terça-feira, 15 de abril de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Discussão vexatória sobre anistia trava a pauta do Congresso

O Globo

Debate sobre projeto deixa em segundo plano temas urgentes — das redes sociais aos supersalários

O Congresso Nacional desmente a máxima de que, no Brasil, o ano só começa depois do carnaval. Chegou a Páscoa, e o Parlamento não votou nenhuma pauta de interesse do país, com exceção da aprovação (atrasada) do Orçamento. Todas as energias estão voltadas às pautas vexatórias de anistia aos golpistas do 8 de Janeiro e emendas parlamentares. Parece até que nada urgente depende do Legislativo. No cargo desde fevereiro, os presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), deveriam acelerar o ritmo. Trabalho não falta.

A regulamentação das redes sociais segue sem receber atenção. Em junho do ano passado, o então presidente da Câmara, Artur Lira (PP-AL), anunciou a criação de grupo de trabalho com a missão de elaborar um texto para substituir o Projeto de Lei (PL) das Redes Sociais, alvo de ataques da oposição. No prazo de 90 dias, o Parlamento receberia o conteúdo novo para debate. Até agora, nada. Enquanto isso, as redes sociais continuam a trazer riscos, e as plataformas digitais a fingir que nada têm a ver com o assunto.

A Câmara também pena para dar andamento ao PL 2.338/23, sobre inteligência artificial. No fim de 2024, o Senado aprovou texto do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) com regras para empresas e a implantação de um organismo de governo responsável pela supervisão. Os senadores tomaram o cuidado de proibir o uso de ferramentas de IA para o Estado avaliar ou classificar cidadãos no acesso de bens e serviços, uma restrição sensata. Outras mereceriam revisão dos deputados, mas só agora começa a ser estabelecida a comissão especial para tratar do tema.

A Previdência dos militares continua parada na Câmara. O custo do beneficiário do regime previdenciário das Forças Armadas é quase 19 vezes superior ao de um aposentado ou pensionista do INSS. O pagamento de proventos a militares inativos ou pensionistas gerou déficit de R$ 51 bilhões em 2024. Para atenuar a distorção, o PL 4.920/24 muda regras para quem perde posto ou patente e estabelece idade mínima para a transferência à reserva. Por certo, as mudanças precisariam ser mais profundas. Mas o PL é um ponto de partida — e segue estacionado.

No Senado o projeto sobre supersalários foi esquecido. No Brasil, o avanço da elite do funcionalismo sobre o Orçamento não tem trégua. É corriqueiro juízes e procuradores receberem acima do limite constitucional para vencimentos no setor público. O custo é alto: de 2019 a 2023, só juízes da ativa e aposentados receberam R$ 32,8 bilhões acima do teto. Batizadas de “verbas indenizatórias”, as exceções têm as mais esdrúxulas finalidades: auxílio para a compra de vestuário, alimentação e até pré-escola. O texto em tramitação no Congresso foi desfigurado para manter as benesses. Os privilegiados lutam para não perder os privilégios. E os parlamentares dizem amém.

Além de bloquear a pauta e monopolizar discussões no Congresso, os esforços para anistiar golpistas são injustificáveis. Os criminosos foram condenados pelo crime mais grave numa democracia. Mesmo que o Congresso quisesse passar uma borracha nele, o Supremo Tribunal Federal (STF) na certa declararia a decisão inconstitucional, por atentar contra a cláusula pétrea da Constituição que estabelece o regime de governo. Crimes contra a ordem constitucional e o Estado Democrático são inafiançáveis e imprescritíveis.

Aumento de descontos em benefícios do INSS sugere fraudes disseminadas

O Globo

Soma destinada a sindicatos alcançou R$ 89 milhões em 2024, quase o triplo do total arrecadado em 2022

O aumento significativo na arrecadação de sindicatos com descontos nos benefícios previdenciários já deveria ter feito soar o alarme no INSS. Mas, pelo visto, as queixas de irregularidades só têm incomodado os beneficiários. Como mostrou reportagem do GLOBO com base em números obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação, esses descontos somaram no ano passado R$ 88,6 milhões, quase o triplo do arrecadado em 2022 (R$ 30,7 milhões).

Surpreende que o INSS não saiba dizer precisamente o motivo da escalada na arrecadação dos sindicatos. A alíquota de contribuição não varia, mas o aumento do salário mínimo, referência para os benefícios, se reflete no valor arrecadado, de acordo com o instituto. Apenas isso, porém, não explica a disparada de arrecadação nos últimos anos nem a enxurrada de reclamações. A suspeita é que proliferem fraudes e descontos indevidos.

