Trump significa menos crescimento e mais
inflação
O Globo
É sombria a conclusão de estudo da OCDE
sobre o impacto da guerra comercial na economia global
A partir desta semana, carros importados
começarão a pagar 25% de taxa para entrar nos Estados Unidos,
dez vezes o que pagavam antes. Decretadas na semana passada, as tarifas sobre
automóveis são o último lance na guerra comercial deflagrada por Donald Trump,
cujo desfecho não se vislumbra. O resultado da onda tarifária já está claro.
Ela terá dois impactos na economia global: mais inflação e menos crescimento.
Essa é a conclusão de um relatório da Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE).
A Câmara de Comércio Americana para a União Europeia, a que estão filiadas mais
de 160 empresas dos Estados Unidos que atuam no bloco, estima que a imposição
de tarifas de lado a lado põe em risco US$ 9,5 trilhões em comércio e
investimentos bilaterais.
Trump anunciou em novembro 10% de sobretaxa nas importações da China e, em fevereiro, 25% sobre todas as importações de aço e alumínio. Considerando as duas medidas, a OCDE estimou desaceleração no crescimento mundial de 3,2% em 2024 para 3,1% em 2025 e 3% em 2026. Mas esse é o cenário menos preocupante, em que a Casa Branca continuaria a taxar com gravames adicionais apenas produtos que não fazem parte do acordo comercial dos Estados Unidos, México e Canadá (USMCA). E não considera a última rodada sobre automóveis.
Levando em conta o impacto mais severo das
tarifas e retaliações de seus dois maiores parceiros comerciais, o crescimento
americano, nas projeções da OCDE, cai de 2,8% em 2024 para 2,2% em 2025 e 1,6%
em 2026. A alta no PIB canadense retrocede de 1,5% em 2024 para 0,7% em 2025 e
2026. O México, mais atingido, enfrenta recessão de 1,3% neste ano e de 0,6% em
2025 e 2026. O Brasil não escapa da desaceleração: o crescimento cai para 2,1%
neste ano e 1,4% no ano que vem.
Nas estimativas da OCDE, a inflação segue
a tendência de alta visível no Brasil. Nos Estados Unidos, deverá subir de 2,5%
no ano passado para 2,8% neste ano (em dezembro, a previsão era de 2,1%). Isso
antes de Trump ampliar as tarifas, que aumentam os preços dos importados. A
cada 10 pontos percentuais de sobretaxa às importações, a OCDE estima um
impacto de 0,7 ponto na inflação americana, 0,9 na canadense, 0,3 na europeia e
0,4 na mundial. Para combater tal alta, será inevitável aos bancos centrais elevar
juros, com consequente retração das economias. Não por coincidência agentes
econômicos têm falado em recessão.
O estudo da OCDE não deixa de considerar
que as tarifas geram receitas ao governo. Porém, consideradas as mudanças como
resultado da guerra comercial, tais recursos não serão capazes de equilibrar as
contas públicas. As tarifas deverão gerar necessidade de mais impostos. Os
pesquisadores também avaliaram os efeitos da guerra tarifária no comércio
global. A OCDE calculou os reflexos de uma sobretaxa americana de 10% sobre
todos os seus parceiros comerciais, considerando que eles retaliariam na mesma
proporção. Seria afetado 8,2% do comércio mundial de bens e serviços. Numa
palavra, seria um desastre econômico.
Trump tem dito que haverá uma fase
dolorosa até os Estados Unidos resgatarem sua grandeza econômica perdida.
Afirmou que valerá a pena, ainda que haja recessão. A julgar pela análise
sóbria da OCDE, a dor que ele trará para a economia global não será pequena,
muito menos passageira.
