O Globo
Combate ao crime organizado exige atuação coordenada de instituições fortalecidas e com competências bem definidas
A recente decisão do Conselho Superior
do Ministério
Público Federal (MPF) de criar o Grupo Nacional de Apoio ao
Enfrentamento ao Crime Organizado (Gaeco Nacional) suscita graves
questionamentos jurídicos e institucionais. Primeiramente, a proposta nem
sequer foi amplamente debatida com as forças de segurança pública e suas
associações. A medida — aprovada sem fundamentação legal e constitucional —
levanta dúvidas sobre sua legitimidade e eficácia.
A Constituição Federal, nos artigos 128 e 129, delimita as competências do Ministério Público, sem prever um órgão como o Gaeco Nacional. Criado por resolução do Conselho Superior do MPF, o grupo deveria ser submetido a uma lei específica. A ausência de base legal pode abrir margem a questionamentos judiciais futuros.
O respeito à legalidade e ao devido
processo legislativo garante que mudanças estruturais respeitem os marcos
constitucionais. Um dos principais problemas do Gaeco Nacional é sua
operacionalização. O MPF não possui corpo técnico especializado em investigações
e dependeria da requisição de servidores de outras forças, como policiais
militares e rodoviários federais. Esse deslocamento fragiliza atividades
preventivas e ostensivas essenciais para a segurança pública.
A criação do Gaeco Nacional também amplia
o risco de investigações duplicadas. O Supremo Tribunal Federal já tomou
posição contra apurações paralelas sobre o mesmo fato, pois isso compromete a
eficiência da persecução penal e prejudica o direito de defesa. A duplicidade
também implica custos adicionais. Criar uma estrutura investigativa no MPF
desvia recursos que poderiam fortalecer a Polícia Federal (PF), uma instituição
consolidada e reconhecida por sua expertise.
A PF já sofre com contingenciamentos
orçamentários que impactam investigações em curso. Investir nela, em vez de
criar um órgão redundante, traria mais eficiência ao combate ao crime
organizado. Vale destacar que a PF apresenta índices de quase 85% de solução de
inquéritos, mas carece de recursos até para indenizações de sobreaviso de seus
policiais e não dispõe de indenização por periculosidade.
Mesmo reconhecida pela sociedade, a
carreira de delegado de Polícia Federal tem sido desvalorizada, tornando-se
menos atraente entre as carreiras jurídicas, o que representa um retrocesso.
O combate ao crime organizado exige
atuação coordenada de instituições fortalecidas, com competências bem
definidas. A PF já desempenha esse papel com excelência, não havendo
necessidade de sobreposição de funções.
*Luciano Leiro é presidente da Associação
Nacional dos Delegados de Polícia Federal
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