sexta-feira, 7 de março de 2025

A ‘guinada à esquerda’ de Lula veio para ficar? - Vera Magalhães

O Globo

Ameaças de debandada do Centrão por conta de reforma cheiram mais a tentativa dos partidos de explorar momento de baixa popularidade do presidente

Existe em Brasília certa perplexidade com as primeiras escolhas de Lula na ainda inacabada reforma ministerial. Desde que foi confirmada a nomeação de Gleisi Hoffmann para a articulação política do governo, a avaliação corrente é que o presidente optou por uma guinada à esquerda e que essa será a escolha do figurino para enfrentar as urnas em 2026 — com o próprio Lula como candidato ou com outro designado por ele.

Sim, porque a decisão de tornar o Palácio do Planalto ainda mais petista é, para muitos caciques de partidos que de alguma maneira integram hoje a base aliada, sinal de que Lula cogita pela primeira vez a possibilidade de não se candidatar a um novo mandato, encerrando sua carreira política com uma “volta às raízes”.

A verdade é que o próprio Lula ainda não falou claramente a respeito das razões por que optou pelo nome da atual presidente do PT. O presidente não gosta, mas, na ausência de declarações, seus interlocutores costumam aventar hipóteses e vazar o que ouvem de conversas de bastidores.

A principal razão da nomeação seria premiar a lealdade a toda prova com que Gleisi se portou nos piores momentos de Lula e do PT, incansável em sua defesa. Não há dúvida de que esse é um dos atributos mais desejáveis quando se escolhe uma equipe, mas a política, da forma como está polarizada, permite cada vez menos nuances nas avaliações, e a imagem mais consolidada de Gleisi é de alguém que se opõe fortemente à política fiscal que Fernando Haddad definiu em 2023 e vem tentando implementar a duras penas nestes dois anos e pouco de gestão de Lula.

Por isso, a despeito das ponderações, todas reais, de que Gleisi é hoje alguém com bom trânsito entre os partidos do Centrão — a ponto de o presidente da Câmara, Hugo Motta, ter feito um périplo junto a bolsonaristas próximos a ele pedindo para não bombardearem sua escolha —, sua imagem pública ainda é de alguém com uma visão de esquerda e contrária ao ministro da Fazenda. E mais: que, com sua chegada, o Planalto contará com uma dobradinha sistemática contra qualquer nova tentativa de ajuste de gastos que Haddad venha a propor.

Daí por que as legendas do Centrão, mesmo tendo bom trânsito com Gleisi, estejam na muda diante das sinalizações dadas pela reforma de Lula. Ainda mais porque seus dirigentes não foram sequer chamados pelo presidente, que não disse nem ao menos se pretende, de fato, tentar contemplá-los de forma a contar com eles no palanque no ano que vem. Em resumo: está todo mundo no escuro.

Numa coalizão em que a maioria dos partidos não tem afinidade programática nem ideológica com o presidente, e os arranjos se dão todos na base de cargos e emendas, momentos assim são propícios ao que está na praça neste pós-Carnaval: as ameaças de debandada, muitas delas blefes à espera de ainda mais cargos e mais emendas.

Resta saber se Lula pagará para ver. No seu núcleo mais próximo, muitos observam que ele não acredita que, ainda que agracie os partidos do Centrão com pastas vistosas e cheias de verbas, obterá deles uma promessa antecipada de apoio à reeleição.

Pelo óbvio: essa escolha só se dará lá na frente e estará condicionada a uma série de variáveis, que vão da escolha do nome (ou dos nomes) da direita para enfrentá-lo à sua avaliação no começo do ano que vem, quando as decisões são tomadas para valer.

Lula vem agindo na base da tentativa e (muito) erro para enfrentar a crise de popularidade que se agravou neste primeiro trimestre, mas há quem veja um problema mais de fundo, de desconexão entre ele e o eleitorado que o elegeu em 2022. A tal guinada à esquerda não ajuda e, pelo contrário, pode fazer de todos os esforços pontuais até aqui letra morta caso se cristalize a ideia de que a frente ampla ficou mesmo para trás, e agora é a hora de só a “companheirada”, outro termo que voltou a circular fortemente nos gabinetes da capital, definir os rumos do governo.

 

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