Elo com máfias italianas desafia combate a
crime organizado no Brasil
O Globo
Grupos mafiosos movimentaram pelo menos R$
12 bilhões no país desde 2009, revelam investigações
É preocupante a constatação de que máfias
italianas têm usado o Brasil para lavar dinheiro do tráfico de drogas com a
ajuda de facções criminosas nacionais. Desde 2009, as organizações mafiosas
movimentaram R$ 12 bilhões no país, revelou reportagem do GLOBO, com base na
análise de investigações brasileiras e estrangeiras. Pelo menos 25 acusados
ligados a grupos como Cosa Nostra, ‘Ndrangheta e Camorra foram presos em
território nacional nos últimos dez anos.
O esquema criminoso é robusto e
abrangente, como mostram apurações da Polícia Federal, do Ministério Público e
de autoridades europeias. Em 2020, quando investigadores monitoravam conversas
de mafiosos da ‘Ndrangheta, depararam com mensagens de um representante da
organização na América Latina, que percorria cidades brasileiras estabelecendo
parcerias com o Primeiro Comando da Capital (PCC) a fim de escoar carregamentos
de droga e lavar o dinheiro do tráfico. Preso em 2021, ele foi extraditado no
ano passado para a Itália, onde fechou
acordo de delação premiada.
Para lavar dinheiro, os mafiosos compram
imóveis, usam negócios de fachada em garimpos ilegais da Amazônia e até
empresas que prestam serviço ao poder público. Uma das firmas investigadas
manteve contratos com o governo da Paraíba e uma prefeitura do estado entre
2017 e 2019. Os acusados costumavam receber assessoria de intermediários que
lhes ofereciam empresas e criptodoleiros para lavar os ganhos do crime. Nas
investigações, aparecem nomes de corretora de valores, produtora de eventos,
distribuidoras de combustíveis e de bebidas. Estudiosos desses grupos dizem
que, para os criminosos, o Brasil passou de refúgio a plataforma de negócios.
O poderio e o alcance dos traficantes
transnacionais assustam. Na semana passada, um submersível com 6,5 toneladas de
cocaína foi interceptado na costa de Portugal em
operação de autoridades portuguesas e espanholas, com apoio de organismos
americanos e britânicos. Dos cinco tripulantes presos, três eram brasileiros.
Foi a maior quantidade de cocaína já apreendida na Europa. Autoridades
suspeitam de envolvimento do PCC no negócio.
O Brasil tem fracassado no combate às organizações criminosas, que atuam com espantosa desenvoltura no país. Trata-se de situação complexa demais para ficar restrita ao âmbito dos estados, uma vez que demanda cooperação com autoridades internacionais, investigações sobre movimentações financeiras e combate em todo o território nacional. Não há como a União não se engajar nessa luta. O próprio secretário nacional de Segurança Pública, Mário Sarrubbo, reconheceu que “o Brasil já se encontra num estágio de máfia”. Mas não basta apenas o diagnóstico. É preciso adotar medidas concretas para enfrentar o problema. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança, elaborada pelo Ministério da Justiça, vai na direção correta, ao prever maior participação do governo federal no enfrentamento das organizações criminosas. O Estado precisa ser mais ágil que o crime organizado.
Folha de S. Paulo
Em entrevista à Folha, ex-presidente diz que golpe não teria respaldo; fato, e perturbação da ordem foi incitada por ele
Tornado réu sob acusação
de tentativa de golpe de Estado, Jair
Bolsonaro (PL)
exerce e exercerá seu direito à defesa, não apenas no Supremo Tribunal (STF) mas também
perante seus seguidores e a opinião pública em geral —como
o fez em entrevista a esta Folha.
Longe dos palanques e
ciente da gravidade das acusações que terá de enfrentar, o ex-presidente da
República busca a moderação ao apresentar sua versão para os fatos. Ainda
assim, suas palavras estão longe de descrever uma situação de normalidade.
"Eu conversei com as
pessoas, dentro das quatro linhas, que vocês estão cansados de ouvir, o que a
gente pode fazer? Daí foi olhado lá, [estado de] sítio, [estado de] defesa,
[artigo] 142, intervenção", é o relato de Bolsonaro para nada menos que
discussões internas sobre possibilidades de impedir que se consumasse o
resultado da eleição presidencial.
