quarta-feira, 16 de abril de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Milei avança ao adotar novo regime cambial

O Globo

Respaldado por acordo robusto com o FMI, presidente argentino tenta sair da armadilha do peso forte

A decisão do presidente argentino, Javier Milei, de reformular a política cambial chegou em boa hora. Desde que assumiu, em dezembro de 2023, ele promoveu mudanças consideradas impensáveis. Reduziu o gasto público em 27% e fez a inflação mensal cair de 26% para cerca de 3%. Não sem razão seus apoiadores dizem que a Argentina precisou de um presidente fora do normal para dar mais normalidade a sua economia. Apesar de um primeiro ano promissor, desafios persistem. O recente acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) abriu o caminho para Milei tentar desatar o nó do câmbio. A chegada de dólares motivou o anúncio de um novo regime, com a implementação de uma banda de flutuação. O sucesso de todo o plano econômico depende de uma transição sem sobressaltos.

Milei fez campanha eleitoral prometendo a dolarização da economia, mas, sem reservas cambiais, não demorou a ser lembrado da máxima de que “governar a Argentina é controlar o câmbio”. Em seu primeiro dia na Casa Rosada, houve uma maxidesvalorização, com o peso perdendo mais de 50% do valor. Logo o Banco Central reforçou um conjunto de restrições à operação em dólares criado por Mauricio Macri e mantido por Alberto Fernández e adotou uma política para deixar o peso artificialmente forte. Desde o primeiro momento, porém, estava evidente que o statu quo era insustentável. Milei tinha apenas ganhado mais tempo.

A economia argentina vivia situação paradoxal. Precisava desesperadamente de mais dólares e, ao mesmo tempo, com o peso valorizado, afugentava a entrada de investimento estrangeiro e tirava a competitividade dos exportadores. Por que não acabar com esse arranjo na política cambial? O temor era uma corrida descontrolada pelo dólar e a repetição de uma crise vista outras vezes no país, marcando o fim de mais uma tentativa de estabilização. A saída dessa armadilha dependia de o Banco Central, com reservas líquidas negativas, ter condições de bancar a transição para um novo sistema.

Os laços de Milei com o governo do presidente americano Donald Trump acabaram dando frutos. Com o apoio dos Estados Unidos, a Argentina conseguiu fechar mais um acordo com o FMI (o país é o maior devedor da instituição). Robusto, o pacote externo totaliza mais de US$ 20 bilhões, sendo US$ 15 bilhões em dinheiro novo. O restante veio em forma de amortizações de financiamentos do passado.

Assegurado o lastro, a Argentina anunciou novas regras para o câmbio. Ficou para trás a restrição para a compra de dólares por pessoas físicas. O câmbio flutuará em um sistema de banda móvel, inicialmente com piso de 1.000 pesos e teto de 1.400 pesos. Num primeiro momento, a reação do mercado foi positiva. A cotação tem se mantido dentro do esperado, e a diferença com o câmbio paralelo segue estável. Ao atacar o problema, Milei tem a chance de avançar em seu projeto de reconstrução da economia argentina.

Por certo, há mais a fazer e muitos riscos. Um deles é o de fadiga social, apontam os pesquisadores Fabio Giambiagi e Emerson Tizziani em artigo recente. Até o momento, Milei tem mantido níveis altos de apoio popular, apesar de consequências negativas do ajuste. As eleições marcadas para outubro serão um termômetro. A vitória do peronismo, mesmo que parcial, poderá descarrilar o processo de mudança. Até lá, todos os olhos estarão na taxa de câmbio.

TCU faz bem em ampliar auditoria sobre prejuízos em fundo da Previ

O Globo

Reserva de funcionários do BB perdeu R$ 17,7 bilhões em 2024 — gestores atribuem culpa ao mercado

Para esclarecer a perda, em 2024, de R$ 17,7 bilhões no principal plano de previdência da Previ, fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, o Tribunal de Contas da União (TCU) converteu a investigação preliminar sobre o episódio em auditoria ampla. Foi uma decisão acertada, em defesa dos segurados da Previ e dos cofres públicos. A experiência mostra que há sempre o risco de a mantenedora do fundo também ser chamada a contribuir para fechar eventuais rombos, despesa que, em algum momento, recai sobre o Tesouro.

