O Estado de S. Paulo
Complexidade gera corrupção e o sistema
tarifário está agora preparado para o desastre
Tarifas ainda estão no nível mais alto em mais de 100 anos, segundo Laboratório Orçamentário de Yale
Foi uma reviravolta aclamada em todo o mundo.
Depois de insistir que não mudaria de ideia sobre suas tarifas e classificar
qualquer um que o pressionasse a fazê-lo como um “Panican (um novo partido de
pessoas fracas e estúpidas)”, o presidente Donald Trump mudou de ideia e
suspendeu suas tarifas recíprocas por 90 dias (exceto sobre a China) enquanto
negocia acordos com os países.
Mas pode ser prematuro suspirar aliviado. Por
exemplo, as tarifas americanas ainda estão no nível mais alto em mais de 100
anos segundo o Laboratório Orçamentário de Yale, o que custará caro aos
americanos. Ainda mais importante, essas negociações tarifárias inevitavelmente
resultarão numa torrente de corrupção. A economia americana está se
transformando do maior livre-mercado do mundo no principal exemplo de
capitalismo clientelista.
Uma economia de mercado funciona melhor
quando as restrições são limitadas – e especialmente quando essas restrições
são claras, justas e aplicáveis a todos. Quanto mais complexos os impostos, as
regras e as regulações, maior a ineficiência – conforme demonstram estudos
realizados em vários países, como Índia, Nigéria e Marrocos.
Mais significativo, porém, é que quanto maior for a complexidade, maior será a corrupção. Junto com as tarifas vêm as isenções tarifárias, frequentemente concedidas a centenas de setores, empresas e até produtos específicos. Em 2018 e 2019, o governo Trump anunciou uma série de tarifas, incluindo 25% sobre o aço, e também um programa de isenções, que recebeu cerca de 500 mil solicitações.
INSTINTO. Nesta semana, quando questionado
sobre como determinaria essas isenções, Trump respondeu: “instintivamente”.
Estudos mostram que instintos de políticos geralmente favorecem seus
financiadores, o que, por sua vez, incentiva a corrupção generalizada.
Isso ocorreu em relação a tarifas durante
grande parte da história americana, até que Franklin Roosevelt mudou o sistema
e, com o tempo, nas palavras de Paul Krugman, “a política tarifária deixou de
ser notoriamente suja para se tornar notavelmente limpa”.
Agora, está ficando mais suja rapidamente. Um
estudo acadêmico detalhado sobre as tarifas impostas no primeiro mandato de
Trump constatou que “empresas que fizeram investimentos substanciais em
conexões políticas com republicanos, anteriormente e no início do governo,
tiveram maior probabilidade de obter isenções para produtos que, de outra
forma, estariam sujeitos a tarifas. Por outro lado, empresas que fizeram
contribuições para políticos democratas tiveram menores chances de obter
aprovação em isenções tarifárias”.
O estudo analisou mais de 7 mil pedidos de
isenção de tarifas para a China no primeiro mandato e constatou que uma doação
de apenas US$ 4 mil a candidatos democratas reduziu as chances das empresas de
obter isenção para menos de 1 em 10.
Conforme observou Timothy Carney, do centro
de análise conservador AEI, “a primeira eleição de Trump provocou uma explosão
no lobby comercial” – de 921 clientes com lobistas trabalhando em comércio
exterior para um pico de 1.419, em 2019.
Com as tarifas mais altas do mundo
industrializado, o bazar americano abriu. Países e empresas irão a Washington
fechar acordos e obter exceções, isenções e condições especiais. Nas últimas
semanas, o Vietnã anunciou uma série de medidas destinadas para obter um bom
acordo comercial.
Entre elas, a aprovação para a Starlink, de
Elon Musk, operar no país e um plano para acelerar um projeto da Trump
Organization. De fato, pelo menos 19 projetos imobiliários com a marca Trump em
todo o mundo estarão em desenvolvimento enquanto ele for presidente, e
possivelmente muitos outros estão em preparação.
Trump lançou sua própria empresa de rede
social e sua própria moeda meme; outros países certamente veem tudo isso como
um convite para investir – e influenciar as políticas externa e econômica dos
EUA.
WALL STREET. Tem sido profundamente
desanimador ver alguns dos capitalistas americanos lendários – figuras
canônicas de Wall Street – endossarem um processo de negociação por meio do
qual o livremercado dos EUA será marcado por tarifas, impostos, regras,
isenções e exceções.
Vale a pena relembrar a repetida advertência
de Milton Friedman: “Você pode conseguir que qualquer empresário de destaque
faça um discurso eloquente sobre as virtudes do livre-mercado. Mas, quando se
trata de seus próprios negócios, eles querem ir a Washington obter uma tarifa
especial para proteger seus negócios. Querem alguma dedução fiscal especial.
Querem algum subsídio fiscal.”
A Índia em que cresci era um país cheio de
tarifas, barreiras altas projetadas para defender a indústria nacional e
protegêla do que era percebido como uma concorrência estrangeira desleal. Isso
gerou estagnação, pobreza e muita corrupção, politizando completamente a
economia. Nenhuma empresa de qualquer porte na Índia seria capaz de sobreviver
sem uma boa relação com o governo.
Quando cheguei aos EUA, fiquei entusiasmado
ao ver que a maioria das empresas realizava seu trabalho pouco se preocupando
com quem estivesse na Casa Branca. Mas agora vejo pioneiros da tecnologia
exaltando servilmente a genialidade de Trump em entrevistas e titãs de Wall
Street apressando-se em postar felicitações ao presidente em estilo
norte-coreano por seu brilhantismo ao salvar a economia de suas próprias ações
– e me pergunto: em que país estou vivendo?
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