O desconto sindical pode ser cobrado de aposentados e pensionistas, mas precisa de autorização prévia do beneficiário. Por isso, têm chamado a atenção as queixas de segurados surpreendidos com descontos em seus contracheques. Relatório do próprio INSS mostra que em apenas um ano as reclamações desse tipo cresceram 280%. Uma auditoria identificou, entre janeiro de 2023 e maio de 2024, descontos indevidos de R$ 45,5 milhões.

Uma idosa de São Luís Gonzaga do Maranhão (MA) precisou entrar com processo contra uma confederação agrícola que lhe descontava R$ 30 todo mês. Desde 2020, perdeu mais de R$ 1,5 mil. O advogado que a representa explicou que ela não sabia conferir o extrato do INSS. Muitas vezes, a situação de vulnerabilidade favorece práticas indevidas. Um advogado da cidade de Floriano (PI), representante de cerca de 60 processos de segurados pedindo ressarcimento de valores, diz que a maioria dos casos envolve cidadãos da zona rural que não sabem ler nem escrever.

É certo que os sindicatos perderam arrecadação com o fim do imposto sindical decretado pela reforma trabalhista de 2017. Mas isso não é problema do beneficiário. Fica claro que falta fiscalização eficaz. O descontrole acontece também com empréstimos consignados. Embora o INSS alegue que as irregularidades venham sendo combatidas e que as queixas sejam tratadas na Ouvidoria, o crescimento dos descontos e das queixas mostra que as medidas tomadas, como a possibilidade de bloqueio do desconto pelo usuário, não são suficientes.

É uma insensatez jogar nos ombros do beneficiário a tarefa de verificar se o valor recebido está correto. A maioria nem confere o extrato, e o desconto de pequenos valores todos os meses dificilmente é percebido. Não é o cidadão que tem de provar que não autorizou o que não pediu. É o INSS que tem de fiscalizar se os sindicatos agem de forma idônea ao solicitar descontos.

Peso tem perda moderada com liberação cambial na Argentina

Valor Econômico

Ainda que risco de calote seja alto, FMI vê uma oportunidade, com a persistência de Milei e a direção correta de seus programas, de que o país possa sair de uma crise de dívida e crescimento que se tornou crônica

Um novo empréstimo do Fundo Monetário Internacional (FMI), US$ 12 bilhões imediatos de um total de US$ 20 bilhões, permitiu que o governo de Javier Milei retirasse boa parte das enormes e bizantinas restrições à compra de dólares no país, retomando condições flexíveis que foram interrompidas há seis anos, em 2019. O Fundo disponibilizou mais dinheiro para a Argentina, sua maior devedora, desde que a liberação cambial começasse agora, antes das eleições de outubro, com apoio do governo argentino, preocupado com o descolamento entre a cotação oficial e a do paralelo da moeda americana, que se alargava perigosamente. Não houve uma explosão das cotações no primeiro dia. O dólar oficial teve valorização moderada, de 12%, enquanto havia a expectativa de que ele rapidamente avançasse 40% ou mais, de acordo com o cálculo de defasagem acumulada feito por analistas privados. A cotação do dólar blue, paralelo, por seu lado, recuou mais de 7%.

A estreia da liberação parcial das transações em dólar marcou o início de uma nova banda cambial, entre 1 mil e 1,4 mil pesos. Na sexta-feira, o dólar paralelo foi cotado a 1.380 pesos e o oficial, a 1.098 pesos. Ou seja, a banda criada foi larga o suficiente para abranger até mesmo uma diferença de pouco mais de 20% entre os dois. Se a cotação encostasse no dólar paralelo, confirmaria os piores temores do governo, o de uma nova maxidesvalorização que atiçasse com força a inflação, que, depois de quedas consecutivas, voltou a subir nos últimos dois meses. Pelo novo esquema, o BC venderá pesos quando o dólar ultrapassar o teto e comprará quando ele romper o piso.

O apoio financeiro do FMI pode ser suficiente para que nos próximos dias a desvalorização do peso até retroceda. Por alguns de seus cálculos, a valorização do peso se situa entre 15% e 20%, mais em linha com o deslize da moeda americana no primeiro dia de semiliberdade cambial. O reforço para as reservas veio em boa hora. Com o esquema anterior de desvalorização do peso de 1% ao mês e uma inflação que em março chegou a 55,9%, a defasagem aproximava-se de um patamar perigoso, que convinha corrigir o mais rápido possível.

