efeito. Governo e Congresso devem sanar essa dívida com o país.

Petrobras precisa acabar com a defasagem de preços de combustíveis

O Globo

No exterior, diesel custa 23% a mais. Sem correção, petroleira repetirá erros do governo Dilma

Quando Magda Chambriard substituiu Jean Paul Prates no comando da Petrobras no ano passado, temia-se que a intervenção do governo na empresa aberta de capital misto seria pesada. A suspeita era que práticas do tempo de Dilma Rousseff na Presidência da República fossem retomadas. Infelizmente, os preços baixos dos combustíveis nos postos de gasolina são mais uma confirmação dos piores temores. O real vem perdendo valor ante o dólar, e o barril de petróleo ficando cada vez mais caro. Com esse quadro, uma gestão responsável levaria à elevação dos valores cobrados nas bombas. Não na Petrobras do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O último reajuste da gasolina ocorreu no distante mês de julho. O do diesel aconteceu há mais de um ano, em dezembro de 2023. Nesta semana, a defasagem dos preços internos em relação aos externos na gasolina chegou a 14%. No diesel, derivado que o país mais importa, atingiu 23%.

À primeira vista, a estratégia de segurar os preços dos combustíveis pode parecer atraente. O transporte de cargas por todo o país — do preponderante rodoviário ao ferroviário — é movido a diesel. Portanto qualquer alteração nas refinarias resulta em aumento de custos aos transportadores. Num efeito cascata, as altas são repassadas para os varejistas e logo chegam aos bolsos dos consumidores. Em pouco tempo, as alterações são sentidas nos índices que medem a inflação de diferentes tipos de alimentos em supermercados e produtos industrializados nas lojas.

Essa costuma ser a preocupação de quem ocupa o Palácio do Planalto, um dos raros pontos de concordância do atual governo com o de Jair Bolsonaro. O problema é que a defasagem praticada pela Petrobras, a maior empresa do mercado local, traz efeitos indesejados. No caso de companhias menores e bem geridas, inibe as importações, podendo causar até desabastecimento. Na Petrobras, a diferença de preço significa prejuízo ou endividamento.

Quando Pedro Parente assumiu a empresa em 2016 com a missão de saná-la, a dívida beirava os R$ 690 bilhões em valores de hoje. Era, na época, o maior endividamento entre as petroleiras. A conta deixada por Dilma pela política de represar os preços dos combustíveis era estimada em mais de R$ 90 bilhões. Felizmente, a situação atual é bastante distinta. A petroleira tem obtido receitas elevadas com as vendas externas de petróleo e seu endividamento está sob controle. Mas é uma irresponsabilidade voltar a trilhar o caminho da má gestão.

Em 2023, o presidente Lula decidiu “abrasileirar” a metodologia usada para determinar os preços. O dólar, moeda em que o valor do barril é cotado, deixou de ser a única referência. Entraram no cálculo itens como volume de produção e custos de transportes. Tudo em nome de reduzir a volatilidade. Mesmo com todas as modificações, o problema acabou chegando. A questão da defasagem está à espera de solução. Em fevereiro, os preços subirão, mas a causa é o aumento da alíquota de ICMS.

Conta de juros dispara e exige esforço fiscal maior

Valor Econômico

Diante da aceleração do endividamento, o governo teria de se comprometer a não apenas frear os gastos, mas também a obter superávits primários relevantes logo

O governo conta centavos para obter um déficit fiscal que seja o mais perto possível do zero, enquanto que a conta quase trilionária de juros cresce aceleradamente. Nos doze meses concluídos em novembro, o déficit nominal do setor público atingiu 9,5% do PIB, ou R$ 1,11 trilhão. No ano até novembro, os juros consumiram R$ 918,2 bilhões, ou 7,85% do PIB, R$ 205 bilhões a mais que no mesmo período de 2024. Para conter a inflação, em boa parte impulsionada pelos gastos públicos, o Banco Central apontou que elevará a taxa Selic em 1 ponto percentual nas duas reuniões até março, até 14,25%. Pelas expectativas dos investidores, a taxa não para por aí e ultrapassará 15%.

Nesse ritmo, e se nada for feito, o Brasil, que não tinha até há pouco uma crise fiscal no horizonte, começará a flertar com uma.