Aberta pelo ministro Walton Alencar, a investigação fez com que o TCU decidisse também encaminhar cópia do processo à Polícia Federal (PF), à Controladoria-Geral da União (CGU) e ao Ministério Público Federal (MPF), bem como a comissões do Congresso. A sindicância começou com o pedido de averiguação do cumprimento de normas legais na condução do fundo pelo sindicalista João Fukunaga, funcionário concursado do BB e presidente da Previ. Foi constatado, de 2023 para 2024, que o Plano 1 da Previ passou de superávit de R$ 14,5 bilhões ao déficit bilionário. O plano já saiu da fase de acumulação e passou a ter de pagar aposentadorias e pensões.

A Previ argumenta que o déficit não é prejuízo, apenas reflete a flutuação normal no valor dos ativos mantidos pelo fundo, que será corrigida com o tempo pelo próprio mercado. Caso isso não ocorra, é grande a chance de o plano ter dificuldades de pagar os benefícios prometidos. Por suas características, fundos de pensão precisam estar lastreados em títulos de renda fixa seguros, como bônus do Tesouro ou papéis semelhantes. A compra de ações, debêntures e outros papéis de maior volatilidade precisa estar embasada em sólida fundamentação técnica.

A investigação preliminar aponta descumprimento de norma destinada a reduzir a dependência de papéis em Bolsa. A auditoria averiguará investimentos em ações da Vibra (ex-BR Distribuidora) e da Vale, duas estatais privatizadas. A suspeita é que a compra desse títulos tem relação com o interesse de diretores da Previ em assumir postos no conselhos das empresas.

A manutenção de grande posição em ações da Vale, segundo Alencar, visa a manter Fukunaga em seu conselho, onde recebe, segundo relatos, perto de R$ 1,8 milhão por ano. No voto, ele registra que o “problema central está muito longe de resumir-se à Vale”. O relatório preliminar da área técnica do TCU cita como suspeita a aplicação de R$ 1,4 bilhão em ações da Vibra no início do ano passado, quando elas estavam em alta na Bolsa.

Fundos de pensão são investidores relevantes no mercado financeiro em todo o mundo. No Brasil, os maiores são mantidos por funcionários de grandes estatais — além do Banco do Brasil, Petrobras (Petros) e Caixa Econômica (Funcef) —, por isso exigem vigilância estreita. Como revelaram diversas investigações sobre corrupção no passado, eles são permeáveis a pressões políticas normalmente contrárias à necessidade de entregar o patrimônio prometido aos segurados.

Déficit da Previdência volta a pressionar contas públicas

Valor Econômico

Em um cenário de crescimento econômico menor, como o previsto para este ano, e possível recuo do mercado de trabalho, o financiamento do déficit da Previdência será ainda mais problemático

O ritmo de aumento dos gastos da Previdência foi atenuado pela reforma de 2019, mas segue uma trajetória de crescimento que se tornará insustentável nos próximos anos. O problema ganhou nova dimensão em projeções explosivas elaboradas pelo Tesouro Nacional para os gastos da Previdência Social dos empregados do setor privado - o Regime Geral da Previdência Social (RGPS) - em seu mais recente Balanço Geral da União.

A expectativa do Tesouro é que, neste ano, as despesas com a Previdência Social dos empregados do setor privado ultrapassem o R$ 1 trilhão pela primeira vez, chegando a R$ 1,032 trilhão, ou 8,1% do Produto Interno Bruto (PIB), enquanto as receitas devem ficar em R$ 693,5 bilhões (5,5% do PIB). Dessa forma, o déficit da Previdência deve ser de R$ 338,1 bilhões, o equivalente a 2,68% do PIB.

Em 2024, apenas quatro anos depois da entrada em vigor da reforma, o déficit do RGPS foi de R$ 304,6 bilhões, ou 2,52% do PIB. Até houve uma melhora em relação a 2023, quando o rombo ficou em 3,75% do PIB, propiciado pelo crescimento econômico acima do esperado e pelo mercado de trabalho aquecido, fatores que aumentaram as contribuições e elevaram as receitas no ano passado. Para alguns especialistas, o pagamento de precatórios também ajudou. Mas as despesas continuaram crescendo.