O programa do FMI, com a qual a instituição espera que o país passe da fase de estabilização para a de recuperação, foi feito aparentemente sem grandes divergências com o governo de Milei, que mais que cumpriu as etapas do acordo anterior, ultrapassando por conta própria as metas da instituição. Ele fez com que o déficit fiscal de pouco mais de 3% se tornasse um superávit de 1,8% do PIB - uma virada drástica de 5 pontos percentuais -, com corte de 30% nos gastos primários. O ajuste derrubou a inflação no fim do exercício dos 211,4% que recebeu para 117,8% em seu primeiro ano no cargo, e em março caiu novamente pela metade. Isso teve um custo severo. Cerca de 53% da população caiu na linha de pobreza (hoje são 38,1%), os investimentos recuaram 17%, mas o FMI diz que foi uma das recessões mais curtas da história recente do país, durando três trimestres. Os dados indicam que a economia voltou a crescer bem, deve evoluir 5,5% este ano, e os salários começaram a fazer o caminho de volta, com alta de 10% real de junho a dezembro de 2024.

Milei, eufórico, disse que cumpriu a promessa de liberar os argentinos da “Alcatraz” do cepo (controle) cambial e que em meados do ano que vem a inflação chegará a zero. Pode ser mais um rompante de otimismo oficial obrigatório. Pelo acordo, a inflação deverá fechar este ano entre 18% e 23%, e entre 10 e 15% no ano que vem, para se situar em 7,5% ao ano, ainda muito alta, até 2030.

O acordo com o FMI tem três pilares, o das reformas, o da manutenção da austera política fiscal e o do reforço da flexibilidade cambial e aumento das reservas. Esse último pilar é o mais importante de imediato, porque as defesas contra nova demonstração de insegurança econômica dos argentinos, que historicamente leva a fuga de divisas, são extremamente frágeis. As reservas brutas caíram para US$ 13,1 bilhões a partir de meados de 2024 e as reservas líquidas ainda são negativas em US$ 6 bilhões. Por isso seu crescimento passou a ser um critério de desempenho do plano, e, para o FMI, será “uma de suas principais âncoras”. Elas terão de aumentar liquidamente em US$ 4 bilhões este ano e US$ 8 bilhões no próximo.

Com o apoio do FMI e o cumprimento do plano, a reserva bruta chegará a US$ 47,7 bilhões este ano. Ainda assim, pode não ser suficiente a curto prazo, em caso de novas turbulências, que se tornaram mais prováveis desde a posse de Donald Trump na Presidência dos Estados Unidos.

Os juros terão de desempenhar um papel de apoio à política cambial, e devem subir para tornar atrativas as aplicações em pesos, evitando que se convertam em dólares - o FMI recomenda que se diminua a oferta de títulos de renda fixa indexados à inflação ou em dólar

Na avaliação do staff do FMI, os riscos de a Argentina não pagar a instituição continuam muito altos, mas ainda veem uma oportunidade, com a persistência de Milei e a direção correta de seus programas, de que o país possa sair de uma crise de dívida e crescimento que se tornou crônica.

Argentina tenta superar atraso histórico de sua moeda

Folha de S. Paulo

Milei elimina teto para compra de dólar e permite flutuação do peso; livre mercado é rumo para superar falta de divisas

Como o Brasil dos anos 1980, a Argentina abriga um vasto mercado paralelo de dólares devido a cotações oficiais irrealistas e limites draconianos impostos pelo poder público para a compra da divisa americana. Um passo importante para superar esse arranjo arcaico teve início nesta segunda (14).

Após fechar mais um acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), outra rotina brasileira do passado, o governo de Javier Milei anunciou o fim do teto de US$ 200 para a compra de dólares por pessoas físicas no mercado oficial —o "cepo cambiário", que existia desde 2019.

Já as cotações oficiais passarão a flutuar em uma banda de 1.000 a 1.400 pesos, limites que terão ajustes de 1% ao mês, e as intervenções do Banco Central ficarão restritas a momentos de alta volatilidade. Aqui houve bandas cambiais nos anos 1990, antes do regime de livre flutuação adotado em 1999 e em vigor até hoje.

Como seria de esperar, o dólar teve forte alta no primeiro dia de flexibilização, passando de menos de 1.100 para mais de 1.200 pesos, minimizando a diferença em relação ao mercado paralelo. De todo modo, manteve-se no intervalo fixado, o que pode ser considerado um bom resultado.