Uma comparação com 25 países emergentes e desenvolvidos, feitas pelo BTG, colocou o déficit nominal brasileiro, que contabiliza os juros e o saldo entre gastos e receitas, em segundo lugar, atrás apenas da Bolívia (Valor, ontem). Para o banco, o rombo total das contas chegou a 7,8% do PIB em 2024 e subirá a 8,6% em 2025. Esses números são substancialmente maiores que os 4,2% de média dos países da América Latina ou dos 5,7% da média dos países emergentes. Como a dívida bruta do Brasil já era maior que a dos demais emergentes (87,6% do PIB ante 70,8% da média, segundo o FMI, que tem critérios contábeis distintos do BC brasileiro), o aumento da carga de juros é um desastre que poderia ser evitado.

O alto déficit nominal de países próximos do Brasil no ranking, como Índia (7,8%), China (7,4%), Estados Unidos (7,3%) e África do Sul (6,2%), não significa que as situações são comparáveis ou que não haveria problemas em exibir resultados negativos dessa magnitude. A taxa de juros real brasileira (descontada a inflação) é muito elevada, a segunda maior do mundo, acima de 8%. A Índia pode ter um déficit quase semelhante, pois se financia pagando 2,43% de juros. A China, cujo déficit é crescente, tem taxa perto de zero. A África do Sul paga 4,48% e os Estados Unidos, 1,65%.

Até o governo petista apresentar seu novo regime fiscal, havia o temor dos investidores de que a dívida bruta fosse crescer sem controle. Houve certo alívio depois que, pelo novo regime, foi prometido um superávit primário de 0,5% em 2025 e de 1% em 2026, último ano do mandato de Lula. Mas já em abril a desconfiança voltou, para não sair mais do horizonte. As metas foram mudadas, o superávit foi reduzido a 0,25% do PIB a ser alcançado apenas em 2026. Como o governo tem mirado a margem de tolerância de 0,25 ponto percentual para baixo, o governo Lula poderá passar seus quatro anos de governo sem reduzir em um único centavo a dívida bruta (R$ 9,1 trilhão, ou 77,7% do PIB) e sequer conseguir levar as contas primárias ao azul.

Dessa maneira, sem economias necessárias de um superávit primário, o endividamento bruto está evoluindo rapidamente, embalado por taxas de juros que já eram altas e se tornarão ainda mais elevadas ao longo deste ano. Para impedir que a dívida continue crescendo, o governo teria de produzir um superávit primário de pelo menos 1,5% - há avaliações de que seria preciso mais, 2,5%. Na metade do mandato de Lula, a dívida bruta já aumentou 6 pontos percentuais do PIB. Pelas projeções da Instituição Fiscal Independente do Senado, ela chegará a 86,1% em 2026 e atingirá 100% em 2030. Nessa progressão, não haverá espaço para juros civilizados e o mais provável é que haja problemas para refinanciamento dos débitos ao longo do caminho.

Na comparação com os países emergentes, o Brasil é um dos países que mais arrecadam - 39,3% do PIB em 2024, ante uma média de 27%. Mas isso não é grande vantagem já que é um dos que mais gastam (incluindo juros), 46,2% do PIB, comparado à média de 32,6% do PIB, segundo estatísticas do Fundo Monetário Internacional (FMI).

A escalada dos juros coloca o governo diante do dilema entre fazer um aperto para equilibrar as contas e suas ambições eleitorais. Mas ela também aflige o setor privado e os investimentos. A empresa de avaliação de riscos Fitch informou ontem, por exemplo, que na última vez em que a taxa Selic subiu acima dos 13% as notas de crédito das empresas brasileiras foram reavaliadas na proporção de 5 rebaixamentos para uma elevação. Como os empréstimos seguem a taxa básica, o endividamento aumentará e o risco de emprestar se elevará, aumentando os prêmios.

