Discussão vexatória sobre anistia trava a pauta do Congresso
O Globo
Debate sobre projeto deixa em segundo plano
temas urgentes — das redes sociais aos supersalários
O Congresso Nacional desmente a máxima de
que, no Brasil, o ano só começa depois do carnaval. Chegou a Páscoa, e o
Parlamento não votou nenhuma pauta de interesse do país, com exceção da
aprovação (atrasada) do Orçamento. Todas as energias estão voltadas às pautas
vexatórias de anistia aos golpistas do 8 de Janeiro e emendas parlamentares.
Parece até que nada urgente depende do Legislativo. No cargo desde fevereiro,
os presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB),
e do Senado, Davi
Alcolumbre (União-AP), deveriam acelerar o ritmo. Trabalho não falta.
A regulamentação das redes sociais segue sem receber atenção. Em junho do ano passado, o então presidente da Câmara, Artur Lira (PP-AL), anunciou a criação de grupo de trabalho com a missão de elaborar um texto para substituir o Projeto de Lei (PL) das Redes Sociais, alvo de ataques da oposição. No prazo de 90 dias, o Parlamento receberia o conteúdo novo para debate. Até agora, nada. Enquanto isso, as redes sociais continuam a trazer riscos, e as plataformas digitais a fingir que nada têm a ver com o assunto.
A Câmara também pena para dar andamento ao PL
2.338/23, sobre inteligência artificial. No fim de 2024, o Senado aprovou texto
do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) com regras para empresas e a implantação de
um organismo de governo responsável pela supervisão. Os senadores tomaram o
cuidado de proibir o uso de ferramentas de IA para o Estado avaliar ou
classificar cidadãos no acesso de bens e serviços, uma restrição sensata.
Outras mereceriam revisão dos deputados, mas só agora começa a ser estabelecida
a comissão especial para tratar do tema.
A Previdência dos militares continua parada
na Câmara. O custo do beneficiário do regime previdenciário das Forças Armadas
é quase 19 vezes superior ao de um aposentado ou pensionista do INSS. O
pagamento de proventos a militares inativos ou pensionistas gerou déficit de R$
51 bilhões em 2024. Para atenuar a distorção, o PL 4.920/24 muda regras para
quem perde posto ou patente e estabelece idade mínima para a transferência à
reserva. Por certo, as mudanças precisariam ser mais profundas. Mas o PL é um ponto
de partida — e segue estacionado.
No Senado o projeto sobre supersalários foi
esquecido. No Brasil, o avanço da elite do funcionalismo sobre o Orçamento não
tem trégua. É corriqueiro juízes e procuradores receberem acima do limite
constitucional para vencimentos no setor público. O custo é alto: de 2019 a
2023, só juízes da ativa e aposentados receberam R$ 32,8 bilhões acima do teto.
Batizadas de “verbas indenizatórias”, as exceções têm as mais esdrúxulas
finalidades: auxílio para a compra de vestuário, alimentação e até pré-escola.
O texto em tramitação no Congresso foi desfigurado para manter as benesses. Os
privilegiados lutam para não perder os privilégios. E os parlamentares dizem
amém.
Além de bloquear a pauta e monopolizar
discussões no Congresso, os esforços para anistiar golpistas são
injustificáveis. Os criminosos foram condenados pelo crime mais grave numa
democracia. Mesmo que o Congresso quisesse passar uma borracha nele, o Supremo
Tribunal Federal (STF) na certa declararia a decisão inconstitucional, por
atentar contra a cláusula pétrea da Constituição que estabelece o regime de
governo. Crimes contra a ordem constitucional e o Estado Democrático são
inafiançáveis e imprescritíveis.
Aumento de descontos em benefícios do INSS
sugere fraudes disseminadas
O Globo
Soma destinada a sindicatos alcançou R$ 89
milhões em 2024, quase o triplo do total arrecadado em 2022
O aumento significativo na arrecadação de
sindicatos com descontos nos benefícios previdenciários já deveria ter feito
soar o alarme no INSS. Mas, pelo
visto, as queixas de irregularidades só têm incomodado os beneficiários. Como
mostrou reportagem do GLOBO com base em números obtidos por meio da Lei de
Acesso à Informação, esses descontos somaram no ano passado R$ 88,6 milhões,
quase o triplo do arrecadado em 2022 (R$ 30,7 milhões).
Surpreende que o INSS não
saiba dizer precisamente o motivo da escalada na arrecadação dos sindicatos. A
alíquota de contribuição não varia, mas o aumento do salário mínimo, referência
para os benefícios, se reflete no valor arrecadado, de acordo com o instituto.
