Folha de S. Paulo
'A Lei da Bala, do Boi e da Bíblia' aborda
estratégias de grupos rurais, religiosos e da segurança no centro do poder
Diante de uma série de efervescentes debates
em torno de direitos como a separação entre Estado e religião, armamento, demarcação
de terras indígenas e direitos reprodutivos, incluindo o aborto, crescem
bancadas como a da Bíblia, do boi e da bala, que utilizam desses temas para
promover uma realidade mais fragmentada e menos acessível, favorecendo sua
própria agenda diante da sociedade brasileira.
É essa hipótese que o livro "A Lei da
Bala, do Boi e da Bíblia: Cultura Democrática em Crise na Disputa por
Direitos" busca investigar, tentando entender o histórico e as estratégias
políticas e jurídicas de grupos mais conservadores no centro do poder no país.
A obra, elaborada por pesquisadoras do Laut (Centro de Análise da Liberdade e do Autoritarismo), também busca fazer paralelos sobre como os discursos de grupos e lideranças conservadoras no país, como Jair Bolsonaro (PL), estão ligados ao processo de erosão democrática em todo o mundo.
O Laut é independente e apartidário, fundado
em 2020 por acadêmicos e juristas, e busca estudar o Estado de Direito, a
democracia e suas esferas de debate público. Também tenta monitorar as novas
formas de manifestação do autoritarismo, como em discursos em torno de uma
ordem iliberal, onde há eleições, mas
a sociedade civil é afastada da participação política.
As autoras Adriane Sanctis de Brito, Luciana
Silva Reis, Ana Silva Rosa e Mariana Celano de Souza Amaral afirmam que grupos
religiosos, rurais ou na pauta de segurança pública têm utilizado de uma
linguagem populista para ganhar espaço entre os eleitores, citando também a
necessidade de aproximação da política com a religião para proteger os direitos
individuais e de crença da população.
Esse discurso é combinado com a ideia de que
a agenda progressista tornou os representantes desses grupos —ilustrados como
os defensores de liberdades individuais— vítimas de um processo de desordem ou
de condução errática do país. Essas figuras ainda são transformadas em
defensores do desenvolvimento em meio às crises econômicas e políticas.
Algumas frases são exemplo desta retórica, que pautariam a discussão sobre temas de política nacional, segundo as autoras: "O agronegócio é a coluna vertebral do país", "a Igreja é a promotora do bem comum", "armamento é a salvaguarda contra o crime".
Esses grupos, segue o livro, não precisam
alterar os dispositivos constitucionais para impor uma agenda antipluralista.
As pesquisadoras argumentam que as disputas
pela interpretação do direito e das leis já consolidadas podem tanto configurar
mais liberdade quanto gerar concepções restritivas de cidadania, aumentar a
concentração de poder e até desequilibrar um regime sem a necessidade de um
golpe de Estado.
Para as autoras, é necessário olhar para
esses mesmos discursos e estratégias utilizados pelos grupos conservadores para
frear o desgaste das democracias.
É necessário, segundo a obra, demonstrar que não há oposição, por exemplo, entre direitos individuais e de propriedade e a promoção de direitos sociais e que proteger a atividade econômica do agro, por exemplo, não implica diminuir os direitos dos indígenas e vice-versa.
Luciana Silva Reis, uma das autoras do livro
e professora da Faculdade de Direito da UFU (Universidade Federal de
Uberlândia), argumenta em entrevista à Folha que a necessidade de
conter a escalada autoritária é uma tarefa permanente daqui para frente em todo
o mundo.
Ela vê a responsabilização dos que
participaram dos ataques
golpistas de 8 de janeiro e dos participantes da trama golpista, que
foram recentemente denunciados ao STF (Supremo
Tribunal Federal), como adequada e necessária para enfraquecer a ameaça
autoritária.
Segundo Luciana, a apuração das condutas é
uma das maneiras de fixar sentidos concretos ao que as regras, geralmente
abstratas, dizem, e do que são os valores políticos em uma democracia
—prestação de contas e individualização de atos criminosos, como acontece com
qualquer cidadão.
"O importante é que a cultura política
democrática tenha meios de se resguardar contra interpretações de direitos e
garantias constitucionais que, em cada um desses campos, sejam contrárias ao
pluralismo ou sejam indevidamente restritivas na suas visões sobre quem
'merece' as proteções do Estado de Direito."
Adriane Sanctis de Brito, associada ao
Departamento de História da Universidade Harvard, codiretora do Laut e também
autora da obra, afirma que a publicação é resultado de uma série de discussões
multidisciplinares, que passaram pela ciência política, história, sociologia e
direito.
A pesquisadora espera que o livro contribua
para que a linguagem jurídica seja vista como uma forma de linguagem política,
que constrói sentidos importantes para o Estado e para a sociedade. Adriane
ressalta que o uso da linguagem jurídica no embate político pode apontar para
outras saídas ao enfraquecimento democrático.
"A alteração nos sentidos da linguagem
jurídica permite mudar todos os referenciais não só de políticas sob um
determinado líder, mas de toda a cultura política. Essas alterações são
contextuais a cada momento histórico."
A lei da bala, do boi e da bíblia: cultura
democrática em crise na disputa por direitos
Preço R$ 84,90
Autoria Adriane Sanctis de Brito,
Luciana Silva Reis, Ana Silva Rosa e Mariana Celano de Souza Amaral
Editora Tinta da China Brasil
Páginas 232 páginas
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