Diante da aceleração do endividamento, o governo teria de se comprometer a não apenas frear os gastos, mas também a obter superávits primários relevantes logo. As despesas não incluídas no cômputo das metas fiscais se somam à dívida e, ainda que seja importante quase conseguir zerar o déficit primário, como pode ter ocorrido em 2024, isso está se tornando irrelevante diante da escalada dos juros e dos estragos na inflação provocadas pelo câmbio, que e parte se move pela fragilidade fiscal crescente. Os custos eleitorais de uma inflação em alta deveriam também entrar nos cálculos do governo.

Cessar-fogo em Gaza é passo importante, mas não garante a paz

Folha de S. Paulo

Mundo deve celebrar acordo entre Israel e Hamas; são muitos os desafios no Oriente Médio e com Trump na Casa Branca

Com um atraso de longos meses, o anúncio nesta quarta-feira (15) de um cessar-fogo na Faixa de Gaza deve ser recebido com alívio pela comunidade internacional. Os desafios para a paz no pântano geopolítico do Oriente Médio, porém, são muitos e complexos.

A boa nova veio após intervenção de Donald Trump, que antes de assumir a Casa Branca colocou Binyamin Netanyahu contra a parede devido à longa procrastinação do premiê israelense.

É sinal do modus operandi do republicano: Netanyahu sempre foi um de seus aliados mais próximos, mas nem por isso escapou de admoestação em rede social.

Mais importante, Trump enviou um emissário, o empresário Steve Witkoff, para dizer que a hora do acordo era agora. Restou ao israelense aquiescer e lidar com a revolta de sua base de ultradireita religiosa. A boa posição de seu partido em pesquisas para o pleito de 2026 pode ter influenciado o acordo, entretanto esta é uma história inconclusa.

O cessar-fogo —que prevê a libertação gradual dos 98 reféns (talvez apenas 60 deles estejam vivos) tomados pelos terroristas do Hamas em 7 de outubro de 2023— ainda depende de aprovação dos 11 membros do gabinete de segurança de Tel Aviv, 2 deles sionistas radicais.

Com isso, abre-se caminho para o fim da matança em Gaza, que colheu mais de 46,7 mil vidas segundo o Hamas. Cabe sempre relembrar a responsabilidade dos terroristas palestinos, com seu hediondo ataque que matou em um só dia quase 1.200 pessoas.

Agora, os desígnios são maiores, com concessões de lado a lado, embora o futuro de Gaza seja incerto. O governo americano em ocaso tem um plano envolvendo forças estrangeiras e uma nova autoridade palestina, mas não se sabe como Trump agirá.

Por extensão, o novo Oriente Médio que emerge de mais uma rodada de violência também tem rota nebulosa. Certa é a derrota estratégica neste momento do Irã, arquirrival dos EUA e de Israel que passou duas décadas armando uma rede de aliados em torno do Estado judeu.

Um por um, quase todos caíram: o Hamas foi trucidado, e o Hezbollah libanês, idem; a Síria, que servia de "hub" logístico do terror, viu a ditadura local evaporar. Restaram apenas os rebeldes houthis do remoto Iêmen.

A vitória é cercada de riscos, quando menos porque as capacidades dos beligerantes se renovam. Tampouco é descartável a ideia de que Israel volte à carga, findo o drama dos reféns.

A questão palestina seguirá sem solução, ainda mais sob Trump, que em sua primeira encarnação presidencial pensou em atacar o Irã e desenhou uma série de acordos com países árabes que ignoravam o que os cleptocratas de Ramallah pensavam.

Esse formato está gasto devido ao sangue derramado em Gaza. A simbólica paz entre Israel e a Arábia Saudita pode até voltar à pauta, mas dependendo do ânimo de Trump ante a teocracia de Teerã.

A desigualdade nas redações do Enem

Folha de S. Paulo

Disparidade entre rede pública e privada no exame evidencia falha do Estado em promover ascensão social pela educação

Dos mais de 4,32 milhões de inscritos no Enem de 2024, só 12 obtiveram a pontuação máxima (nota 1.000) em suas redações. Desse seleto grupo, apenas uma estudante concluiu o ensino médio numa escola pública. Todos os demais vêm de colégios particulares.

A escola pública exitosa é um colégio de aplicação ligado à Universidade Federal de Viçosa (MG) que seleciona alunos por meio de exame. Assim, é um corpo discente mais elitizado e pouco representativo das instituições de ensino públicas regulares.