Ele argumenta que todas
as opções consideradas estão previstas na Constituição de 1988 —o que é
verdade, mas para situações excepcionais de grave perturbação da ordem. E não
havia, durante e após a disputa de 2022, perturbação que não fosse insuflada
pelo próprio bolsonarismo.
Como consta da denúncia
elaborada pela Procuradoria-Geral da República (PGR), o
ex-mandatário intensificou a partir de meados de 2021 sua campanha para
desacreditar as urnas eletrônicas, culminando na famigerada reunião com
embaixadores que o tornaria inelegível posteriormente.
Não havia nem haverá um
mísero indício a sustentar a teoria conspiratória. Foi com base nela,
entretanto, que Bolsonaro se recusou a aceitar publicamente sua derrota
eleitoral e manteve suas falanges mobilizadas em frente de quartéis pelo
Brasil, até a infame invasão das sedes dos Poderes em 8 de janeiro de 2023.
Esse contexto
obviamente não
será ignorado no julgamento do ex-presidente, que não arreda pé de seu
discurso contra a condução e o resultado do pleito. Depoimentos atestam ainda
que os planos para um regime de exceção não foram adiante, em primeiro lugar,
por causa da negativa do então comandante do Exército, general Freire Gomes.
É nesse ponto que
Bolsonaro, conscientemente ou não, faz observações sensatas. "Para você
dar um golpe, ao arrepio das leis, você tem que buscar como é que está a
imprensa, quem vai ser nosso porta-voz, empresarial, núcleos religiosos,
Parlamento, fora do Brasil. O "after day" [sic, dia seguinte], como é
que fica? Então, foi descartado logo de cara."
Como já apontou este
jornal, mostra-se consolidada na sociedade brasileira a ampla preferência pela
democracia e pelo Estado de Direito, e as instituições republicanas —entre
elas, Judiciário, Congresso
Nacional, Forças Armadas—
amadureceram e se fortaleceram nas quatro décadas seguintes ao fim da última
ditadura militar.
A declaração de Bolsonaro não deixa de ser um reconhecimento explícito, embora tardio, desse vigor democrático.
Maus negócios com a
Eletrobras
Folha de S. Paulo
Governo Lula aciona o STF para retomar influência na empresa; para tanto, assina conciliação que impacta cofres públicos
A assinatura do termo de
conciliação entre a União e a Eletrobras,
na quarta (26), põe fim a uma controvérsia que se arrastava desde 2023, quando
o governo Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) questionou a
legalidade do limite ao poder de voto dos acionistas estabelecido na
privatização da empresa em 2022.
O desfecho traz alívio ao
ratificar a validade da operação —balizada em lei aprovada no Congresso Nacional—
que capitalizou a empresa e diminuiu a participação da União no capital da
companhia de 72% para 43%.
Desde então, o voto dos
acionistas foi limitado a 10%, independentemente da participação. Trata-se de
modelo que garante à Eletrobras uma gestão que segue critérios empresariais.
Lula, que criticou a
venda da estatal como "crime de lesa-pátria", queria recuperar a
influência do governo, o que configuraria quebra de contrato, com repercussões
para o mercado de capitais.
Assim, acionou a
Advocacia-Geral da União (AGU) para
entrar com ação no Supremo Tribunal Federal (STF), sob o
argumento de que tal dispositivo societário seria desproporcional. Não se
considerou, porém, que se trata de prática usual e assentada na legislação das
sociedades por ações —foi inclusive adotada na privatização da Embraer, há
mais de 20 anos.
O STF determinou uma
conciliação, agora a ser homologada.
A União deterá 3 de 10
assentos no conselho de administração (antes, possuía 1 entre 9) e o direito de
indicar 1 dos 5 membros do conselho fiscal, o que será aprovado em assembleia
de acionistas, marcada para o fim de abril.