Apenas isso, porém, não explica a disparada de arrecadação nos últimos anos nem
a enxurrada de reclamações. A suspeita é que proliferem fraudes e descontos
indevidos.
O desconto sindical pode ser cobrado de
aposentados e pensionistas, mas precisa de autorização prévia do beneficiário.
Por isso, têm chamado a atenção as queixas de segurados surpreendidos com
descontos em seus contracheques. Relatório do próprio INSS mostra que em apenas
um ano as reclamações desse tipo cresceram 280%. Uma auditoria identificou,
entre janeiro de 2023 e maio de 2024, descontos indevidos de R$ 45,5 milhões.
Uma idosa de São Luís Gonzaga do Maranhão
(MA) precisou entrar com processo contra uma confederação agrícola que lhe
descontava R$ 30 todo mês. Desde 2020, perdeu mais de R$ 1,5 mil. O advogado
que a representa explicou que ela não sabia conferir o extrato do INSS. Muitas
vezes, a situação de vulnerabilidade favorece práticas indevidas. Um advogado
da cidade de Floriano (PI), representante de cerca de 60 processos de segurados
pedindo ressarcimento de valores, diz que a maioria dos casos envolve cidadãos
da zona rural que não sabem ler nem escrever.
É certo que os sindicatos perderam
arrecadação com o fim do imposto sindical decretado pela reforma trabalhista de
2017. Mas isso não é problema do beneficiário. Fica claro que falta
fiscalização eficaz. O descontrole acontece também com empréstimos consignados.
Embora o INSS alegue que as irregularidades venham sendo combatidas e que as
queixas sejam tratadas na Ouvidoria, o crescimento dos descontos e das queixas
mostra que as medidas tomadas, como a possibilidade de bloqueio do desconto
pelo usuário, não são suficientes.
É uma insensatez jogar nos ombros do beneficiário a tarefa de verificar se o valor recebido está correto. A maioria nem confere o extrato, e o desconto de pequenos valores todos os meses dificilmente é percebido. Não é o cidadão que tem de provar que não autorizou o que não pediu. É o INSS que tem de fiscalizar se os sindicatos agem de forma idônea ao solicitar descontos.
Peso tem perda moderada com liberação cambial
na Argentina
Valor Econômico
Ainda que risco de calote seja alto, FMI vê
uma oportunidade, com a persistência de Milei e a direção correta de seus
programas, de que o país possa sair de uma crise de dívida e crescimento que se
tornou crônica
Um novo empréstimo do Fundo Monetário
Internacional (FMI), US$ 12 bilhões imediatos de um total de US$ 20 bilhões,
permitiu que o governo de Javier Milei retirasse boa parte das enormes e
bizantinas restrições à compra de dólares no país, retomando condições
flexíveis que foram interrompidas há seis anos, em 2019. O Fundo disponibilizou
mais dinheiro para a Argentina, sua maior devedora, desde que a liberação
cambial começasse agora, antes das eleições de outubro, com apoio do governo
argentino, preocupado com o descolamento entre a cotação oficial e a do
paralelo da moeda americana, que se alargava perigosamente. Não houve uma
explosão das cotações no primeiro dia. O dólar oficial teve valorização
moderada, de 12%, enquanto havia a expectativa de que ele rapidamente avançasse
40% ou mais, de acordo com o cálculo de defasagem acumulada feito por analistas
privados. A cotação do dólar blue, paralelo, por seu lado, recuou mais de 7%.
A estreia da liberação parcial das transações
em dólar marcou o início de uma nova banda cambial, entre 1 mil e 1,4 mil
pesos. Na sexta-feira, o dólar paralelo foi cotado a 1.380 pesos e o oficial, a
1.098 pesos. Ou seja, a banda criada foi larga o suficiente para abranger até
mesmo uma diferença de pouco mais de 20% entre os dois. Se a cotação encostasse
no dólar paralelo, confirmaria os piores temores do governo, o de uma nova
maxidesvalorização que atiçasse com força a inflação, que, depois de quedas consecutivas,
voltou a subir nos últimos dois meses. Pelo novo esquema, o BC venderá pesos
quando o dólar ultrapassar o teto e comprará quando ele romper o piso.
O apoio financeiro do FMI pode ser suficiente
para que nos próximos dias a desvalorização do peso até retroceda. Por alguns
de seus cálculos, a valorização do peso se situa entre 15% e 20%, mais em linha
com o deslize da moeda americana no primeiro dia de semiliberdade cambial. O
reforço para as reservas veio em boa hora. Com o esquema anterior de
desvalorização do peso de 1% ao mês e uma inflação que em março chegou a 55,9%,
a defasagem aproximava-se de um patamar perigoso, que convinha corrigir o mais
rápido possível.