A queda ante 2023 é significativa. Naquele Enem, 60 estudantes obtiveram a nota 1.000, dos quais 4 eram de escolas públicas.

Esses dados somam-se a outros indicadores que evidenciam a grande distância que separa o desempenho de estudantes das redes pública e privada.

Relatório de 2023 da ONG Todos pela Educação, com base em números do Sistema de Avaliação da Educação Básica do estado de São Paulo, mostrou que 75,8% dos alunos do ensino médio do sistema particular tinham desempenho adequado em língua portuguesa; no público, a taxa era de 37%. Em matemática os resultados são mais chocantes: 42% e 5,8%, respectivamente.

É falha grave, especialmente quando se considera que a educação é, ou deveria ser, o que americanos chamam de "level playing field" —ambiente que prepara indivíduos para competir em igualdade de condições, ou, ao menos, que permite o desenvolvimento máximo de aptidões.

Se o país não consegue manter um nivelamento mínimo, compromete-se a mobilidade social. É necessário que cada geração tenha perspectivas realistas de conquistar um futuro mais próspero. O poder público brasileiro, entretanto, não tem conseguido cumprir essa tarefa essencial para reduzir desigualdades.

Houve avanços, por óbvio, como a universalização do acesso à educação. Hoje, a maior dificuldade é a evasão, que ocorre principalmente no ensino médio.

Em relação à aprendizagem, observou-se algum progresso ainda concentrado nos anos iniciais do ensino fundamental. Nessa etapa, quase 70% dos alunos da rede pública têm domínio adequado da língua portuguesa (nas particulares, 90%).

A melhoria qualitativa precisa ser a obsessão de todos os gestores em todos os níveis de ensino. Existem experiências de sucesso em várias partes do país que podem e devem ser reproduzidas.

Fazê-lo não é só o caminho para tornar o Brasil mais rico, mas um imperativo moral. É algo que devemos às próximas gerações.

Lula escolhe seu inimigo

O Estado de S. Paulo

Novo ministro da propaganda diz que o governo está em guerra contra as ‘big techs’ porque ‘a mentira nos ambientes digitais ameaça a humanidade’ – e só Lula, claro, é capaz de salvá-la

Cumprindo rigorosamente o que foi chamado a fazer, o novo ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, Sidônio Palmeira, anunciou que o governo de Lula da Silva está em guerra contra as “big techs” para salvar a humanidade.

É o que se depreende do discurso de posse do marqueteiro, que não tem experiência nenhuma em administração pública nem em comunicação institucional, mas conhece como poucos os truques da parolagem eleitoreira e a cabeça de Lula. É a transformação da Secretaria de Comunicação Social em Ministério da Propaganda.

Inventar um inimigo insidioso para gerar medo e galvanizar eleitores é uma estratégia manjada no manual do populismo autoritário. Se “a mentira nos ambientes digitais fomentada pela extrema direita cria uma cortina de fumaça na vida real, manipula pessoas inocentes e ameaça a humanidade”, como discursou Palmeira, então urge que se dê total apoio a Lula, já que o demiurgo petista se apresenta como o líder natural dessa resistência ao mal existencial causado pelas insaciáveis “big techs”.

Eis aí o lulopetismo em estado puro. Para essa turma, “embate político” no ambiente digital significa estigmatizar tudo o que desagrada a Lula, ao governo e ao PT como “fake news”, “desinformação” e, no limite, “ataque à democracia”, o que beira o ridículo. Isso ficou cristalino no discurso de Palmeira, sobretudo quando ele afirma que “a população não consegue ver o governo em suas virtudes” porque, no seu entender, há uma “cortina de fumaça” causada pelas “fake news” que impede que as informações sobre as maravilhas do governo Lula cheguem aos brasileiros. Em tom grandiloquente, o novo ministro atribuiu à comunicação institucional um papel que ela não tem, qual seja, o de ser a “guardiã da democracia” em face do que ele classificou como o “faroeste” que, em sua visão, impera nas redes sociais.