O Tesouro prevê que o déficit da Previdência dos trabalhadores do setor privado ficará ao redor do patamar atual até 2030, quando deverá subir sensivelmente e chegar a 2040 em 3,57% do PIB. Daí em diante, a perspectiva é de um aumento de 1,5 a 2 pontos do PIB nas décadas seguintes, atingindo preocupantes 11,61% do PIB em 2100 - em 75 anos, quando as receitas previdenciárias devem somar nada menos que R$ 13,8 trilhões (5,4% do PIB), enquanto as despesas com benefícios atingirão R$ 43,8 trilhões (17% do PIB).

O levantamento do Tesouro não engloba a Previdência de funcionários públicos federais nem dos militares, que representam 30% do déficit previdenciário total, e constituem outras bombas de efeito retardado. Incluindo ambos, o gasto total com a previdência em 2024 chegou a R$ 416,8 bilhões (3,45% do PIB).

O déficit dos servidores públicos e militares vem apresentando queda nos últimos anos, com o aumento das receitas com contribuições previdenciárias. No entanto, tanto a Previdência dos servidores públicos quanto a dos militares têm mais servidores em inatividade do que em atividade, o que causa defasagem crescente e demanda financiamento permanente. No INSS ainda há mais trabalhadores em atividade do que aposentados, em uma razão de 1,6, embora esse patamar esteja abaixo do mínimo de 3 para equilibrar regimes previdenciários de repartição simples, calculado por especialistas. O INSS é responsável pelo pagamento de benefícios para quase 30 milhões pessoas. Já o regime dos servidores públicos, por exemplo, atende apenas cerca de 1 milhão de funcionários públicos.

Em termos per capita, a diferença é gritante, e os números reforçam a necessidade de mudança de regras para todos os regimes. Não há caminho para reduzir o déficit público que não passe por encarar os problemas da Previdência. Em um cenário de crescimento econômico menor, como o previsto para este ano, e possível recuo do mercado de trabalho, o financiamento do déficit da Previdência será ainda mais problemático.

Um dos motivos do aumento crescente das despesas com a Previdência é a vinculação dos benefícios à política de aumento real do salário mínimo. Nada menos do que 70% dos benefícios pagos pelo INSS o seguem. Para pagamentos acima do mínimo a correção é somente pela inflação. Neste ano, as aposentadorias, pensões e outros benefícios do INSS no valor de um salário mínimo foram reajustados em 7,51%, enquanto os benefícios maiores foram corrigidos em 4,77% (a variação do INPC). Esse reajuste maior para os benefícios iguais ao salário mínimo é previsto até 2100 pelo governo.

O próprio envelhecimento da população, que será mais acelerado a partir de 2030, apresenta mais desafios para a política previdenciária, uma vez que causa a redução da população que contribui e aumenta o número dos que têm direito aos benefícios. Além disso, algumas regras de transição da reforma de 2019, que adiou parte dos pedidos de aposentadoria, param de fazer efeito a partir de 2030.

São várias as providências que podem ser tomadas na Previdência do setor privado. Sem falar nas relacionadas aos militares e funcionários públicos, alguma das quais já em tramitação no Congresso. Há sugestões no âmbito da aposentadoria rural e no regime do Microempreendedor Individual (MEI), além de algum mecanismo de aumento automático de correção da idade de aposentadoria ou revisão do benefício conforme cresce a expectativa de vida. Se fossem adotadas paulatinamente, evitariam o impacto certamente negativo e custoso politicamente de uma nova grande reforma da Previdência.

Precatórios precisam ser pagos sem atrasos nem truques

Folha de S. Paulo

Conta pode chegar a R$ 116 bi em 2026; será preciso regularizar contabilidade, e governo deveria estar sustando despesas

Há mais de três anos que o governo brasileiro recorre a gambiarras diversas para lidar com pagamentos devidos a cidadãos, empresas e outros entes federativos por decisões judiciais, os famigerados precatórios. Oficialmente, a contabilidade dessas despesas será regularizada a partir de 2027, mas não se vê movimento para tornar viável tal objetivo.