O programa do FMI, com a qual a instituição
espera que o país passe da fase de estabilização para a de recuperação, foi
feito aparentemente sem grandes divergências com o governo de Milei, que mais
que cumpriu as etapas do acordo anterior, ultrapassando por conta própria as
metas da instituição. Ele fez com que o déficit fiscal de pouco mais de 3% se
tornasse um superávit de 1,8% do PIB - uma virada drástica de 5 pontos
percentuais -, com corte de 30% nos gastos primários. O ajuste derrubou a
inflação no fim do exercício dos 211,4% que recebeu para 117,8% em seu primeiro
ano no cargo, e em março caiu novamente pela metade. Isso teve um custo severo.
Cerca de 53% da população caiu na linha de pobreza (hoje são 38,1%), os
investimentos recuaram 17%, mas o FMI diz que foi uma das recessões mais curtas
da história recente do país, durando três trimestres. Os dados indicam que a
economia voltou a crescer bem, deve evoluir 5,5% este ano, e os salários
começaram a fazer o caminho de volta, com alta de 10% real de junho a dezembro
de 2024.
Milei, eufórico, disse que cumpriu a promessa
de liberar os argentinos da “Alcatraz” do cepo (controle) cambial e que em
meados do ano que vem a inflação chegará a zero. Pode ser mais um rompante de
otimismo oficial obrigatório. Pelo acordo, a inflação deverá fechar este ano
entre 18% e 23%, e entre 10 e 15% no ano que vem, para se situar em 7,5% ao
ano, ainda muito alta, até 2030.
O acordo com o FMI tem três pilares, o das
reformas, o da manutenção da austera política fiscal e o do reforço da
flexibilidade cambial e aumento das reservas. Esse último pilar é o mais
importante de imediato, porque as defesas contra nova demonstração de
insegurança econômica dos argentinos, que historicamente leva a fuga de
divisas, são extremamente frágeis. As reservas brutas caíram para US$ 13,1
bilhões a partir de meados de 2024 e as reservas líquidas ainda são negativas
em US$ 6 bilhões. Por isso seu crescimento passou a ser um critério de
desempenho do plano, e, para o FMI, será “uma de suas principais âncoras”. Elas
terão de aumentar liquidamente em US$ 4 bilhões este ano e US$ 8 bilhões no
próximo.
Com o apoio do FMI e o cumprimento do plano,
a reserva bruta chegará a US$ 47,7 bilhões este ano. Ainda assim, pode não ser
suficiente a curto prazo, em caso de novas turbulências, que se tornaram mais
prováveis desde a posse de Donald Trump na Presidência dos Estados Unidos.
Os juros terão de desempenhar um papel de
apoio à política cambial, e devem subir para tornar atrativas as aplicações em
pesos, evitando que se convertam em dólares - o FMI recomenda que se diminua a
oferta de títulos de renda fixa indexados à inflação ou em dólar
Na avaliação do staff do FMI, os riscos de a Argentina não pagar a instituição continuam muito altos, mas ainda veem uma oportunidade, com a persistência de Milei e a direção correta de seus programas, de que o país possa sair de uma crise de dívida e crescimento que se tornou crônica.
Argentina tenta superar atraso histórico de
sua moeda
Folha de S. Paulo
Milei elimina teto para compra de dólar e
permite flutuação do peso; livre mercado é rumo para superar falta de divisas
Como o Brasil dos anos 1980, a Argentina abriga
um vasto mercado paralelo de dólares devido a cotações oficiais irrealistas e
limites draconianos impostos pelo poder público para a compra da divisa
americana. Um passo importante para superar esse arranjo arcaico teve início
nesta segunda (14).
Após fechar mais um acordo com o Fundo
Monetário Internacional (FMI), outra rotina
brasileira do passado, o governo de Javier Milei anunciou
o fim do teto de US$ 200 para a compra de dólares por pessoas físicas no
mercado oficial —o "cepo cambiário", que existia desde 2019.
Já as
cotações oficiais passarão a flutuar em uma banda de 1.000 a 1.400
pesos, limites que terão ajustes de 1% ao mês, e as intervenções do Banco
Central ficarão restritas a momentos de alta volatilidade. Aqui houve bandas
cambiais nos anos 1990, antes do regime de livre flutuação adotado em 1999 e em
vigor até hoje.
Como seria de esperar, o dólar teve forte
alta no primeiro dia de flexibilização, passando de menos de 1.100 para
mais de 1.200 pesos, minimizando a diferença em relação ao mercado paralelo. De
todo modo, manteve-se no intervalo fixado, o que pode ser considerado um bom
resultado.