Com escassez crônica de reservas em moeda forte, a Argentina depende dos US$ 20 bilhões proporcionados pelo FMI para manter suas relações com o restante do mundo. Um câmbio mais realista, ademais, favorecerá as exportações do país. O risco, como de costume, é de mais inflação.

O governo do ultraliberal Milei promoveu um duríssimo ajuste nas finanças do governo, que passou a ser superavitário no ano passado e logrou reduzir a alta dos preços —ainda assim, foram elevados 3,7% em março.

A Casa Rosada também expandiu a meta anual de saldo orçamentário e proibiu o BC de emitir pesos sem lastro em dólares das reservas cambiais, como meios de refluir a pressão inflacionária decorrente da desvalorização cambial, que já está no horizonte.

Kristalina Georgieva, diretora-gerente do Fundo Monetário, disse que a Argentina "mereceu" a ajuda. Advertiu, porém, que o país "continua a enfrentar vulnerabilidades e desafios estruturais" para lidar com riscos globais e seus próprios obstáculos ao crescimento sustentável.

A reforma cambial anunciada continua longe de unificar a miríade de taxas e controles vigentes na Argentina. Há um longo e difícil trabalho pela frente, ainda mais depois de uma série de calotes internacionais do país.

A pretensão de controlar taxas de conversão entre moedas foi abandonada por governos em todo o mundo nas últimas décadas, dado a multiplicação dos capitais em movimento na globalização.

Abraçar o livre mercado no câmbio tem custos iniciais, mas é caminho quase inevitável para garantir a oferta. O Brasil o fez —e deixou para trás uma longa tradição de crises de dívida externa, escassez de divisas e desvalorizações cavalares.

Populismo autoritário vence no Equador

Folha de S. Paulo

Daniel Noboa, responsável por instituir uma política linha dura em segurança que infringe direitos humanos, é reeleito

Com mais de 98% dos votos apurados após a eleição no Equador no domingo (13), o presidente direitista Daniel Noboa foi reeleito com 55,63%, enquanto a candidata de esquerda Luisa González obteve 44,37%.
A diferença de 11,26 pontos percentuais contrasta com a de 0,17 ponto no primeiro turno —44,17%, para Noboa, ante 44%.

Por isso, a oposição alega fraude. Na véspera do pleito, Noboa decretou mais um estado de exceção. Segundo González e seus apoiadores, a medida se anteciparia às manifestações contra o resultado das urnas. Note-se, porém, que Noboa também acusou irregularidade quando não venceu no primeiro turno.

As missões de observação da União Europeia e do Mercosul disseram no domingo que tudo ocorria dentro da normalidade. Outras viram irregularidades, mas não sinal de fraude.

González está ligada ao esquerdista Rafael Correa, que governou o país de 2007 a 2017, foi condenado por corrupção e atualmente vive na Bélgica. O fato de a candidata não ter conseguido angariar mais votos entre as duas etapas da eleição pode indicar um certo "anticorreísmo".

Fenômenos do tipo são comuns em ambientes polarizados, quando o eleitorado vota não exatamente a favor de um pleiteante, mas contra outro pelo qual tem grande repulsa —no Brasil, a acirrada disputa presidencial se 2022 se deu entre dois postulantes de elevada rejeição, o vitorioso Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL).

O pleito equatoriano se deu num cenário político conturbado. O vencedor ocupa a Presidência, conquistada também sobre González em outubro de 2023, após o então mandatário Guillermo Lasso dissolver o Parlamento e antecipar eleições para escapar do próprio impeachment. A campanha foi marcada por atos de violência, incluindo o assassinato a tiros de um candidato.

Violência que marca a história recente do país. Devido a disputas entre facções criminosas ligadas ao narcotráfico, a taxa de assassinatos por 100 mil habitantes chegou a 38 em 2024 —de acordo com uma pesquisa britânica, foram 6 a cada 100 mil em 2016.

Noboa instituiu uma política linha dura, com militarização da segurança e sucessivos decretos de estado de exceção. Com isso, conseguiu só leve redução nos homicídios (em 2023, a taxa era de 47/100 mil) à custa de graves infrações aos direitos humanos.

Com apoio de Donald Trump, Noboa quer aumentar a presença militar dos EUA no país que governa. O autoritarismo populista no Equador está longe do fim.

