Correio Braziliense
O Brasil deve muito a Sarney, que enfrentou
período marcado por forte instabilidade econômica e ampla mobilização social,
com firme convicção democrática
O ex-presidente José Sarney, prestes a
completar 95 anos, teve um papel decisivo na democratização do país, ao
convocar a Constituição de 1987 e trabalhar para a que a transição política ao
Estado democrático de direito chegasse a bom termo. Não foram poucos os
desafios que enfrentou na Presidência, após a internação de Tancredo Neves, na
véspera de sua posse. Vice, assumiu a Presidência em 15 de março de 1985.
No próximo sábado, Sarney será homenageado pela Fundação Astrojildo Pereira e pelo Cidadania, ao lado de alguns deputados constituintes, entre os quais Aécio Neves (PSDB) e Roberto Freire (Cidadania). Será durante seminário no Panteão da Pátria, na Praça dos Três Poderes. Segundo Comte Bittencourt, presidente do partido, “o objetivo é resgatar o papel histórico de Sarney e fazer balanço dos 40 anos de redemocratização do país, suas conquistas, dívidas e desafios”. O “Correio Braziliense” apoia a iniciativa.
Participarão dos debates a presidente do
Tribunal Superior Eleitoral, Carmem Lúcia, o ex-ministro do STF Nelson Jobim, o
ex-ministro da Fazenda Rubens Ricúpero, o ex-governador do DF Cristovam
Buarque, o ex-ministro da Defesa Raul Jungmann, o ex-presidente uruguaio Júlio
Maria Sanguinetti e o cientista político norte-americano Mark Lila, autor de “O
progressista de ontem e o de amanhã”, ao lado de outras autoridades,
personalidades políticas e intelectuais.
Duas coisas hoje impressionam os
interlocutores de Sarney: a lucidez política, seja ao analisar os fatos
ocorridos durante seu mandato, seja a conjuntura política atual, e o seu
otimismo em relação ao Brasil, sem perspectiva imediatista, com uma visão de
longo prazo. Pensar estrategicamente na sua idade é algo notável, sobretudo
quando as principais lideranças políticas do país são prisioneiras do
imediatismo ou, o que é muito pior, do passado.
Sarney avalia que o principal legado do seu
governo é a Constituição de 1988, porque as instituições brasileiras
demonstraram resiliência ao superar crises políticas e tentativas de ruptura
institucional. O ex-presidente critica a facilidade e excesso de emendas à
Constituição e destaca a necessidade de uma reforma político-eleitoral que
fortaleça os partidos e reforce as bases da democracia no Brasil.
O Brasil deve muito a Sarney (1985-1990), que
enfrentou um período marcado por forte instabilidade econômica e ampla
mobilização social, com firme convicção democrática. Foram 8.790 greves que
ocorreram em seu governo, que refletiram, ao mesmo tempo, o ambiente de
liberdade e a insatisfação dos trabalhadores com perdas salariais e
deterioração das condições de vida. As mais importantes foram as greves gerais
de 12 de dezembro de 1986 e de julho de 1987, organizadas pela CUT (Central
Única dos Trabalhadores), reivindicando melhores salários, congelamento de
preços e contra as políticas econômicas do Plano Cruzado e Plano Bresser.
Constituinte de 1987
O momento mais crítico do governo foi a greve
dos metalúrgicos da Companhia Siderúrgica Nacional, de novembro de 1988. A
Justiça concedeu reintegração de posse à empresa e convocou para reprimir os
operários o Exército, que invadiu a fábrica para retomá-la em 9 de novembro.
Durante confronto com grevistas, três operários foram mortos: Carlos Augusto
Barroso (19 anos), Walmir Freitas Monteiro (27 anos) e William Fernandes Leite
(22 anos).
Tendo que administrar disputas políticas no
Congresso e conviver com oposição mobilizada nas ruas, Sarney fez várias
tentativas de estabilização da economia. O Plano Cruzado (1986) congelou
preços, mudou a moeda de cruzeiro para cruzado e adotou gatilho salarial
(reajuste automático de salários quando a inflação atingisse 20%). No primeiro
momento, reduziu a inflação, o que lhe garantiu grade apoio popular e notável
impacto nas eleições de 1986.
O plano teve mais sucesso político do que
econômico: o PMDB elegeu 22 dos 23 governadores (exceto Rio de Janeiro), 49
senadores, 487 deputados federais e 953 deputados estaduais. Isso possibilitou
a eleição de uma Assembleia Nacional Constituinte na qual o governo tinha ampla
maioria. A disputa era entre o MDB e o antigo Centrão, uma aliança do PFL (hoje
União Brasil) com o PSD (atual PP). De orientação nacional-desenvolvimentista,
o cruzado fracassou devido ao desabastecimento, ao mercado paralelo e à explosão
da inflação reprimida.
A segunda tentativa foi o Plano Bresser
(1987), cujo objetivo era aperfeiçoar o Plano Cruzado. Após breve redução da
inflação, a hiperinflação voltou. Marcado pelo ceticismo, o Plano Verão (1989)
foi mais um fracasso, às vésperas das eleições presidenciais de 1989. Houve
nova troca de moeda, do cruzado para o cruzado novo, congelamento de preços e
salários e juros elevados para tentar conter o consumo e controlar a inflação.
Esse ambiente favoreceu os principais candidatos de oposição: Collor de Mello (PRN) venceu as eleições no segundo turno, contra Luís Inácio Lula da Silva (PT). Leonel Brizola (PDT) ficou em terceiro lugar no primeiro turno. Graças à convocação da Constituinte e sua habilidade política, Sarney legou aos seus sucessores um regime político democrático.
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