Em troca, o governo
aceitou o limite do poder de voto e assumiu
os custos futuros de construção, ou abandono, de Angra 3, estimados em até
R$ 26 bilhões. O passivo, antes compartilhado com a Eletrobras por meio de sua
participação na Eletronuclear, detentora da usina, agora recai sobre os cofres
públicos.
A resistência de Lula,
baseada na fixação petista contra privatizações e na sanha por cargos, caso das
cobiçadas diretorias de Furnas e Eletronorte, resultou em péssimo negócio para
o erário: influência limitada na empresa e fardo financeiro bilionário.
Ademais, foram
indicados Guido
Mantega para o conselho fiscal e membros da desastrada gestão de Dilma
Rousseff (PT) para o conselho de administração.
A tentativa de
politização tende a ser pouco frutífera, já que a expansão da influência no
conselho é modesta e incapaz de minar o modelo privado de governança.
Inequívoco é o risco de novos prejuízos para o contribuinte.
Questão
cambial continua a preocupar o governo Milei
Milei e o FMI podem tentar uma desvalorização controlada, também arriscada, mas possível
A Argentina deverá atravessar mais um período de incertezas econômicas nos próximos meses, à medida que se aproximam as eleições legislativas de outubro. O governo do presidente Javier Milei não ignorou as necessidades políticas e tentará navegar até outubro mantendo o câmbio valorizado. A volta da inflação será um golpe duro se o câmbio for desvalorizado. O ministro da Economia, Luis Caputo, anunciou que o país está perto de um acordo de US$ 20 bilhões com o Fundo Monetário Internacional, o que seria de enorme valia em geral e um problema em particular. Porta-voz do Fundo disse que está em análise uma pacote “substancial” de empréstimos, condicionado a reformas fiscais, monetárias e cambiais. O governo argentino já avançou bastante nas duas primeiras reformas, mas o FMI aceitará postergar o ajuste cambial atendendo ao calendário político de seu maior devedor? Não seria incomum, mas é raro e problemático.tudo correr como imagina, Milei pode sair das eleições fortalecido e iniciar a fase final da normalização da economia argentina. Mas há riscos importantes, que já estão causando oscilações fortes nos mercados locais. O governo Milei vive uma situação inversa em relação a um ano atrás. A economia vem dando sinais de estabilização e melhora, mas a popularidade do presidente, que resistiu ao período mais duro do ajuste econômico, teve queda nas últimas semanas.
A inflação em fevereiro foi de 2,4%, um pouco acima dos 2,2% de
janeiro, mas ainda assim o acumulado em 12 meses caiu para 66,9% (e seguirá em
queda), contra 117,8% de um ano atrás (quando estava em alta). O PIB cresceu
2,4% no último trimestre de 2024 (após alta de 2,1% no terceiro) e fechou o ano
passado com queda de 1,7%, melhor do que o esperado. O desemprego caiu para
6,9% no quarto trimestre, o menor no governo Milei, mas ainda assim acima dos
5,7% do mesmo período de 2023. E espera-se um aumento neste trimestre. Ou seja,
a economia vem ensaiando uma recuperação, mas em ritmo ainda insuficiente.
Segundo pesquisa do instituto Delfos, divulgada em 16 de março,
55% dos argentinos têm imagem negativa do governo (eram 43% em fevereiro), e
apenas 33% têm percepção positiva (eram 50%). Essa deterioração se deveu a
eventos pontuais, como o escândalo da criptomoeda $Libra e a reação desastrada
do governo às inundações na cidade de Bahía Blanca, mas também ao período
prolongado de ajuste da economia, com duros sacrifícios à população. Nas
últimas semanas houve protestos importantes de aposentados e outros setores.
