segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

Remédio ou veneno? - Carlos Pereira

O Estado de S. Paulo

Decisão do STF de ligar a execução de emendas às regras do arcabouço recria o poder do Executivo

Quando maiorias devem governar e quando elas devem ser controladas? Essa é a pergunta que os cientistas políticos Steven Levitsky e Daniel Ziblatt se propõem a responder no artigo When should the majority rule? que acaba de ser publicado no Journal of Democracy.

Contrariando a interpretação dominante, que assume que “o sucesso duradouro de democracias necessariamente requer limites significativos à própria democracia”, Levitsky e Ziblatt argumentam que a atuação de controles que limitam ações de governos majoritários pode tanto fortalecer a democracia liberal, como também minar o seu funcionamento.

Dependendo da dose, portanto, organizações contramajoritárias podem ser remédios (indispensáveis) ou venenos (indefensáveis). Controles efetivos a maiorias eventuais podem, por um lado, proteger direitos fundamentais e incentivar o bom governo, como, por outro lado, subverter a democracia ao não permitir que maiorias eleitas governem. Se o presidente eleito é constitucionalmente fraco, mas seu partido é majoritário no Legislativo, a governabilidade não estaria comprometida. Mas interesses minoritários poderiam vir a estar sob risco. Instituições contramajoritárias seriam assim essenciais para impedir eventuais excessos decorrentes da unificação de interesses entre Executivo e Legislativo.

Já em presidencialismos multipartidários, como o brasileiro, presidentes eleitos quase nunca desfrutam de maiorias partidárias no Legislativo. Para governar, o Executivo precisa ser forte ao concentrar poderes e recursos capazes de atrair apoios de uma maioria de partidos. Diante da incompetência dessa maioria legislativa de controlar um Executivo poderoso, instituições contramajoritárias, como o STF, seriam chamadas a exercer esse papel.

Porém, um aspecto negligenciado nesse debate é quando organizações de controle, que supostamente exerceriam um papel contramajoritário, exercerem, na prática, um papel majoritário, ao beneficiar as preferências do governo de plantão. Um exemplo foi a decisão do STF de condicionar a execução de emendas parlamentares ao cumprimento do arcabouço fiscal. Essa interpretação, na prática, devolve a discricionariedade ao Executivo que havia sido perdida com a impositividade da execução das emendas individuais e de bancada. Ainda não restabelece a capacidade de o presidente agir estrategicamente, executando primordialmente emendas de parlamentares mais fiéis da sua coalizão. Mas a decisão do STF teria o potencial de restabelecer a preponderância do Executivo em relação ao Legislativo no Osrçamento, facilitando a governabilidade.

 

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