Correio Braziliense
É importante a reflexão sobre 1964 para
que os fatos não se repitam como tragédia, ou seja, para que outra tentativa de
golpe não tenha êxito
Desde a redemocratização, há 40 anos,
nunca foi tão importante relembrar o golpe de 1964. Embora nossas instituições
democráticas tenham revelado resiliência ao debelar a intentona de 8 de janeiro
de 2023, o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) dos envolvidos na
conspiração golpista, entre os quais o ex-presidente Jair Bolsonaro, três
generais de Exército e um almirante de esquadra, não é um tema pacífico no
Congresso Nacional, mesmo tendo sido um dos palácios invadidos e depredados por
bolsonaristas inconformados com a eleição do petista.
As articulações para aprovação de uma
anistia aos envolvidos, o que inclui o ex-presidente Jair Bolsonaro, que está
inelegível, são a comprovação de que o passado sombrio precisa ser levado em
conta no presente. Foi o que fez o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ontem,
sem alimentar ressentimentos em relação às Forças Armadas, que foram
fundamentais para que fracassasse a tentativa de o destituir, uma semana após a
posse.
“Hoje é dia de lembrarmos da importância da democracia, dos direitos humanos e da soberania do povo para escolher nas urnas seus líderes e traçar o seu futuro. E de seguirmos fortes e unidos em sua defesa contra as ameaças autoritárias que, infelizmente, ainda insistem em sobreviver”, escreveu Lula no seu perfil do X.
“Não existe, fora da democracia, caminhos
para que o Brasil seja um país mais justo e menos desigual. Não existe um
verdadeiro desenvolvimento inclusivo sem que a voz do povo seja ouvida e
respeitada. Não existe justiça sem a garantia de que as instituições sejam
sólidas, harmônicas e independentes”, acrescentou.
Lula completou: “Nosso povo, com muita
luta, superou os períodos sombrios de sua história. Há 40 anos, vivemos em um
regime democrático e de liberdades, que se tornou ainda mais forte e vivo com a
Constituição Federal de 1988. Esta é uma trajetória que, tenho certeza,
continuaremos seguindo. Sem nunca retroceder.”
“Lembrai-vos de 64”, perdão pelo
trocadilho com o título do livro de Ferdinando Carvalho sobre a atuação do
Partido Comunista Brasileiro (PCB), publicado pela Biblioteca do Exército, em
1981, mas é o caso. O general é autor de mais duas obras sobre o mesmo tema,
porém ficcionais: Os Sete Matizes do Rosa e Os Sete Matizes do Vermelho, ambos
de 1977.
Seus livros até hoje alimentam o discurso
de ódio dos saudosistas do regime militar, principalmente aqueles que tomaram
de assalto o Palácio do Planalto, o Congresso e o Supremo com objetivo de
provocar uma intervenção militar e destituir o presidente Lula. Carvalho
escreveu Lembrai-vos de 35 (Biblioteca do Exército) com o objetivo de conter a
abertura política durante o governo do general João Baptista Figueiredo, após a
anistia de 1979 e o restabelecimento das eleições diretas para governadores,
marcadas para 1982.
Radicalização política
Enfraquecido na Presidência pelo avanço da
oposição, que vencera as eleições proporcionais de 1974 e 1978, Figueiredo era
desafiado pelos porões do próprio regime militar, de onde partiam os atentados
terroristas em bancas de jornais, gráficas, até contra a Ordem dos Advogados do
Brasil (OAB) e a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), que clamavam por
democracia e liberdade.
A disposição terrorista dos militares
envolvidos com sequestros, torturas e assassinatos de oposicionistas nos
quartéis, que também haviam sido beneficiados pela anistia, não tinha limites.
Até que deu errada a ação terrorista promovida por membros do DOI-Codi e
setores da linha dura militar em 30 de abril de 1981.
Durante um show de MPB com 20 mil pessoas,
no Rio Centro, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, uma bomba explodiu
acidentalmente em um veículo, matou um sargento e feriu um capitão do Exército,
enquanto outro artefato, posicionado no gerador, não foi detonado.
O caso expôs divisões nas Forças Armadas e
intensificou o movimento por mudanças democráticas. A imprensa teve um papel
fundamental na denúncia de abusos e na luta pela verdade histórica durante a
transição, sua atuação na cobertura desse atentado é um marco do jornalismo
brasileiro.
Alguns jovens cadetes e oficiais
influenciados àquela época pelas obras de Carvalho voltariam ao poder com a
eleição de Jair Bolsonaro (PL) à Presidência, em 2018, entre eles o ex-ajudante
de ordens do general Silvio Frota e general de Exército Augusto Heleno,
ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência, com
destacada liderança militar.
A matéria-prima dos livros de Carvalho é o
Inquérito Policial Militar (IPM) nº 7.098 (1964-1966), do qual foi responsável,
para apurar as atividades do PCB no território nacional. Muito do que a direita
ideológica brasileira fala hoje sobre a esquerda no Brasil reproduz suas teses.
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