As eleições legislativas de outubro vão renovar metade da Câmara dos Deputados e um terço do Senado. Um bom desempenho é importante para o governo ampliar sua base de apoio no Congresso e renovar o apoio popular ao programa de ajuste econômico. O maior trunfo eleitoral do governo é a queda persistente da inflação. Só que, para pressionar a inflação ainda mais para baixo e evitar o risco de um novo repique nos preços, o governo vem adotando estratégia arriscada, de olho no calendário eleitoral.
Desde o fim de 2024, o peso argentino vem se fortalecendo em
relação ao dólar. Isso se deve à entrada de dólares no sistema financeiro (com
incentivos à regularização e repatriação de divisas) e à política do Banco
Central de vender a moeda americana para manter a cotação baixa. O dólar fraco
ajuda a segurar ainda mais a inflação, pois barateia o custo dos produtos
importados. Cria ainda uma sensação de que riqueza que os argentinos não
sentiam havia anos e que se traduziu numa enxurrada de importações.
Mas o câmbio apreciado causa também efeitos colaterais
prejudiciais. A Argentina ficou cara, o que derrubou o turismo estrangeiro e
encareceu os produtos exportados. A indústria local reclama de perda de
competitividade. O resultado foi que o saldo comercial despencou no início de
ano, com risco de haver déficit nos próximos meses. Além disso, a redução no
fluxo de entrada de dólares dificulta que o BC acumule reservas das quais o
país precisa desesperadamente.
Sem um nível adequado de reservas, o governo vem adiando a
retirada das medidas de controle de capital, que impedem a livre flutuação do
peso e o acesso irrestrito a divisas. E essa restrição cambial é justamente o
que mais dificulta hoje uma retomada forte da economia, pois inibe o
investimento estrangeiro e o ingresso de financiamento externo.
A ajuda do FMI é essencial. A instituição apoia o programa de Milei, mas teve frustrações severas com os governos de Mauricio Macri - além do fracasso de execução, foi acusado de auxiliar eleitoralmente o então candidato - e Alberto Fernández. Caputo espera que com auxílio de US$ 20 bilhões do FMI e linhas de outras instituições multilaterais, elevará as reservas de US$ 26 bilhões para US$ 50 bilhões. Na verdade, elas são negativas em US$ 6 bilhões. É difícil que o Fundo entregue ainda mais dinheiro (já emprestou US$ 44 bilhões) para sustentar um peso valorizado. Milei e o FMI podem tentar uma desvalorização controlada, também arriscada, mas possível. Sinais de volta da inflação corroerão o prestígio do governo e sua potência eleitoral. A questão cambial continua a assombrar mais um presidente argentino.
A arapuca bolsonaristas
O Estado de S. Paulo
Após virar réu no STF,
Jair Bolsonaro inflacionou o preço a cobrar dos possíveis candidatos da direita
em 2026, que precisam optar entre a moderação ou o apoio a um evidente golpista
No discurso de 50 minutos
que fez após a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de torná-lo réu por
tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de
Direito, o ex-presidente Jair Bolsonaro deixou ainda mais difícil a tarefa dos
líderes da direita brasileira que tentam se credenciar como candidatos à
Presidência em 2026. Ao dobrar a aposta no tom político de sua defesa, atacando
a legitimidade do STF para julgá-lo, retomando a sua ofensiva contra o sistema
eleitoral e as urnas eletrônicas e creditando seu julgamento a uma suposta
tentativa de tirá-lo do jogo no ano que vem, Bolsonaro deixou claro ao País:
qualquer liderança que pretenda herdar seus votos precisará estar
umbilicalmente ligada a ele e afinada com o mais puro tom do bolsonarismo raiz.
