sábado, 26 de abril de 2025

É nosso dever lutar contra a anistia - José Dirceu*

O Globo

Projeto só tem um objetivo: livrar Jair Bolsonaro e sua camarilha de covardes de responder pelo crime de alta traição

Parece mentira, mas tem apoio na Câmara dos Deputados a proposta de anistiar os golpistas e os participantes do ataque e destruição dos símbolos da República e da democracia, os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Salta à vista o absurdo de deputados e deputadas proporem anistia para os que depredaram o mesmo plenário onde pretendem que se aprovem a impunidade e a cumplicidade com um golpe de Estado.

Todo o resto é agravante: os atentados de 12 e 24 de dezembro, o risco de uma tragédia no Aeroporto Internacional de Brasília e, por fim, a destruição das sedes dos três Poderes em 8 de janeiro de 2023. Podemos ver os desdobramentos do plano golpista, culminando com o Punhal Verde Amarelo e a participação dos kids pretos, integrantes das Forças Especiais do Exército sediados em Goiás, cuja missão seria eliminar o presidente da República, o vice e um ministro do STF. Simples assim.

Estão envolvidos na tentativa de golpe de Estado o ex-presidente Jair Bolsonaro e mais 33 membros de seu governo e das Forças Armadas. Para ter uma ideia da gravidade do alto escalão, temos nada menos que o ex-diretor-geral da Abin Alexandre Ramagem, o ex-comandante da Marinha Almir Garnier, o ex-ministro da Justiça Anderson Torres, o ex-titular do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência, general Augusto Heleno, o ex-comandante do Exército e general Paulo Sérgio Nogueira, o ex-ministro da Defesa e ex-candidato a vice-presidente, general Braga Netto, e o ex-ajudante de ordens Mauro Cid.

Depois temos seis denunciados que dirigiram a ação de órgãos policiais, coordenaram o monitoramento de autoridades, apoiaram os manifestantes acampados e elaboraram minutas golpistas. Outro grupo de 13 denunciados pressionou integrantes da cúpula do Exército a apoiar o golpe e, por fim, oito integrantes do núcleo de desinformação e ataques às urnas eleitorais e instituições e autoridades.

Anistia e indulto são atribuições do Legislativo e do Executivo, respectivamente, e é verdade que podem ser concedidas antes do trânsito em julgado. Mas a anistia é vedada a crimes inafiançáveis e imprescritíveis como os cometidos por grupos armados contra o Estado. Logo, pode ser inconstitucional ou vetada pelo presidente da República. O indulto é um perdão jurídico que extingue a pena de um condenado e restaura sua liberdade, de competência exclusiva do presidente.

Mesmo a proposta de dosimetria das penas não tem base na realidade e nos julgamentos até agora concluídos. Vejamos: dos 1.682 denunciados, 1.039 já foram condenados, 542 foram beneficiados por penas alternativas, prestação de serviços comunitários, multas e restrições de direitos, 240 receberam penas de um ano, 246 condenações por crimes leves e 251 por crimes graves, com penas de três a 17 anos e seis meses. Nada que justifique a acusação de penas agravadas ou fora da lei penal se levarmos em consideração a gravidade dos atos praticados.

Câmara e Senado têm soberania para aprovar a anistia; o presidente para vetar; e o STF para julgar sua constitucionalidade; mas a maioria do país é contra. E nós, que vivemos a ditadura militar, sabemos o que aconteceria se Bolsonaro fosse vitorioso. Se assassinariam o presidente, o vice ou um ministro do STF, podemos deduzir que viveríamos um banho de sangue no país, com uma ditadura de longa duração. E nos custaria de novo anos de privação do mais sagrado direito, a liberdade.

Assim, é nosso dever lutar contra a anistia que, no fundo, só tem um objetivo: livrar Jair Bolsonaro e sua camarilha de covardes de responder pelo crime de alta traição que praticaram, ele e os militares que juraram defender a Constituição e a conspurcaram.

*José Dirceu, advogado, foi deputado, ministro e presidente do PT

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.