terça-feira, 7 de janeiro de 2025

STF brinca com o casuísmo - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Corte não tem controle sobre a forma como a sociedade interpreta suas decisões e por isso precisa fugir de polêmicas menores

Se há algo que nenhum autor controla, é a forma como será interpretado. Karl Marx provavelmente ficaria chocado com o caráter autoritário dos regimes que proclamavam agir segundo suas ideias. O projeto marxista, afinal, era um plano de emancipação, não de subjugação, da humanidade.

E a forma como cada texto, palavra ou gesto é interpretado depende muito do ambiente circundante. Se em tempos de paz social dá para travar debates públicos sobre questões polêmicas de modo razoavelmente maduro, em momentos de grande polarização afetiva ocorre o inverso. Aí, tudo o que fuja a um juramento de lealdade total a um dos lados na contenda será visto como manifestação de apoio ao outro polo.

Como jornalista, jamais direi que devemos renunciar à discussão pública de assuntos controversos, mas devemos estar cientes de que nesses contextos ela produzirá muito mais calor do que luz.

Isso vale com força redobrada para o STF. Em fases de alta polarização afetiva, até a mais técnica das decisões da corte será lida por um quinhão da sociedade como um ato de parcialidade, uma intervenção ilegítima destinada a beneficiar o grupo adversário. Não dá para mudar isso.

A possibilidade de ser mal interpretado não é obviamente razão para o STF deixar de exercer suas funções e atuar como Poder contramajoritário. Mas a corte tampouco pode descuidar de sua imagem. No longo prazo, a legitimidade de suas decisões depende de o tribunal ser percebido pela sociedade como um órgão em geral isento.

Na prática, isso significa que o STF precisa escolher bem suas brigas. Não deve ter medo de tomar decisões impopulares e polêmicas, mas não precisa atravessar a rua para escorregar em cascas de banana jogadas do outro lado.

Pois é exatamente isso o que o STF fará se mudar a regra sobre a validade, em julgamentos virtuais, de votos de ministros que se aposentam. A regra em vigor é de 2022. Não dá para mudar a jurisprudência como se muda de camisas. Quando isso acontece —e acontece com frequência no Brasil—, não há como afastar a suspeita de casuísmo.

 

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