Em outras palavras, o governo Lula se apresenta não só como portador da “verdade” contra as “mentiras” de seus opositores nas redes sociais, mas também como o xerife que enfrentará os bandidos no tal “faroeste” da internet. E o presidente já encarnou esse papel, ao dizer que sancionou a nova lei que proíbe celulares nas escolas para “enfrentar a revolução da mentira” e das “fake news”, promovida por “gente que não presta e mente descaradamente”. “É por isso que nós tomamos a decisão de proibir celular na educação. A gente proibiu para defender as nossas crianças. A gente proibiu para defender os nossos professores. Para defender a nossa educação. Nós queremos continuar humanistas, nós não queremos virar algoritmos nesse mundo.”

Ora, a nova lei não se presta a isso, e sim a resguardar o processo de aprendizagem, o que inclui, fundamentalmente, o respeito e a valorização do trabalho dos professores em sala de aula e a atenção total do aluno ao que ali se ensina, sem distrações.

Para os petistas, contudo, a verdade factual nunca importou – e, em muitos casos, é considerada um estorvo. Note-se que na mesma cerimônia em que o ministro Sidônio Palmeira anunciava sua guerra sem quartel contra a desinformação, seu antecessor, Paulo Pimenta, se referiu ao impeachment constitucional da presidente Dilma Rousseff como “golpe” – uma “fake news” que os petistas repetem incessantemente na expectativa de que se torne verdade. Pimenta se disse “petista raiz”, mas nem precisava.

Já deu para perceber, portanto, qual será a estratégia do lulopetismo na segunda metade do mandato de Lula: inventar uma guerra contra os magnatas estrangeiros da internet para que se pare de falar em inflação, contas públicas deterioradas e dificuldades na articulação política. Mais uma vez, cria-se a “narrativa” de que a democracia está em risco e que apenas Lula é capaz de salvá-la. Ou seja, sem ter o que entregar de concreto como realização de seu governo para reivindicar um novo mandato na eleição de 2026, resta a Lula a mistificação, sua especialidade.

Não foi por falta de aviso

O Estado de S. Paulo

Proposta de pagamento de dívidas estaduais criada pelo Senado e sancionada por Lula não agrada a governadores dos Estados endividados, que mais parecem buscar perdão, e não renegociação

O governo Lula da Silva deve estar arrependido de ter assentido com a possibilidade de renegociar a dívida dos Estados mais encalacrados do País. A despeito das generosas condições oferecidas pela União, os Estados, para surpresa de ninguém, não ficaram satisfeitos. Querem mais, e é bem possível que consigam, seja via Legislativo, seja com a ajuda do Judiciário.

Se todos os Estados aderirem ao programa, a União terá de arcar com até R$ 106 bilhões nos próximos cinco anos. Atualmente, a dívida está em cerca de R$ 760 bilhões, mas quatro Estados respondem por 90% do valor e seriam os principais beneficiários da negociação: São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.

O projeto foi elaborado pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que priorizou critérios para atender Minas Gerais. Mas, durante a tramitação, o Legislativo acatou sugestões dadas por outros Estados endividados e por aqueles que não apresentavam dificuldades financeiras, mas que viram no texto uma oportunidade de obter receitas extras por meio de um fundo de equalização.

Como era previsível, os Estados exageraram. E o governo Lula da Silva, ainda que tenha mantido a essência gastadora do projeto, como a possibilidade de reduzir de 4% para zero a taxa de juros das dívidas estaduais, mantendo apenas a correção pela inflação, acabou por vetar os trechos mais escandalosos.

Entre eles está o que previa acúmulo de benefícios entre o programa anterior e o que acaba de ser criado, o que faria com que a União continuasse a arcar com dívidas estaduais com bancos e organismos multilaterais. O outro é o que possibilitaria o abatimento das parcelas com o uso de recursos de um fundo criado na reforma tributária para incentivo a regiões mais pobres.

Foi o suficiente para revoltar os governadores – e produzir verdadeiras pérolas. Nas redes sociais, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema, disse que o Executivo federal “quer que os Estados paguem a conta de sua gastança”, sem mencionar que o Estado ficou anos sem pagar sua própria dívida.

Em luto, o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, afirmou ser um “dia triste para o federalismo brasileiro”, que teria sido “golpeado pelas costas”. Cobrou ainda “espírito público” dos conselheiros do presidente Lula da Silva. “Essa ideia de um único país, um único povo, foi abandonada definitivamente”, lamentou, omitindo o calote que deu na União quando privatizou a Cedae.