Verdade que não se trata de problema trivial, como já se podia perceber em 2021 —quando a administração de Jair Bolsonaro (PL) foi surpreendida por um aumento brusco, de R$ 54 bilhões para perto de R$ 90 bilhões, dos precatórios a pagar em 2022.

Nada disposto a sacrificar outros gastos públicos em pleno ano eleitoral, o Palácio do Planalto recorreu a um calote parcial, contando com o Congresso Nacional para uma emenda à Constituição que permitia adiar uma parcela dos pagamentos programados para os anos seguintes.

Como era evidente, tal remendo orçamentário, se mantido, resultaria num endividamento em bola de neve, de valores crescentes ano a ano. Por isso, o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez bem em derrubar a norma, desta vez com o suporte do Supremo Tribunal Federal (STF).

A gestão petista, entretanto, tampouco foi capaz de acomodar os precatórios nos limites do Orçamento. Fez uma megaquitação de R$ 92,4 bilhões em dezembro de 2023, quando não estavam em vigor as novas regras de contenção da despesa federal, e obteve autorização para manter boa parte dos desembolsos seguintes fora delas.

Esse arranjo precário está programado para durar até o próximo ano, quando se encerra o mandato de Lula —e quando, segundo estimativa recém-divulgada, a conta dos precatórios deverá ficar em torno de R$ 116 bilhões, dos quais R$ 55 bilhões fora do teto para os gastos.

A longo prazo, é preciso identificar as causas da escalada desses valores e estancá-la. De mais imediato, cumpre tomar providências para regularizar a contabilidade oficial, o que o governo já deveria estar fazendo. Entretanto inexiste esforço para frear a gastança geral, ainda mais diante da baixa aprovação ao presidente da República, o que dificultará sobremaneira a tarefa.

Recorrer mais uma vez ao atraso de pagamentos será escandaloso. Excluí-los de vez das metas orçamentárias, como já pretendeu a administração petista, seria truque inútil, uma vez que todos os dispêndios impactam a dívida pública —e conter o endividamento é o propósito principal das metas orçamentárias.

Elevar o teto fiscal e afrouxar metas pode parecer saída simples, mas implicará perda de credibilidade para a política econômica e não tornará menos imprevisível a rubrica dos precatórios.
É ilusório imaginar que o problema possa ser transferido sem custos para a próxima gestão, que pode ser do próprio Lula. O desequilíbrio do Orçamento já cobra hoje seu preço com juros.

Transporte marítimo na rota da descarbonização

Folha de S. Paulo

Órgão da ONU prevê emissão zero de CO2 em navegação até 2050; meta deveria ser seguida por todos os setores da economia

Na guerra pela sobrevivência em que se converteu a crise do clima, com eventos meteorológicos extremos a flagelar populações em todo o planeta, sobressai a procrastinação nas tratativas internacionais.

Há raros avanços, porém, como no acordo alcançado pela Organização Marítima Internacional (IMO, em inglês), que anunciou, no dia último dia 11, o compromisso de reduzir emissões líquidas de carbono a zero até 2050. É o primeiro arranjo setorial de descarbonização capitaneado por uma instituição da Organização das Nações Unidas (ONU).

A indústria de navegação, de fato, responde por só 3% dos gases de efeito estufa, lançados primordialmente pela queima de combustíveis fósseis. Corresponde a menos de um quinto da poluição climática no transporte de mercadorias e pessoas, em que o modal rodoviário é o maior emissor.

A contribuição mais destacada para o aquecimento global, cerca de um terço, vem da eletricidade —nada menos que 60% de sua geração emprega combustíveis fósseis, com destaque para carvão mineral. Outra atividade poluidora importante (15%) é o uso da terra, que engloba agropecuária e desmatamento.

Todos esses setores e países precisariam adotar para 2050 a meta "net-zero", segundo o jargão climático, para que se alcance o objetivo prudencial de não ultrapassar 1,5ºC de aquecimento da atmosfera neste século, como estipula o Acordo de Paris (2015). Mas as emissões globais seguem em alta, e os dez anos mais quentes desde a Era Industrial recaem todos na última década corrida.

