Folha de S. Paulo
Corte não tem controle sobre a forma como a
sociedade interpreta suas decisões e por isso precisa fugir de polêmicas
menores
Se há algo que nenhum autor controla, é a
forma como será interpretado. Karl Marx provavelmente ficaria chocado com o
caráter autoritário dos regimes que proclamavam agir segundo suas ideias. O
projeto marxista, afinal, era um plano de emancipação, não de subjugação, da
humanidade.
E a forma como cada texto, palavra ou gesto é interpretado depende muito do ambiente circundante. Se em tempos de paz social dá para travar debates públicos sobre questões polêmicas de modo razoavelmente maduro, em momentos de grande polarização afetiva ocorre o inverso. Aí, tudo o que fuja a um juramento de lealdade total a um dos lados na contenda será visto como manifestação de apoio ao outro polo.
Como jornalista, jamais direi que devemos
renunciar à discussão pública de assuntos controversos, mas devemos estar
cientes de que nesses contextos ela produzirá muito mais calor do que luz.
Isso vale com força redobrada para o STF. Em fases
de alta polarização afetiva, até a mais técnica das decisões da corte será lida
por um quinhão da sociedade como um ato de parcialidade, uma intervenção
ilegítima destinada a beneficiar o grupo adversário. Não dá para mudar isso.
A possibilidade de ser mal interpretado não é
obviamente razão para o STF deixar de exercer suas funções e atuar como Poder
contramajoritário. Mas a corte tampouco pode descuidar de sua imagem. No longo
prazo, a legitimidade de suas decisões depende de o tribunal ser percebido pela
sociedade como um órgão em geral isento.
Na prática, isso significa que o STF precisa
escolher bem suas brigas. Não deve ter medo de tomar decisões impopulares e
polêmicas, mas não precisa atravessar a rua para escorregar em cascas de banana
jogadas do outro lado.
Pois é exatamente isso o que o STF fará se
mudar a regra sobre a validade, em julgamentos virtuais, de votos de
ministros que se aposentam. A regra em vigor é de 2022. Não dá para
mudar a jurisprudência como se muda de camisas. Quando isso acontece —e
acontece com frequência no Brasil—, não há como afastar a suspeita de casuísmo.
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