segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

Para evitar o custo alto do juro, governo precisa dar resposta fiscal - Sergio Lamucci

Valor Econômico

Para impedir que as taxas fiquem nas alturas, causando estragos na atividade e elevando a dívida pública, o governo precisa enfrentar a expansão dos gastos obrigatórios

A economia brasileira começa 2025 com juros elevadíssimos, que terão impacto sobre o ritmo de crescimento da economia, ao afetar a vida de empresas e consumidores, e sobre as contas públicas, ao elevar os gastos financeiros do setor público. Para evitar que as taxas fiquem nas alturas por muito tempo, segurando a atividade e elevando ainda mais a dívida pública, o governo precisa enfrentar com firmeza a expansão das despesas obrigatórias, algo que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem se recusado a fazer. O custo da inação na área fiscal tem se traduzido num dólar na casa de R$ 6, em um mundo mais adverso para emergentes, e em juros de longo prazo na casa de 7,5%, descontada a inflação.

O cenário que se desenha para o ano é de desaceleração da economia, com alguma perda de fôlego do mercado de trabalho, inflação ainda próxima de 5% e indicadores fiscais negativos - o déficit nominal, que inclui gastos com juros, pode ficar na casa de 8,5% a 9% do PIB, e a dívida bruta deve continuar em alta. Com uma política fiscal frouxa, um dólar que alimenta os índices de preços e expectativas de inflação distantes da meta de 3%, o Banco Central (BC) promove um choque de juros que deverá levar a Selic a 15% ou mais. Em dezembro, o BC indicou que a taxa, hoje em 12,25% ao ano, vai subir 1 ponto percentual em cada uma das duas próximas reuniões, atingindo 14,25%.

O novo presidente do BC, Gabriel Galípolo, enfrenta uma inflação que resiste a ceder, e pode ficar até mesmo acima dos 4,9% esperados pelo mercado para o IPCA de 2024, cujo número final será conhecido na sexta-feira. O dólar na casa de R$ 6 afeta itens como bens industriais, e um índice cheio perto de 5% no ano passado pressiona o indicador de 2025, por meio da inércia, o fenômeno pelo qual a inflação passada alimenta a futura.

Para que haja uma melhora das perspectivas para a inflação, seria fundamental algum alívio no câmbio. Em dezembro, houve um fluxo elevado de saída de dólares do país, em parte ligado a remessas de lucros e dividendos por empresas multinacionais. Esse fator, porém, explica pouco da atual cotação, na visão de Livio Ribeiro, sócio da BRCG Consultoria e pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV). Para ele, é algo que respondeu por menos de dez centavos do preço do dólar, que está em R$ 6,18.

O cenário externo pior também contribuiu para a alta da moeda americana, diz Ribeiro, citando o fortalecimento do dólar no mercado internacional e o aumento dos juros americanos. A expectativa é que, na presidência, Donald Trump adote iniciativas comerciais e fiscais inflacionárias, o que contribui para a valorização do dólar e para o avanço das taxas dos títulos de longo prazo do Tesouro dos EUA.

Mas a piora da percepção do cenário doméstico, com as dúvidas sobre as contas públicas, é o principal fator para o salto do dólar, avalia Ribeiro. O anúncio desastrado do pacote de contenção de gastos e do projeto de isenção de Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$ 5 mil causou estragos. Para ele, as medidas de ajuste pelo lado das despesas garantem “uma pinguela” até o fim do atual governo, mas sem atacar as questões estruturais. Deverá ser possível cumprir as metas de resultado primário (não inclui gastos com juros) aos trancos e barrancos, o que era o objetivo principal do governo.

A proposta da ampliação da faixa de isenção do IR, porém, aumentou a incerteza. Há dúvidas se será possível compensar totalmente a renúncia fiscal com a alta da taxação de quem ganha acima de R$ 50 mil por mês - há o risco de o Congresso desidratar a medida. Além disso, diz Ribeiro, ela terá impacto sobre o consumo. Mesmo devendo entrar em vigor apenas em 2026, será mais um estímulo à demanda num quadro em que o BC tenta trazer a inflação para a meta.

As medidas de contenção de gastos em si não enfrentam as questões centrais do desequilíbrio fiscal, observa ele. As despesas com saúde e educação continuam vinculadas à receita, e a correção de benefícios previdenciários e assistenciais pelo salário mínimo foi mantida. É verdade que o reajuste do mínimo foi limitado pelo Congresso, mas seguirá avançando acima da inflação. Em vez de corrigido pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) do ano anterior e do PIB de dois anos antes, a variação além da inflação ficará no intervalo de 0,6% a 2,5%, o mesmo que corrige as despesas do arcabouço fiscal.

Sem um ajuste fiscal mais duro, é improvável que o dólar tenha um recuo significativo e as expectativas de inflação voltem a se aproximar da meta. O preço a pagar é um juro real altíssimo. A taxa privada de um ano, importante para o custo de empréstimos e financiamentos, está em 9,63% em termos reais, na comparação do swap de 360 dias com a inflação esperada para os próximos 12 meses. Juros nesses níveis deverão afetar planos de investimentos das empresas, além de castigar companhias endividadas - muitos débitos são atrelados ao CDI, que segue de perto o comportamento da Selic. Consumidores também deverão sofrer com o crédito mais caro. Esses fatores deverão desacelerar a economia, que cresceu 3% ou mais nos últimos três anos.

No lado fiscal, juros tão elevados vão afetar o custo da dívida pública. O déficit nominal, que define a dinâmica do endividamento do governo, poderá alcançar 8,5% a 9% do PIB, um dos mais altos do mundo A dívida bruta seguirá o seu rumo para superar 80% do PIB - em novembro, ficou em 77,7% do PIB.

O caminho para ter juros menores de modo sustentado passa por medidas de contenção do ritmo das despesas obrigatórias. Para Ribeiro, contudo, há o risco de o governo seguir outra trilha: adotar iniciativas que ampliem os desequilíbrios, para tentar impedir uma desaceleração mais forte da economia. É o caso de uso mais intenso dos bancos públicos, como o BNDES, de programas de renegociação de dívidas de empresas ou de investimento por empresas estatais. O país teria por algum tempo juros altos, inflação pressionada e um crescimento não tão fraco, mas insustentável. O ajuste fiscal seria adiado, ampliando o custo no futuro. Com um dólar já acima de R$ 6, porém, é possível que simplesmente não haja nenhum espaço para esse tipo de tentativa, pelo risco de uma nova disparada da moeda, que teria efeitos muito negativos sobre a inflação e os juros. Isso não quer dizer que partes do governo e do PT não busquem convencer Lula de enveredar por esse caminho, que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, dá mostras de que não pretende seguir. A palavra final obviamente caberá a Lula, que pode também optar por manter a atual estratégia de só adotar medidas para cumprir as metas de curto prazo - não ampliaria ainda mais os desequilíbrios, mas tampouco resolveria os problemas estruturais.

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