O acerto obtido pelos integrantes da IMO, que representam 97% de toda a carga transportada no mundo, combina limites mandatórios para emissões por navios e precificação de gases do efeito estufa ainda lançados. Armadores que lograrem cumprir a meta antes do prazo ou forem além dela ganham créditos que podem vender para os deficitários.

O acordo entra em vigor em 2027 e tem marcos intermediários fixados para 2030 e 2040.

Haverá um fundo para financiar desenvolvimento de tecnologias e combustíveis de baixa emissão ou neutros em carbono, além de fomentar adoção de inovações por países menos desenvolvidos. Quem não cumprir as metas pagará à IMO multas entre US$ 100 e US$ 380 por tonelada de CO2 emitida.

Propostas mais ambiciosas, como a da União Europeia, foram rechaçadas. De todo modo, a iniciativa setorial, por limitada que seja, constitui um primeiro passo que precisa ser dado em todos os quadrantes da economia global.

Tudo errado

O Estado de S. Paulo

Governistas subscrevem urgência do PL da Anistia, o governo recorre a cargos para pressioná-los e Congresso debate um tema incapaz de mobilizar a sociedade. É Brasília em estado bruto

De forma impressionante, mas não surpreendente para um país que se acostumou a ver transgressões morais e políticas em Brasília, há muita coisa fora do lugar nas tratativas envolvendo o projeto que anistia os condenados pelos ataques golpistas do 8 de Janeiro. Como se viu esta semana, o PL protocolou o requerimento que pede urgência na tramitação e votação do projeto, com a subscrição de 262 parlamentares, cinco a mais do que o necessário para que o pedido se torne apto a ser votado. Ainda que o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), não seja obrigado a pautá-lo, o número de assinaturas é uma forma de demonstração do apoio à matéria dentro da Casa legislativa. Um assombro que se avizinha conforme se aproxima o julgamento do maior beneficiário do projeto e maior golpista de todos – o ex-presidente Jair Bolsonaro.

Foi com igual assombro que se constatou que mais da metade da lista de entusiastas com a celeridade do chamado PL da Anistia é composta por integrantes da base de apoio ao governo do presidente Lula da Silva: 55% são de partidos com ministérios e 61% são filiados a siglas da base governista, em geral contemplados com cargos de segundo escalão. Aparecem na lista deputados do União Brasil (40), Progressistas (35), Republicanos (28), PSD (23) e MDB (20). Em reação à adesão de “aliados” – vamos chamá-los assim por ora –, a caciquia do Palácio do Planalto já acenou com um trunfo a que governos fisiológicos costumam recorrer para atrair o voto de parlamentares ou inibir traições à vista: o mapa de cargos e indicações já feitas por deputados em órgãos federais nos Estados.

Com o tal mapa em mãos, o governo tentará demover governistas, desmobilizar a anistia e evitar que o avanço da matéria termine por beneficiar o maior adversário de Lula da Silva. Enquanto isso, há relatos de que até mesmo parlamentares que apoiam a urgência do projeto na Câmara não têm certeza ou consenso sobre o alcance efetivo do projeto em questão, isto é, de qual grau de abrangência da anistia se estará tratando caso o PL avance.

Eis Brasília em estado puro: uma Câmara dos Deputados às voltas com um projeto de lei que até aqui não mobilizou a sociedade em sua defesa, um ex-presidente que dá tratos à bola para driblar a lei e a Constituição e livrar da cadeia os que conspiraram para tentar destruir a democracia, uma base governista desalinhada ao governo e um presidente que, incapaz de manejar bem sua coalizão multipartidária, finge que divide a gestão com aliados – e estes, em troca, deixam de seguir a orientação de Lula da Silva em diversas votações e diretrizes.