A farsa do Orçamento ‘municipalista’

O Estado de S. Paulo

Parlamentares destinaram meio bilhão de reais em emendas individuais para fora de suas bases, o que contraria a tese de que os políticos usam as emendas para atender quem os elegeu

O Estadão mostrou recentemente que, nos últimos quatro anos, deputados e senadores destinaram mais de R$ 550 milhões em emendas individuais para Estados e municípios com os quais não tiveram qualquer vínculo eleitoral no período. A título de exemplo, é como se um deputado com base em Petrolina (PE) indicasse uma emenda individual para, supostamente, custear a construção de uma unidade básica de saúde em Diadema (SP).

Ilegal não é, mas obviamente isso contraria a tese, sustentada ardorosamente pelos parlamentares quando se trata de defender as emendas, de que só eles conhecem os problemas da região onde se elegeram e, por isso, são capazes de destinar os recursos necessários para resolvê-los. Esse deveria ser o espírito do “orçamento municipalista” de que falava o deputado Arthur Lira (PP-AL), nos tempos em que presidia a Câmara, sempre que era questionado sobre o orçamento secreto. Agora se vê que a generosidade “municipalista” dos nobres deputados não conhece fronteiras municipais ou estaduais, abrindo uma avenida para a malversação de recursos públicos, sobretudo no contexto do fortalecimento do Congresso em relação ao Poder Executivo na esteira do orçamento secreto.

Supondo que haja verdade onde só há cinismo, a “municipalização” do Orçamento em nada elimina, muito ao contrário, o imperioso respeito aos princípios constitucionais da eficiência e da transparência nos gastos públicos – totalmente ausente, por óbvio, na manipulação do orçamento secreto. Não por outra razão, o Supremo Tribunal Federal (STF) tenta há mais de dois anos pôr fim ao esquema, exigindo a fixação de critérios objetivos que garantam a rastreabilidade das emendas e a avaliação dos resultados das políticas públicas em tese promovidas com esses recursos.

Quando deputados e senadores contradizem com a maior caradura a mesma lógica territorial que juram defender, impõem camadas extras de desfaçatez, contradição e imoralidade ao processo aparentemente irrefreável de apropriação das verbas discricionárias pelo Congresso sem uma nesga de racionalidade e, o que é ainda pior, ao abrigo de quaisquer controles republicanos.

Alguém poderá argumentar que meio bilhão de reais é quase nada diante da magnitude do Orçamento da União – quase R$ 6 trilhões em 2025, dos quais R$ 50,4 bilhões são destinados às emendas parlamentares. Mas isso não tem a menor importância. Não se trata de números, mas do espírito republicano – ou melhor, da falta deste – no trato dos recursos dos contribuintes.

Independentemente do valor, é um desafio ao bom senso compreender por que um grupo de parlamentares do Tocantins, por exemplo, destinou R$ 18,2 milhões para São Paulo, Estado com o qual Tocantins nem faz fronteira. Tudo é ainda mais suspeito quando se considera que esses valores provieram exclusivamente de emendas individuais, rubrica orçamentária que, supostamente, presta-se ao atendimento de necessidades locais, identificáveis pela relação direta que os parlamentares têm com suas bases eleitorais.

Como se não bastasse a completa subversão não apenas do Orçamento da União como também do próprio regime presidencialista, o repasse interestadual das emendas individuais – proibido pelo STF na modalidade “emenda Pix” em agosto de 2024 – ainda produz o que o economista Marcos Mendes chamou de “desertos orçamentários”, municípios “esquecidos” pelos parlamentares por falta de interesse político em investir no bem-estar de suas populações.

O País todo perde com essa fragmentação orçamentária agravada pela falta de transparência no manejo dos recursos públicos. Até seria possível conceber a destinação interestadual de emendas individuais caso estivéssemos maduros o bastante para formular políticas públicas voltadas ao desenvolvimento nacional de forma orgânica e estruturada. Mas o Brasil está longe desse ideal, o que permite que interesses políticos individuais, nem sempre republicanos, ditem a aplicação de verbas federais sem qualquer critério técnico ou escrutínio público.

Receita para voo de galinha

O Estado de S. Paulo

Estudo mostra que o investimento em bens de capital no Brasil em 2023 foi de 16,4%, contra média mundial de 26%, e o País poupa menos que o Paraguai. E Lula ainda estimula o consumo

A formação bruta de capital fixo (FBCF) no Brasil foi de 16,4% do PIB em 2023, bem abaixo da média mundial de 26%, de acordo com dados do IBGE e do Banco Mundial compilados pelo especialista em políticas públicas Rogério Nagamine Costanzi.