Não foi apenas um
discurso de defesa de si mesmo ou um exercício do sagrado direito de espernear
permitido pelas boas democracias, mas a montagem definitiva da armadura
bolsonarista para a disputa presidencial. “Parece que tem algo pessoal contra
mim”, disse Bolsonaro, mais uma vez disposto a se apresentar como vítima de
perseguição política. Afirmou não haver “crime nenhum não passar a faixa” ao
presidente Lula da Silva, como se seu golpismo e reconhecido desapreço à
democracia se restringissem à ausência na posse do sucessor. Negou ter havido
uma trama golpista. Declarou que o Tribunal Superior Eleitoral “influenciou,
jogou pesado contra eu (sic) e a favor do candidato Lula”. E voltou a sugerir,
sem provas, fraudes nas urnas eletrônicas, afirmando que não é obrigado a
“confiar em um programador”.
Foram 50 minutos de
improviso – mas espertamente calculado – em que Bolsonaro pôde inflacionar o
preço cobrado dos governadores Tarcísio de Freitas (São Paulo), Ronaldo Caiado
(Goiás), Romeu Zema (Minas Gerais) e Ratinho Júnior (Paraná), listados como seus
possíveis herdeiros. Até mesmo Caiado, o único do grupo que é mais crítico ao
ex-presidente, moderou sua fala sobre a decisão do STF, deplorando, como
Ratinho Júnior, o fato de a decisão ter ficado restrita à Primeira Turma, e não
ao plenário, e pregou o óbvio, isto é, a garantia do direito à ampla defesa.
Zema derramou-se em elogios (“o maior líder da oposição ao governo do PT”) e
desejou-lhe a recuperação dos direitos políticos.
Mas o maior desafio recai
mesmo sobre Tarcísio de Freitas, não só por ser o favorito, como também por ser
o mais dedicado e enfático defensor de Bolsonaro, enquanto tenta se apresentar
como moderado e democrata – o exato oposto do que o padrinho é. Nas últimas
semanas, Tarcísio esteve ao lado do ex-presidente em entrevistas e no ato de
defesa da anistia aos golpistas, reafirmou apoio ao ex-presidente tanto em
relação ao julgamento do STF quanto à eleição de 2026 e declarou que o padrinho
provará inocência, enquanto o ouviu dizer que há três opções da direita para a
candidatura de 2026: “Jair, Messias ou Bolsonaro”. Em contrapartida, fez
elogios à Justiça Eleitoral, definindo-a como “garantidora da democracia”, tipo
de discurso que costuma ser tratado como heresia pelos bolsonaristas mais
empedernidos.
Tarcísio parece ter feito
o cálculo de que estar com Bolsonaro não tira necessariamente votos do
eleitorado anti-Lula e anti-PT, mas se afastar do ex-presidente o inviabiliza
entre os eleitores mais fiéis do bolsonarismo. Como Bolsonaro já está inelegível
e provavelmente será condenado e possivelmente preso, é muito remota a hipótese
de ser ele mesmo o candidato. Desse modo, Tarcísio se apresenta como leal a
Bolsonaro num momento de agonia política e se candidata a ser o ungido do
bolsonarismo. Trata-se de um cálculo de lógica eleitoralmente razoável.
Há momentos na História,
entretanto, que exigem coragem de lideranças para escapar do mero oportunismo
eleitoral. É este o caso. Para o bem do Brasil, qualquer candidato da direita
deveria cumprir uma obrigação moral: não só se afastar do golpismo, como condená-lo
nos mais duros termos, censurando o extremismo que Bolsonaro representa. Sem
meios-termos. Sujeitar-se à arapuca que Bolsonaro montou é negar ao País a
possibilidade de recobrar a moderação, a qualidade do debate público, a
pacificação e a esperança de uma política exercida com lentes liberais e
republicanas.
A tropa de Lula na
Eletrobras
O Estado de S- Paulo
Para suas novas vagas nos
conselhos da empresa, Lula indica Mantega e uma plêiade de aliados que conhecem
o setor elétrico e saberão como ninguém fazer prevalecer os interesses do
governo
Após a retomada de vagas
nos Conselhos de Administração e Fiscal da Eletrobras, o governo Lula da Silva
fez o melhor uso possível, segundo seus propósitos, dos assentos que conquistou
na empresa. Para o Conselho Fiscal, indicou ninguém menos que o ex-ministro da
Fazenda Guido Mantega, e para as vagas no Conselho de Administração, três
figuras muito conhecidas do lulopetismo no setor elétrico – Mauricio
Tolmasquim, Nelson Hubner e Silas Rondeau.
