sexta-feira, 7 de março de 2025

A guinada de Lula - Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

Com a confirmação de que São Sidônio não faz milagre, o governo arregaçou as mangas para dar boas notícias e recuperar a popularidade do presidente Lula. Exemplo: medidas para conter os preços abusivos dos alimentos, decreto para evitar 6% de aumento nas contas de luz, liberação do FGTS de quem tinha optado pelo saque-aniversário e a ampliação do empréstimo consignado para o setor privado, enquanto dá prioridade à aprovação da isenção do IR até R$ 5.000 no Congresso.

Sendo ou não realmente necessárias, são medidas populistas, ou populares, e coincidem com um recuo de Fernando Haddad no palco, a entrada em cena de Gleisi Hoffmann, Lula se preservando e o vice e ministro Geraldo Alckmin assumindo a liderança nos dois principais temas do momento: além da inflação dos alimentos, as negociações com os EUA sobre a taxação de aço e alumínio.

A direção das medidas e o sobe e desce de atores indicam uma guinada no governo à esquerda, mas compensando com mais visibilidade para Alckmin, que tem interlocução mais fluida com setores privados e um Centrão sempre guloso, num momento fundamental para a pauta do governo no Congresso.

Gleisi ao Planalto não é só uma dança de cadeiras, é a sinalização estridente de que o discurso da ala mais à esquerda do PT venceu a parada depois da queda abrupta de Lula nas pesquisas, inclusive no Nordeste e principalmente no Sudeste. Acendeu o sinal vermelho e, nessas horas, quem radicaliza mais, quem fala mais alto, ganha a parada. A ordem é sair do muro, assumir de vez o “dilmismo”, mergulhar no populismo e depois se vê o que fazer. Se não é assim, pelo menos parece.

Para contrabalançar – porque, afinal, Lula tem uma inteligência política muitíssimo superior à de Dilma –, Alckmin ganha mais espaço, abre o leque da sua interlocução externa, Simone Tebet pode ser chamada a aparecer mais, o líder do governo na Câmara tende a ser Isnaldo Bulhões, do MDB, uma isca para o indócil Centrão se sentir em casa no Planalto.

A prioridade de Lula e do governo é recuperar, primeiro, os votos tradicionais do PT, que ameaçam escorrer pelos dedos e ameaçam os 30% de piso eleitoral que Lula sempre manteve, apesar das chuvas, trovoadas, mensalões e petrolões. Mas essa estratégia tem um grande risco: perder os milhões de votos do centro em 2022, para evitar o “mal maior”, que não precisa ser citado. Foram eles que, afinal, deram vitória a Lula – e por margem bastante apertada.

Nesse ambiente de cobertor curto, Lula optou pela esquerdização do governo e percebeu que o plano de sair por aí viajando, dando entrevista para rádios locais, falando besteiras, não daria para o gasto.

Comunicação é importante, mas é preciso fazer política e boa gestão. É isso que mais falta ao governo.

 

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