Em artigo publicado no boletim da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), o especialista constata ainda que a FBCF brasileira é inferior não só à de países emergentes como Índia (30,8%) e Rússia (21,9%), mas também à de vizinhos sul-americanos como Paraguai (20,6%), Argentina (18,6%), Bolívia (17,5%), Colômbia (17,4%) e Uruguai (17,4%) – a média da América Latina e Caribe é de 19,1%.

De um total de 143 países selecionados da base de dados do Banco Mundial, no ano de 2023, o Brasil ocupava um vergonhoso 124.º lugar em nível de investimento.

Os dados são preocupantes porque a FBCF é um importante indicador do nível de investimento que gera condições para o crescimento sustentado. A FBCF mede o quanto as empresas ampliaram seus bens de capital – maquinários e equipamentos, por exemplo –, ou seja, o quanto investiram em bens que produzem outros bens.

Taxas mais elevadas de FBCF sinalizam que a capacidade de produção do país está crescendo e que o empresariado se sente otimista em relação ao futuro. Como se vê, o baixo índice de investimento no Brasil explicita que nem uma coisa nem outra são realidade.

Pior, tem sido assim historicamente. De acordo com o levantamento de Costanzi, os investimentos passaram de 20,6%, na média entre 1970 e 2002, para 17,8%, na média entre 2003 e 2023.

Os baixos níveis de FBCF, sugere o levantamento, parecem estar relacionados “ao baixo nível de poupança agregada, bem como aos elevados déficits fiscais pelo conceito nominal que acaba por absorver parcela relevante da poupança privada para pagamento de benefícios e pessoal, tendo em vista a atual composição do gasto público”.

As taxas de poupança no Brasil também são bastante inferiores às de inúmeros países. De um total de 120 nações, o País ocupa a 95.ª posição entre os que mais poupam.

Em 2023, a taxa de poupança no Brasil foi de 15% do PIB, significativamente menor que a da China (43,6%) e a da Coreia (33,8%). Seria tentador argumentar que em países asiáticos a cultura da poupança é muito arraigada, mas, embora isso seja verdadeiro, também o é o fato de que países latino-americanos mais pobres que o Brasil, como Paraguai (20,1%), Honduras (19%) e El Salvador (18,1%), também poupam mais.

Na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a taxa média de poupança é de 22%, e na União Europeia, de 24%. Para piorar, o nível de poupança no Brasil caiu ainda mais em 2024, para 14,5%, o nível mais baixo entre 2020 e 2024.

E não há nenhum indicativo de que esse cenário vá mudar no futuro próximo, já que o governo Lula da Silva vem lançando mão de uma série de medidas de estímulo ao gasto, entre as quais a “antecipação da antecipação” do pagamento do 13.º salário a aposentados. Tradicionalmente paga no segundo semestre, o governo agora decidiu que, em 2025, a primeira parcela do 13.º salário aos aposentados ocorrerá já no mês de abril.

Ante a queda de popularidade, o governo tenta a todo custo recuperar a confiança do brasileiro, ou melhor, do eleitor, promovendo medidas que privilegiam o consumo (como o novo modelo de crédito consignado para trabalhadores com carteira assinada), mesmo em um cenário de taxas de juros elevadas.

A Selic em dois dígitos, e rumo a novas altas, é um outro aspecto desse cenário de baixo investimento produtivo e baixo índice de poupança interna. Tudo somado, tem-se o porquê de os indicadores de crescimento do País, do qual o governo tanto se ufana, serem ilusórios.

Sem contenção de gastos, estímulo à poupança interna nem ajuda efetiva do governo ao Banco Central no combate à inflação, o País segue condenado a espasmos de crescimento econômico. Posto de outra forma, o baixo nível de investimento e de poupança explica por que o Brasil desperdiça, há décadas, o potencial de sua economia.

A liberdade em Vargas Llosa

O Estado de S. Paulo

Juntos, os romances e análises de Vargas Llosa legam ao mundo uma apaixonada defesa da liberdade

Os amigos de Mario Vargas Llosa costumam enfatizar sua generosidade e curiosidade. “Creio ter conquistado algo que busquei desde a juventude”, disse ele em entrevista à revista The Economist, “que era ser um cidadão do mundo”. No entanto, enquanto intelectual, ele foi excepcionalmente solitário. Primeiro porque, na maré baixa após o “boom” latino-americano, sua carreira como romancista atingiu fama global, acumulando honrarias como o Prêmio Cervantes, a eleição à Academia Francesa e o Nobel. Mas acima de tudo o que o isolava na intelectualidade latino-americana era sua convicção liberal.