Ao longo do ano passado,
Lula havia tentado emplacar Mantega na presidência da Vale e, depois, no
Conselho de Administração da mineradora, usando para isso a participação da
Previ na companhia, mas a tentativa de intervenção em uma das maiores empresas
do País pegou tão mal que o governo se viu obrigado a recuar. O ex-ministro
também foi cogitado para assumir uma vaga no Conselho de Administração da
Braskem, em vaga pertencente à Petrobras, mas a ideia não foi adiante.
Para Lula, Mantega foi um
dos personagens mais injustiçados pela Operação Lava Jato. Era, portanto,
questão de honra e de oportunidade encontrar um lugar para acomodar o aliado
que por mais tempo ocupou o cargo de ministro da Fazenda durante o período democrático,
atravessando os mandatos de Lula e de Dilma Rousseff, de março de 2006 até o
fim de 2014.
Ao optar por um acordo
para encerrar a ação direta de inconstitucionalidade que a Advocacia-Geral da
União impetrou no Supremo Tribunal Federal para aumentar o número de assentos
da União em seus conselhos, a Eletrobras acabou por criar as condições perfeitas
para que o plano pudesse se concretizar sem resistência. Isso porque, nos
últimos meses, a Justiça reconheceu a prescrição de uma denúncia contra o
ex-ministro relacionada à Operação Zelotes e, em 2023, anulou uma condenação
que pesava contra Mantega em razão das pedaladas fiscais que levaram ao
impeachment de Dilma. O Tribunal de Contas da União, por sua vez, havia
inabilitado o ex-ministro a assumir cargos públicos até 2030, mas a decisão não
inclui vagas em conselhos de empresas.
No Conselho Fiscal da
Eletrobras, caberá a Mantega e seus colegas fiscalizar a atuação da diretoria e
do Conselho de Administração e proteger os interesses da companhia. Poderia ser
uma tarefa potencialmente desafiadora tentar conciliar a posição do governo e a
dos acionistas minoritários sobre o melhor caminho para a empresa, mas a
chegada dos três nomes do governo para o Conselho de Administração da companhia
deve facilitar seu trabalho.
Para esses assentos, o
governo não brincou em serviço e indicou alguns de seus melhores e mais
experientes técnicos do setor elétrico: o ex-diretor-geral da Agência Nacional
de Energia Elétrica (Aneel) Nelson Hubner, o ex-presidente da Empresa de
Pesquisa Energética (EPE) Mauricio Tolmasquim e o ex-ministro de Minas e
Energia e ex-presidente da Eletrobras, Silas Rondeau.
Hubner e Rondeau estão,
respectivamente, no conselho e na presidência da Empresa Brasileira de
Participações em Energia Nuclear e Binacional (ENBPar), holding que ficou
responsável por Itaipu e Eletronuclear após a privatização da Eletrobras, além
da Indústrias Nucleares do Brasil. Tolmasquim, por sua vez, é diretor de
Transição Energética da Petrobras.
Incautos poderão apontar
a existência de um insolúvel conflito de interesses entre a Eletrobras, a
Petrobras e a ENBPar, fator que poderia impedir a posse dos conselheiros. Ora,
é exatamente assim que o lulopetismo opera: onde o mercado enxerga conflito, o
governo vê uma confluência de interesses de forma a garantir que sua visão
prevaleça sobre as empresas, sejam elas públicas, privadas ou sociedades de
economia mista.