Mais contido, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, anunciou ter recebido “com extrema preocupação e indignação” os vetos presidenciais e cobrou a manutenção da suspensão da dívida do Estado por três anos em razão das enchentes que afetaram o Estado no ano passado.

Por óbvio, nenhum deles destacou as enormes vantagens da proposta, como pagar um empréstimo sem juros ao longo de 30 anos, condição que apenas os pais oferecem aos próprios filhos. Tampouco lembraram que o Tesouro tem emitido títulos a uma taxa média de juros de quase 8% ao ano, o que significa que as condições anteriores à sanção da lei já são bastante interessantes.

A julgar pelas declarações dos governadores Romeu Zema, Cláudio Castro e Eduardo Leite, eles não almejam uma renegociação de suas dívidas, mas sim o perdão. Para isso, os três prometem mobilizar suas bancadas na Câmara e no Senado para convencer o Congresso a derrubar os vetos.

Em meio à gritaria, o eloquente silêncio do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, expôs um racha no grupo e mostrou que nem todos estão dispostos a comprar uma briga tão desarrazoada. Todos os outros 22 Estados e o Distrito Federal não acumulam dívidas tão relevantes, mas provavelmente vão analisar a possibilidade de aderir.

É bom lembrar a origem desse imbróglio. Tudo começou com a ideia – provavelmente tida como genial – do Programa “Juros por Educação”, por meio do qual o governo pretendia reduzir, por cinco anos, as taxas que corrigem a dívida dos Estados a 2% ou 3% para aqueles que se comprometessem a criar vagas na educação profissional técnica e a ampliar o ensino médio integral. Deu no que deu.

Sobra dinheiro nos tribunais

O Estado de S. Paulo

Magistrados do TJ-MT, por exemplo, ganham até 8 vezes o teto, em afronta à Constituição

Este jornal tem noticiado nos últimos dias que juízes em diversos tribunais de Justiça do País receberam na reta final de 2024 salários e benefícios que, somados, superam em muito o teto dos vencimentos no funcionalismo público, que é de R$ 44 mil, valor pago aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), conforme estabelece a Constituição. Parece notícia velha, mas não é: a lei e a moralidade continuam a ser letra morta quando o assunto é a remuneração de magistrados. Se está sobrando dinheiro no Judiciário brasileiro, como parece que está, então está mais do que na hora de realizar cortes e impor aos tribunais o mesmo sacrifício que o resto da sociedade está fazendo diante da evidente escassez de recursos.

Conforme reportagens do Estadão, integrantes do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJ-MT) ganharam até R$ 250 mil – oito vezes o limite constitucional. Lá, todos os 39 desembargadores receberam contracheques muito além do teto. No Tribunal de Justiça de Alagoas (TJ-AL), os ganhos chegaram a R$ 438 mil. Já no Tribunal de Justiça de Rondônia (TJ-RO), um juiz aposentado por invalidez levou R$ 486 mil em razão de direitos eventuais.

O eventual, aliás, virou rotineiro. Isso ocorre porque a receita para aumentar os ganhos dos juízes é sempre a mesma: indenizações isentas de Imposto de Renda permitem o drible ao teto – sempre com a anuência de conselhos superiores. São os já conhecidos “penduricalhos”, pagos a título de auxílio para alimentação, moradia e saúde, entre muitos outros. Na iniciativa privada, a maioria absoluta dos trabalhadores, malgrado ganhe várias vezes menos que os juízes, banca tudo isso com o próprio salário, já que não tem direito a qualquer “penduricalho”.

Nos tribunais, há também criatividade administrativa, como uma “folha corrente”, destinada para os salários-base, e uma “folha complementar”, para esses “direitos eventuais”. Aliás, a maior parcela da remuneração dos magistrados do TJ-MT, por exemplo, é depositada na folha complementar, o que prova que a exceção agora é regra.

Naquela corte, servidores ainda receberam salários acima de R$ 100 mil por mês, e, em dezembro, foi distribuído um “vale-peru” de R$ 8 mil para funcionários e de R$ 10 mil para juízes, um evidente acinte. Após a repercussão negativa, foi solicitada a devolução do dinheiro.