Nem sempre foi assim. O jovem socialista percorreu seu caminho de Damasco. Sua visão mudou radicalmente após ver a Revolução Cubana amordaçar escritores e encarcerar homossexuais, e se dar conta, numa visita à União Soviética, que, se fosse russo, teria sido condenado ao Gulag.

O comitê do Nobel prestigiou “sua cartografia das estruturas de poder e suas imagens incisivas da resistência, revolta e derrota do indivíduo”. Ele não foi um “liberal” no sentido americano de “progressista” (liberal nos costumes, estatista na economia), tampouco um “neoliberal” ou “anarcocapitalista”. “O livre mercado é o melhor mecanismo para produzir riquezas”, disse. Mas sem os “costumes e crenças compartilhadas para soprar a vida na democracia e no mercado, somos reduzidos à luta darwinista de agentes atomizados e egoístas que muitos na esquerda veem corretamente como desumana”.

Para Vargas Llosa, a liberdade era um “conceito unificado”. Seu liberalismo era integral: a democracia eleitoral, o livre comércio, o Estado limitado, o poder descentralizado, os direitos civis, a imprensa independente, o ceticismo epistemológico, a igualdade de oportunidades, tudo isso progride junto ou perece junto. “Este é o coração do verdadeiro liberalismo: todas as liberdades individuais são parte de um todo inseparável. As liberdades econômicas e políticas não podem ser bifurcadas”.

Ele emprestou de Karl Popper a fórmula para designar, já no título de sua biografia intelectual, sua bête noire, o “chamado da tribo”: a abdicação da individualidade, da liberdade, da responsabilidade em favor do espírito tribal, da conformidade a algum coletivismo, ao comando de um líder carismático e suas ilusões de segurança e pertencimento em todo o espectro político, do fascismo ao comunismo, do nacionalismo da nova direita ao identitarismo da nova esquerda.

“Por vezes podemos nos sentir sozinhos, porque parece que muito poucos se dedicam aos verdadeiros ideais do ‘liberalismo’”, confessou. A ironia é que, quando recebeu o Nobel, há 15 anos, seu isolamento na América Latina parecia fadado a acabar com o fim de um populismo e um protecionismo esclerosados. Quanto mais solitário não terá se sentido agora que são imitados por toda parte?

Os liberais do mundo estão certamente mais solitários. Mas, como disse Vargas Llosa, “onde quer que eu esteja, enquanto eu puder escrever, eu me sinto em casa”. Igualmente, onde quer que os liberais estejam, enquanto puderem ler Vargas Llosa, terão junto de si um porta-voz e um amigo.

Em fase decisiva contra a Chikungunya

Correio Braziliense

O aval da Anvisa para a aplicação da vacina contra a chikungunya no Brasil tende a pavimentar uma nova fase no enfrentamento a uma doença que já se mostra um grande desafio sanitário em várias regiões do país

O aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para a aplicação da vacina contra a chikungunya no Brasil tende a pavimentar uma nova fase no enfrentamento a uma doença que já se mostra um grande desafio sanitário em várias regiões do país. Há ainda novas etapas a serem vencidas até que a fórmula desenvolvida pelo Instituto Butantan e a farmacêutica franco-austríaca Valneva chegue, de fato, ao braço dos brasileiros. Mas é certo que ampliar as medidas de prevenção — hoje restritas basicamente ao controle do Aedes aegypti — pode desacelerar uma enfermidade com características epidemiológicas e clínicas suficientes para desencadear graves crises de saúde pública.

Dados oficiais disponíveis mostram como o vírus CHIKV tem avançado no país. Da primeira à 49ª semana epidemiológica de 2023, finalizada em 15 de dezembro, o Ministério da Saúde registrou 153.064 casos prováveis de  chikungunya. No ano seguinte, até o fim de agosto, já tinham sido contabilizados 254.095 casos — 66% a mais do que praticamente todo o ano anterior. De janeiro a março de 2025, há 56.443 notificações, sendo a maioria nas regiões Centro-Oeste e Sudeste, sobretudo nos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.

Peculiaridades do vírus estão contribuindo para essa disseminação acelerada. Comparado aos da dengue, o CHIKV tem maior período de viremia, quando se multiplica nos infectados e pode ser transmitido pelo mosquito. São 12 dias em média, contra seis. Sua transmissão no Brasil se dá principalmente em áreas urbanas, mas há o temor de que, com o aumento dos casos, instale-se um ciclo silvestre da chikungunya, tendo os macacos como reservatórios do vírus. Nessas condições, será praticamente inviável a erradicação da doença no país, alertam especialistas.