Com escassez crônica de reservas em moeda
forte, a Argentina depende dos US$ 20 bilhões proporcionados pelo FMI para
manter suas relações com o restante do mundo. Um câmbio mais
realista, ademais, favorecerá as exportações do país. O risco, como de costume,
é de mais inflação.
O governo do ultraliberal Milei promoveu
um duríssimo ajuste nas finanças do governo, que passou a ser superavitário
no ano passado e logrou reduzir a alta dos preços —ainda assim, foram elevados
3,7% em março.
A Casa Rosada também expandiu a meta anual de
saldo orçamentário e proibiu o BC de emitir pesos sem lastro em dólares das
reservas cambiais, como meios de refluir a pressão inflacionária decorrente da
desvalorização cambial, que já está no horizonte.
Kristalina Georgieva, diretora-gerente do
Fundo Monetário, disse que a Argentina "mereceu" a ajuda. Advertiu,
porém, que o país "continua a enfrentar vulnerabilidades e desafios
estruturais" para lidar com riscos globais e seus próprios obstáculos ao
crescimento sustentável.
A reforma cambial anunciada continua longe de
unificar a miríade de taxas e controles vigentes na Argentina. Há um longo e
difícil trabalho pela frente, ainda mais depois de uma série de calotes
internacionais do país.
A pretensão de controlar taxas de conversão
entre moedas foi abandonada por governos em todo o mundo nas últimas décadas,
dado a multiplicação dos capitais em movimento na globalização.
Abraçar o livre mercado no câmbio tem custos
iniciais, mas é caminho quase inevitável para garantir a oferta. O Brasil o fez
—e deixou para trás uma longa tradição de crises de dívida externa, escassez de
divisas e desvalorizações cavalares.
Populismo autoritário vence no Equador
Folha de S. Paulo
Daniel Noboa, responsável por instituir uma
política linha dura em segurança que infringe direitos humanos, é reeleito
Com mais de 98% dos votos apurados após a
eleição no Equador no
domingo (13), o presidente direitista Daniel Noboa foi
reeleito com 55,63%, enquanto a candidata de esquerda Luisa González obteve
44,37%.
A diferença de 11,26 pontos percentuais contrasta com a de 0,17 ponto no
primeiro turno —44,17%, para Noboa, ante 44%.
Por isso, a oposição alega fraude. Na véspera
do pleito, Noboa decretou mais um estado de exceção. Segundo González e seus
apoiadores, a medida se anteciparia às manifestações contra o resultado das
urnas. Note-se, porém, que Noboa também acusou irregularidade quando não venceu
no primeiro turno.
As missões de observação da União
Europeia e do Mercosul disseram
no domingo que tudo ocorria dentro da normalidade. Outras
viram irregularidades, mas não sinal de fraude.
González está ligada ao esquerdista Rafael
Correa, que governou o país de 2007 a 2017, foi condenado por corrupção e
atualmente vive na Bélgica. O fato de a candidata não ter conseguido angariar
mais votos entre as duas etapas da eleição pode indicar um certo
"anticorreísmo".
Fenômenos do tipo são comuns em ambientes
polarizados, quando o eleitorado vota não exatamente a favor de um pleiteante,
mas contra outro pelo qual tem grande repulsa —no Brasil, a acirrada disputa
presidencial se 2022 se deu entre dois postulantes de elevada rejeição, o
vitorioso Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) e Jair
Bolsonaro (PL).
O pleito equatoriano se deu num cenário
político conturbado. O vencedor ocupa a Presidência, conquistada também sobre
González em outubro de 2023, após o então mandatário Guillermo Lasso dissolver
o Parlamento e antecipar eleições para
escapar do próprio impeachment. A campanha foi marcada por atos de violência,
incluindo o assassinato a tiros de um candidato.
Violência
que marca a história recente do país. Devido a disputas entre facções
criminosas ligadas ao narcotráfico, a taxa de assassinatos por 100 mil
habitantes chegou a 38 em 2024 —de acordo com uma pesquisa britânica, foram 6 a
cada 100 mil em 2016.
Noboa instituiu uma política linha dura, com
militarização da segurança e sucessivos decretos de estado de exceção. Com
isso, conseguiu só leve redução nos homicídios (em 2023, a taxa era de 47/100
mil) à custa de graves infrações aos direitos humanos.
Com apoio de Donald Trump, Noboa quer aumentar a presença militar dos EUA no país que governa. O autoritarismo populista no Equador está longe do fim.