Isso tudo ajuda a entender por que o TJ-MT gasta, em média, R$ 116,6 mil por mês com a remuneração de seus magistrados, segundo o relatório Justiça em Números 2024, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). À frente está apenas o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJ-MS), com média de R$ 120,3 mil por mês. Isso coloca os magistrados dessas duas cortes entre os mais bem pagos do País. Ainda assim, alguns deles são investigados em escândalo de venda de sentenças e foram afastados. Desembargadores chegaram a usar tornozeleira eletrônica.

Logo se vê que, mesmo tendo salários e benefícios que quase ninguém mais tem no País, há gente insaciável no Judiciário.

Tragédias da chuva seguem a desafiar governos

Correio Braziliense

Os dramas enfrentados pela população durante os meses de verão tornaram-se tradição. Mas o comportamento do poder público pouco, ou nada, é alterado

Todos os anos, as tragédias causadas pelas chuvas intensas de verão se repetem. Os dramas enfrentados pela população tornaram-se tradição. Mas o comportamento do poder público pouco, ou nada, é alterado. Ao longo dos meses, as iniciativas para retirar as comunidades de áreas de risco não ocorrem, e, com a chegada da estação mais quente do ano, a situação agrava-se cada vez mais. 

Em Minas Gerais, o cenário de 2025 é sério e preocupante. Até agora, as chuvas provocaram a morte de 25 pessoas e 58 cidades estão em situação de emergência, segundo boletim da Defesa Civil estadual, divulgado nesta terça-feira. O Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) havia previsto chuvas intensas, com grau de severidade, não só em Minas Gerais, mas também lançado alerta para o Distrito Federal e dezenas de municípios de Goiás. Além dessas unidades da Federação, outras 12 sofrem com as chuvas intensas.

No DF, os fortes temporais causaram muitos transtornos aos brasilienses e danos materiais em diversas regiões administrativas, como queda de muro, alagamento em residências, com perdas de móveis e objetos, e carro engolido por crateras. Diferentemente de outros estados, não houve registro de morte decorrente das fortes pancadas de chuvas.

Diante dessas previsões, a Defesa Civil Nacional, por orientação do Ministério da Integração de Desenvolvimento Regional, tem estabelecido contato com os governos estaduais, principalmente de Minas Gerais, São Paulo e Bahia, cujos municípios foram severamente afetados.

Levantamento do Conselho Nacional de Municípios mostra que, de dezembro até agora, fortes temporais causaram R$ 94,4 milhões de prejuízos aos cofres municipais; R$ 21,1 milhões no setor habitacional, sendo 2 mil casas danificadas ou destruídas; e R$ 88,6 milhões de prejuízos ao setor privado, devido aos danos causados na agricultura, na pecuária, na indústria, no comércio e em outros.

Entre abril e maio do ano passado, o Rio Grande do Sul enfrentou uma das maiores catástrofes da sua história, provocada pelos temporais que inundaram 441 municípios (95%) do estado, inclusive, a capital, Porto Alegre. O episódio de origem natural e antrópica, provocado pelo El Niño, elevou o volume de chuvas no Sul do país, que foram intensificadas pelas mudanças climáticas. Ficou constatado que problemas com a manutenção dos diques de prevenção de enchentes e a ausência de planos de ação voltados para as mudanças do clima potencializaram os efeitos das enchentes. Mais de 600 mil pessoas ficaram desabrigadas e 179 morreram. 

Embora o negacionismo em relação às mudanças climáticas domine parcela expressiva da sociedade brasileira e mundial, seus impactos vieram para ficar. Essa realidade impõe ao poder público brasileiro uma revisão do modelo de gestão, já criticada pela lentidão de respostas e outras inabilidades. Não dá mais para manter na invisibilidade as áreas de riscos ocupadas pelos mais vulneráveis social e economicamente. Pontes caem, rodovias sem manutenção derretem, encostas desabam, casas com estruturas comprometidas são desmontadas pela força das águas repetidamente. As advertências dos fenômenos climáticos naturais exigem dos governos políticas públicas compatíveis com as transformações impostas pelo novo normal.

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