Tal cenário demanda, entre outros desafios, investimento em uma estrutura de suporte aos infectados de longo prazo. A chikungunya tem sintomas semelhantes aos da dengue, acrescidos de dores articulares intensas e incapacitantes, além de complicações cardíacas e cerebrais. Ao Correio, o sanitarista e professor da Universidade de Brasília (UnB) Jonas Brant alertou que, apesar de as doenças terem o mesmo vetor, a chikungunya exige um plano de contingência diferente. "É preciso acionar outros mecanismos do Estado. Um dos desafios é estruturar redes de fisioterapia e de reumatologia imensas, e  não as temos", exemplificou. 

Os impactos econômicos são ainda maiores, considerando que o afastamento de profissionais para tratamento tende a ser prolongado. Estudo da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) estima que os 38.830 casos de chikungunya registrados no estado em 2019 resultaram em um custo total de R$ 279,8 milhões, sendo 97% deles indiretos, ligados principalmente à perda de produtividade ou à incapacidade causada pelas dores nas articulações. Mais da metade dos pacientes, 52%, evoluiu para a fase crônica, com a permanência dos sintomas ultrapassando o período de três meses e, portanto, mais dispendiosa.

A pandemia da covid-19 mostrou ao país e ao mundo o quanto é onerosa — do ponto de vista financeiro e humano — uma infecção virulenta e de evolução perigosa. Respeitados todos os trâmites regulatórios previstos, incluindo a finalização de uma versão nacional da vacina da chikungunya, é essencial que a fórmula esteja disponível aos brasileiros imediatamente. Tão imprescindível quanto é o trabalho de educação em saúde focado na adesão à nova estratégia protetiva. 

O abandono dos terrenos e a ação do poder público

O Povo

Em sua edição de ontem, a partir de um bem apurado material assinado pela repórter Lara Vieira, O POVO aponta para um problema que parece exigir mais esforços de enfrentamento do que o que tem sido possível captar: o exagerado número de terrenos abandonados atualmente existentes em Fortaleza. Segundo números oficiais da Operação Terrenos Abandonados, da Agência de Fiscalização de Fortaleza (Agefis), há pelo menos 1.500 espaços assim identificáveis na cidade.

Um número escandaloso, ainda mais diante da constatação de que resulta apenas dos primeiros levantamentos concluídos. É uma realidade observada somente nas Regionais 6 e 7, ou seja, mais situações do tipo serão identificadas à medida em que o estudo avance sobre outras áreas de nossa capital.

Como ponto inicial, deve-se entender que há efeitos diretos sobre a vida dos cidadãos. Os terrenos abandonados são aqueles, conforme as leis que regulamentam a vida urbana de Fortaleza, nos quais há ausência ou inadequação de muros ou gradil ao redor de sua área, fazendo com que o lixo acumule ou as calçadas representem um perigo pelo mau estado de conservação. Problemas, portanto, que dizem respeito diretamente ao cotidiano problemático da cidade.

Uma situação que interfere na política pública desenvolvida em áreas sensíveis, dentre elas a segurança. É frequente que esses terrenos sejam utilizados, por exemplo, como esconderijo para criminosos ou até mesmo para a prática de atos ilícitos, aproveitando-se de um quadro de descaso pouco fiscalizado. A nova gestão anuncia disposição para enfrentar o quadro e começa pela via correta ao realizar um levantamento que deverá apontar o tamanho real.

Os números colhidos na reportagem, mesmo que parciais, já são alarmantes. Levantar os dados é importante, mas, olhando para frente, o fundamental será que as providências necessárias sejam adotadas. Inicialmente, claro, oferecendo tempo e apoio para que a situação seja regularizada pelos proprietários.

Depois disso, cumprida a etapa do levantamento e das advertências, a reversão do quadro exigirá ação e firmeza da parte da gestão municipal. Parece imperativo que, identificados, os responsáveis pelos terrenos em questão sejam pressionados a buscar uma regularização imediata.

As autoridades municipais dispõem de instrumentos para combater o quadro danoso com mais eficiência e prometem ter disposição para fazê-lo. O Código da Cidade define isso com clareza e chegou a hora de o colocarmos em prática para regularizar um quadro que, repita-se, tem impacto na vida do cidadão de Fortaleza. n

 

 

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