A farsa do Orçamento ‘municipalista’
O Estado de S. Paulo
Parlamentares destinaram meio bilhão de reais
em emendas individuais para fora de suas bases, o que contraria a tese de que
os políticos usam as emendas para atender quem os elegeu
O Estadão mostrou recentemente que,
nos últimos quatro anos, deputados e senadores destinaram mais de R$ 550
milhões em emendas individuais para Estados e municípios com os quais não
tiveram qualquer vínculo eleitoral no período. A título de exemplo, é como se
um deputado com base em Petrolina (PE) indicasse uma emenda individual para,
supostamente, custear a construção de uma unidade básica de saúde em Diadema
(SP).
Ilegal não é, mas obviamente isso contraria a
tese, sustentada ardorosamente pelos parlamentares quando se trata de defender
as emendas, de que só eles conhecem os problemas da região onde se elegeram e,
por isso, são capazes de destinar os recursos necessários para resolvê-los.
Esse deveria ser o espírito do “orçamento municipalista” de que falava o
deputado Arthur Lira (PP-AL), nos tempos em que presidia a Câmara, sempre que
era questionado sobre o orçamento secreto. Agora se vê que a generosidade “municipalista”
dos nobres deputados não conhece fronteiras municipais ou estaduais, abrindo
uma avenida para a malversação de recursos públicos, sobretudo no contexto do
fortalecimento do Congresso em relação ao Poder Executivo na esteira do
orçamento secreto.
Supondo que haja verdade onde só há cinismo,
a “municipalização” do Orçamento em nada elimina, muito ao contrário, o
imperioso respeito aos princípios constitucionais da eficiência e da
transparência nos gastos públicos – totalmente ausente, por óbvio, na
manipulação do orçamento secreto. Não por outra razão, o Supremo Tribunal
Federal (STF) tenta há mais de dois anos pôr fim ao esquema, exigindo a fixação
de critérios objetivos que garantam a rastreabilidade das emendas e a avaliação
dos resultados das políticas públicas em tese promovidas com esses recursos.
Quando deputados e senadores contradizem com
a maior caradura a mesma lógica territorial que juram defender, impõem camadas
extras de desfaçatez, contradição e imoralidade ao processo aparentemente
irrefreável de apropriação das verbas discricionárias pelo Congresso sem uma
nesga de racionalidade e, o que é ainda pior, ao abrigo de quaisquer controles
republicanos.
Alguém poderá argumentar que meio bilhão de
reais é quase nada diante da magnitude do Orçamento da União – quase R$ 6
trilhões em 2025, dos quais R$ 50,4 bilhões são destinados às emendas
parlamentares. Mas isso não tem a menor importância. Não se trata de números,
mas do espírito republicano – ou melhor, da falta deste – no trato dos recursos
dos contribuintes.
Independentemente do valor, é um desafio ao
bom senso compreender por que um grupo de parlamentares do Tocantins, por
exemplo, destinou R$ 18,2 milhões para São Paulo, Estado com o qual Tocantins
nem faz fronteira. Tudo é ainda mais suspeito quando se considera que esses
valores provieram exclusivamente de emendas individuais, rubrica orçamentária
que, supostamente, presta-se ao atendimento de necessidades locais,
identificáveis pela relação direta que os parlamentares têm com suas bases
eleitorais.
Como se não bastasse a completa subversão não
apenas do Orçamento da União como também do próprio regime presidencialista, o
repasse interestadual das emendas individuais – proibido pelo STF na modalidade
“emenda Pix” em agosto de 2024 – ainda produz o que o economista Marcos Mendes
chamou de “desertos orçamentários”, municípios “esquecidos” pelos parlamentares
por falta de interesse político em investir no bem-estar de suas populações.
O País todo perde com essa fragmentação
orçamentária agravada pela falta de transparência no manejo dos recursos
públicos. Até seria possível conceber a destinação interestadual de emendas
individuais caso estivéssemos maduros o bastante para formular políticas
públicas voltadas ao desenvolvimento nacional de forma orgânica e estruturada.
Mas o Brasil está longe desse ideal, o que permite que interesses políticos
individuais, nem sempre republicanos, ditem a aplicação de verbas federais sem
qualquer critério técnico ou escrutínio público.
Receita para voo de galinha
O Estado de S. Paulo
Estudo mostra que o investimento em bens de
capital no Brasil em 2023 foi de 16,4%, contra média mundial de 26%, e o País
poupa menos que o Paraguai. E Lula ainda estimula o consumo
A formação bruta de capital fixo (FBCF) no
Brasil foi de 16,4% do PIB em 2023, bem abaixo da média mundial de 26%, de
acordo com dados do IBGE e do Banco Mundial compilados pelo especialista em
políticas públicas Rogério Nagamine Costanzi.