Diferentemente dos
ministros da Previdência Social, Carlos Lupi, e da Igualdade Racial, Anielle
Franco, que foram indicados para o conselho da Tupy para engordar seus
vencimentos, Tolmasquim, Hubner e Rondeau entendem como poucos de setor
elétrico e saberão como ninguém fazer com que os interesses do governo na
Eletrobras prevaleçam, a despeito do esforço do discurso da empresa para
mostrar o contrário.
Essa será a função primordial dos indicados, e os acionistas minoritários devem estar cientes disso. O PT, afinal, voltou, e não aprendeu nada nem esqueceu nada do que fez nos últimos anos.
A agonia da democracia
turca
O Estado de S. Paulo
O golpe na oposição pode
significar um ponto de não retorno na autocratização liderada por Erdogan
agoniza há tempos. Em
índices de liberdades democráticas, como os da Freedom House, da Economist
Intelligence Unit ou do Varieties of Democracy, o regime turco é classificado
respectivamente como “não livre”, “híbrido” e uma “autocracia eleitoral”. Mas a
recente detenção do líder de oposição e prefeito de Istambul, Ekrem Imamoglu,
talvez seja indexada no futuro como o momento em que a Turquia cruzou o Rubicão
rumo a uma ditadura plena.
O presidente Recep Tayyip
Erdogan tem seguido o manual do autocrata contemporâneo e manietado
instituições democráticas para sufocar a democracia. Nos anos 2000, seu
partido, o Justiça e Desenvolvimento (AKP), se apresentou como um movimento de
renovação democrática. Após crises financeiras lançarem as elites e
instituições em descrédito, Erdogan aglutinou segmentos dispersos – pobres,
islamistas, nacionalistas – contra o status quo rico,
secularista e cosmopolita. Ao se tornar ele mesmo o status quo, o
AKP liderou o retrocesso ao regime mais autoritário e corrupto na história
turca recente. Após uma tentativa de golpe dos militares em 2016, Erdogan se
sentiu legitimado a explicitar seus instintos autoritários, sufocando
dissidências internas, enfraquecendo o Parlamento, colonizando o Judiciário e
cooptando a imprensa.
Em anos recentes, houve
reações democráticas. Imamoglu derrotou o candidato de Erdogan à prefeitura de
Istambul em 2019 e nas eleições regionais de 2024 liderou a maior retaliação ao
AKP em 20 anos. Ele goza de confortável vantagem sobre Erdogan nas pesquisas
para as eleições presidenciais que devem ocorrer até 2028.
Na quarta-feira passada,
mais de cem lideranças da oposição foram presas. Imamoglu é acusado de
corrupção e terrorismo. Um dia antes, a Universidade de Istambul cassou seu
diploma – um requisito para candidatos à presidência.
Foi o assalto mais
truculento à democracia turca até então. Erdogan segue decididamente os passos
do autocrata russo Vladimir Putin. Em seus cálculos, decerto contou a
facilidade com que o presidente americano, Donald Trump, acomoda ditadores em
sua política externa. Os europeus esperam estreitar laços com a Turquia para
fortalecer sua arquitetura de segurança contra a Rússia. De resto, a Turquia
abriga milhões de refugiados que Erdogan poderia despejar na Europa. De fato, a
reação das democracias ocidentais oscilou entre tímida e nula.
A aposta de Erdogan pode
render grandes dividendos, mas tem seus riscos. Ele pode querer ser como Putin,
mas a Turquia não é a Rússia, cujos recursos naturais conferem algum grau de
autonomia, enquanto a Turquia depende muito mais de investimentos externos. A
reprovação dos mercados foi imediata. A população foi às ruas, na maior onda de
protestos em 12 anos. A repressão tem sido brutal. Mas já em 2019 a tentativa
de invalidar a candidatura de Imamoglu sucumbiu à indignação popular, e pode
ser que Erdogan a esteja subestimando de novo agora.
Não é impossível, portanto, que no futuro este seja visto como o momento de inflexão das forças democráticas na Turquia. Mas, realisticamente, a probabilidade é de que seja mesmo o momento de sua capitulação.
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