Em artigo publicado no boletim da Fundação
Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), o especialista constata ainda que a
FBCF brasileira é inferior não só à de países emergentes como Índia (30,8%) e
Rússia (21,9%), mas também à de vizinhos sul-americanos como Paraguai (20,6%),
Argentina (18,6%), Bolívia (17,5%), Colômbia (17,4%) e Uruguai (17,4%) – a
média da América Latina e Caribe é de 19,1%.
De um total de 143 países selecionados da
base de dados do Banco Mundial, no ano de 2023, o Brasil ocupava um vergonhoso
124.º lugar em nível de investimento.
Os dados são preocupantes porque a FBCF é um
importante indicador do nível de investimento que gera condições para o
crescimento sustentado. A FBCF mede o quanto as empresas ampliaram seus bens de
capital – maquinários e equipamentos, por exemplo –, ou seja, o quanto
investiram em bens que produzem outros bens.
Taxas mais elevadas de FBCF sinalizam que a
capacidade de produção do país está crescendo e que o empresariado se sente
otimista em relação ao futuro. Como se vê, o baixo índice de investimento no
Brasil explicita que nem uma coisa nem outra são realidade.
Pior, tem sido assim historicamente. De
acordo com o levantamento de Costanzi, os investimentos passaram de 20,6%, na
média entre 1970 e 2002, para 17,8%, na média entre 2003 e 2023.
Os baixos níveis de FBCF, sugere o
levantamento, parecem estar relacionados “ao baixo nível de poupança agregada,
bem como aos elevados déficits fiscais pelo conceito nominal que acaba por
absorver parcela relevante da poupança privada para pagamento de benefícios e
pessoal, tendo em vista a atual composição do gasto público”.
As taxas de poupança no Brasil também são
bastante inferiores às de inúmeros países. De um total de 120 nações, o País
ocupa a 95.ª posição entre os que mais poupam.
Em 2023, a taxa de poupança no Brasil foi de
15% do PIB, significativamente menor que a da China (43,6%) e a da Coreia
(33,8%). Seria tentador argumentar que em países asiáticos a cultura da
poupança é muito arraigada, mas, embora isso seja verdadeiro, também o é o fato
de que países latino-americanos mais pobres que o Brasil, como Paraguai
(20,1%), Honduras (19%) e El Salvador (18,1%), também poupam mais.
Na Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE), a taxa média de poupança é de 22%, e na União
Europeia, de 24%. Para piorar, o nível de poupança no Brasil caiu ainda mais em
2024, para 14,5%, o nível mais baixo entre 2020 e 2024.
E não há nenhum indicativo de que esse
cenário vá mudar no futuro próximo, já que o governo Lula da Silva vem lançando
mão de uma série de medidas de estímulo ao gasto, entre as quais a “antecipação
da antecipação” do pagamento do 13.º salário a aposentados. Tradicionalmente
paga no segundo semestre, o governo agora decidiu que, em 2025, a primeira
parcela do 13.º salário aos aposentados ocorrerá já no mês de abril.
Ante a queda de popularidade, o governo tenta
a todo custo recuperar a confiança do brasileiro, ou melhor, do eleitor,
promovendo medidas que privilegiam o consumo (como o novo modelo de crédito
consignado para trabalhadores com carteira assinada), mesmo em um cenário de
taxas de juros elevadas.
A Selic em dois dígitos, e rumo a novas
altas, é um outro aspecto desse cenário de baixo investimento produtivo e baixo
índice de poupança interna. Tudo somado, tem-se o porquê de os indicadores de
crescimento do País, do qual o governo tanto se ufana, serem ilusórios.
Sem contenção de gastos, estímulo à poupança
interna nem ajuda efetiva do governo ao Banco Central no combate à inflação, o
País segue condenado a espasmos de crescimento econômico. Posto de outra forma,
o baixo nível de investimento e de poupança explica por que o Brasil
desperdiça, há décadas, o potencial de sua economia.
A liberdade em Vargas Llosa
O Estado de S. Paulo
Juntos, os romances e análises de Vargas
Llosa legam ao mundo uma apaixonada defesa da liberdade
Os amigos de Mario Vargas Llosa costumam
enfatizar sua generosidade e curiosidade. “Creio ter conquistado algo que
busquei desde a juventude”, disse ele em entrevista à revista The
Economist, “que era ser um cidadão do mundo”. No entanto, enquanto intelectual,
ele foi excepcionalmente solitário. Primeiro porque, na maré baixa após o “boom” latino-americano,
sua carreira como romancista atingiu fama global, acumulando honrarias como o
Prêmio Cervantes, a eleição à Academia Francesa e o Nobel. Mas acima de tudo o
que o isolava na intelectualidade latino-americana era sua convicção liberal.
Nem sempre foi assim. O jovem socialista
percorreu seu caminho de Damasco. Sua visão mudou radicalmente após ver a
Revolução Cubana amordaçar escritores e encarcerar homossexuais, e se dar
conta, numa visita à União Soviética, que, se fosse russo, teria sido condenado
ao Gulag.
O comitê do Nobel prestigiou “sua cartografia
das estruturas de poder e suas imagens incisivas da resistência, revolta e
derrota do indivíduo”. Ele não foi um “liberal” no sentido americano
de “progressista” (liberal nos costumes, estatista na economia), tampouco um
“neoliberal” ou “anarcocapitalista”. “O livre mercado é o melhor mecanismo para
produzir riquezas”, disse. Mas sem os “costumes e crenças compartilhadas para
soprar a vida na democracia e no mercado, somos reduzidos à luta darwinista de
agentes atomizados e egoístas que muitos na esquerda veem corretamente como
desumana”.
Para Vargas Llosa, a liberdade era um
“conceito unificado”. Seu liberalismo era integral: a democracia eleitoral, o
livre comércio, o Estado limitado, o poder descentralizado, os direitos civis,
a imprensa independente, o ceticismo epistemológico, a igualdade de
oportunidades, tudo isso progride junto ou perece junto. “Este é o coração do
verdadeiro liberalismo: todas as liberdades individuais são parte de um todo
inseparável. As liberdades econômicas e políticas não podem ser bifurcadas”.
Ele emprestou de Karl Popper a fórmula para
designar, já no título de sua biografia intelectual, sua bête noire, o
“chamado da tribo”: a abdicação da individualidade, da liberdade, da
responsabilidade em favor do espírito tribal, da conformidade a algum
coletivismo, ao comando de um líder carismático e suas ilusões de segurança e
pertencimento em todo o espectro político, do fascismo ao comunismo, do
nacionalismo da nova direita ao identitarismo da nova esquerda.
“Por vezes podemos nos sentir sozinhos,
porque parece que muito poucos se dedicam aos verdadeiros ideais do
‘liberalismo’”, confessou. A ironia é que, quando recebeu o Nobel, há 15 anos,
seu isolamento na América Latina parecia fadado a acabar com o fim de um
populismo e um protecionismo esclerosados. Quanto mais solitário não terá se
sentido agora que são imitados por toda parte?
Os liberais do mundo estão certamente mais solitários. Mas, como disse Vargas Llosa, “onde quer que eu esteja, enquanto eu puder escrever, eu me sinto em casa”. Igualmente, onde quer que os liberais estejam, enquanto puderem ler Vargas Llosa, terão junto de si um porta-voz e um amigo.
Em fase decisiva contra a Chikungunya
Correio Braziliense
O aval da Anvisa para a aplicação da vacina
contra a chikungunya no Brasil tende a pavimentar uma nova fase no
enfrentamento a uma doença que já se mostra um grande desafio sanitário em
várias regiões do país
O aval da Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa) para a aplicação da vacina contra a chikungunya no Brasil
tende a pavimentar uma nova fase no enfrentamento a uma doença que já se mostra
um grande desafio sanitário em várias regiões do país. Há ainda novas etapas a
serem vencidas até que a fórmula desenvolvida pelo Instituto Butantan e a
farmacêutica franco-austríaca Valneva chegue, de fato, ao braço dos
brasileiros. Mas é certo que ampliar as medidas de prevenção — hoje restritas
basicamente ao controle do Aedes aegypti — pode desacelerar uma enfermidade com
características epidemiológicas e clínicas suficientes para desencadear graves
crises de saúde pública.
Dados oficiais disponíveis mostram como o
vírus CHIKV tem avançado no país. Da primeira à 49ª semana epidemiológica de
2023, finalizada em 15 de dezembro, o Ministério da Saúde registrou 153.064
casos prováveis de chikungunya. No ano seguinte, até o fim de agosto, já
tinham sido contabilizados 254.095 casos — 66% a mais do que praticamente todo
o ano anterior. De janeiro a março de 2025, há 56.443 notificações, sendo a
maioria nas regiões Centro-Oeste e Sudeste, sobretudo nos estados de Mato Grosso
e Mato Grosso do Sul.
Peculiaridades do vírus estão contribuindo
para essa disseminação acelerada. Comparado aos da dengue, o CHIKV tem maior
período de viremia, quando se multiplica nos infectados e pode ser transmitido
pelo mosquito. São 12 dias em média, contra seis. Sua transmissão no Brasil se
dá principalmente em áreas urbanas, mas há o temor de que, com o aumento dos
casos, instale-se um ciclo silvestre da chikungunya, tendo os macacos como
reservatórios do vírus. Nessas condições, será praticamente inviável a erradicação
da doença no país, alertam especialistas.
Tal cenário demanda, entre outros desafios,
investimento em uma estrutura de suporte aos infectados de longo prazo. A
chikungunya tem sintomas semelhantes aos da dengue, acrescidos de dores
articulares intensas e incapacitantes, além de complicações cardíacas e
cerebrais. Ao Correio, o sanitarista e professor da Universidade de Brasília
(UnB) Jonas Brant alertou que, apesar de as doenças terem o mesmo vetor, a
chikungunya exige um plano de contingência diferente. "É preciso acionar
outros mecanismos do Estado. Um dos desafios é estruturar redes de fisioterapia
e de reumatologia imensas, e não as temos", exemplificou.
Os impactos econômicos são ainda maiores,
considerando que o afastamento de profissionais para tratamento tende a ser
prolongado. Estudo da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) estima que
os 38.830 casos de chikungunya registrados no estado em 2019 resultaram em um
custo total de R$ 279,8 milhões, sendo 97% deles indiretos, ligados
principalmente à perda de produtividade ou à incapacidade causada pelas dores
nas articulações. Mais da metade dos pacientes, 52%, evoluiu para a fase
crônica, com a permanência dos sintomas ultrapassando o período de três meses
e, portanto, mais dispendiosa.
A pandemia da covid-19 mostrou ao país e ao
mundo o quanto é onerosa — do ponto de vista financeiro e humano — uma infecção
virulenta e de evolução perigosa. Respeitados todos os trâmites regulatórios
previstos, incluindo a finalização de uma versão nacional da vacina da
chikungunya, é essencial que a fórmula esteja disponível aos brasileiros
imediatamente. Tão imprescindível quanto é o trabalho de educação em saúde
focado na adesão à nova estratégia protetiva.
O abandono dos terrenos e a ação do poder
público
O Povo
Em sua edição de ontem, a partir de um bem
apurado material assinado pela repórter Lara Vieira, O POVO aponta para um
problema que parece exigir mais esforços de enfrentamento do que o que tem sido
possível captar: o exagerado número de terrenos abandonados atualmente
existentes em Fortaleza. Segundo números oficiais da Operação Terrenos
Abandonados, da Agência de Fiscalização de Fortaleza (Agefis), há pelo menos
1.500 espaços assim identificáveis na cidade.
Um número escandaloso, ainda mais diante da constatação de que resulta apenas dos primeiros levantamentos concluídos. É uma realidade observada somente nas Regionais 6 e 7, ou seja, mais situações do tipo serão identificadas à medida em que o estudo avance sobre outras áreas de nossa capital.
Como ponto inicial, deve-se entender que há
efeitos diretos sobre a vida dos cidadãos. Os terrenos abandonados são aqueles,
conforme as leis que regulamentam a vida urbana de Fortaleza, nos quais há
ausência ou inadequação de muros ou gradil ao redor de sua área, fazendo com
que o lixo acumule ou as calçadas representem um perigo pelo mau estado de
conservação. Problemas, portanto, que dizem respeito diretamente ao cotidiano
problemático da cidade.
Uma situação que interfere na política
pública desenvolvida em áreas sensíveis, dentre elas a segurança. É frequente
que esses terrenos sejam utilizados, por exemplo, como esconderijo para
criminosos ou até mesmo para a prática de atos ilícitos, aproveitando-se de um
quadro de descaso pouco fiscalizado. A nova gestão anuncia disposição para
enfrentar o quadro e começa pela via correta ao realizar um levantamento que
deverá apontar o tamanho real.
Os números colhidos na reportagem, mesmo que
parciais, já são alarmantes. Levantar os dados é importante, mas, olhando para
frente, o fundamental será que as providências necessárias sejam adotadas.
Inicialmente, claro, oferecendo tempo e apoio para que a situação seja
regularizada pelos proprietários.
Depois disso, cumprida a etapa do
levantamento e das advertências, a reversão do quadro exigirá ação e firmeza da
parte da gestão municipal. Parece imperativo que, identificados, os
responsáveis pelos terrenos em questão sejam pressionados a buscar uma regularização
imediata.
As autoridades municipais dispõem de instrumentos para combater o quadro danoso com mais eficiência e prometem ter disposição para fazê-lo. O Código da Cidade define isso com clareza e chegou a hora de o colocarmos em prática para regularizar um quadro que, repita-se, tem impacto na vida do cidadão de Fortaleza. n
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