Não é novidade que a base do atual mandato é heterogênea, frágil e hostil. Igualmente conhecido é o fato de que, estimuladas pelos amplos poderes adquiridos nos últimos anos pelas emendas parlamentares – que lhes deram força inédita sobre o Orçamento da União –, as bancadas passaram a se mobilizar menos por cargos e verbas oferecidos pelo governo de ocasião. Mas falta ao governo reconhecer o óbvio: as dificuldades que enfrenta, no tema da anistia e em muitos outros, decorrem também de um problema crônico desde o primeiro mandato lulopetista, isto é, a incapacidade de Lula da Silva e do PT de dividir o poder. Todos os partidos que têm parlamentares subscrevendo a urgência do PL da Anistia, contra a vontade do governo, são mais do que meramente “governistas”: têm quadros chefiando ministérios. Para quem se sente desprestigiado pelo demiurgo petista e seu partido, isso pouco importa.

O que se assiste é consequência inevitável, ainda que odiosa, desta soma de disfuncionalidades e equívocos. No passado havia uma máxima vigente nos corredores do Congresso: “Aqui tem de tudo. Tem ladrão, honesto, canalha, gente séria. Só não tem bobo”. Enquanto o governo patina no mau manejo com o Congresso, felizmente, até aqui, o presidente da Câmara, Hugo Motta, tem resistido bravamente a colocar o PL da Anistia em pauta, mas, sob pressão e evitando decidir sozinho, já teria aberto a possibilidade de levar o projeto à discussão no Colégio de Líderes. Maus presságios para uma Casa que tem de tudo, só não tem bobo.

Mais médicos, menos qualidade

O Estado de S. Paulo

Só quatro em cada dez cursos de Medicina no País atingem as notas mais altas de avaliação do MEC, reforçando a necessidade de revisão dos critérios de liberação de mais escolas médicas

Se ainda restava alguma dúvida sobre os perigos do crescimento desenfreado dos cursos de Medicina no Brasil, os recentes números divulgados pelo Ministério da Educação (MEC) ajudam a dissipá-la. Anunciados na sexta-feira (11/4), os dados mostraram indicadores de qualidade do ensino superior brasileiro, incluindo o Conceito Preliminar de Curso (CPC), índice que avalia as graduações por meio do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade), o corpo docente, a infraestrutura e os recursos didático-pedagógicos. No caso da formação médica no País, o retrato da qualidade é desanimador.

Foram avaliados 31 mil concluintes de 309 cursos de Medicina de todas as regiões. As notas do CPC variam de 1 a 5, sendo as notas 4 e 5 aquelas consideradas adequadas para graduações como Medicina. Somente 40,4% obtiveram tais notas. Apenas 4,7% dos cursos privados alcançaram a nota máxima. Cerca de 27% dos cursos de faculdades privadas – terreno onde prosperou o enorme salto quantitativo dos últimos anos – obtiveram notas 1 e 2. Nas universidades públicas, esse índice foi de 6%. A maior parte das graduações avaliadas (50,5%), entre públicas e privadas, atingiu nota 3, considerada regular. Os números são desalentadores também quando comparados ao passado recente: em 2019, as piores notas foram obtidas por 13% dos cursos, ante os 20% atuais.

Ainda que indicadores como o CPC e exames como o Enade sejam hoje objeto de críticas e estejam sob revisão, sua defasagem tende a minimizar, e não potencializar, as fragilidades das avaliações e dos cursos. Em outras palavras, é possível imaginar, por exemplo, que os resultados poderiam ser ainda piores se os indicadores levassem em conta dimensões mais compatíveis com o presente, como a adequação ao mercado de trabalho e a pesquisa. Mas passemos. Por ora, o que salta mesmo aos olhos é o fato de que a modéstia dos resultados se mostra inversamente proporcional à notável expansão de vagas, sobretudo no ensino privado.

Em 1990, havia 78 faculdades de Medicina no Brasil. Em 2020, já eram 357. Hoje o Conselho Federal de Medicina contabiliza 389 cursos. Há dois anos, um levantamento da USP mostrou que 90% das vagas abertas na última década estavam no setor privado – incentivado, primeiro, pela lei que criou o Programa Mais Médicos e, depois, por uma chuva de liminares, que permitiu abrir escolas mesmo durante a proibição, pelo governo, da abertura de novos cursos por cinco anos. A porteira foi reaberta justamente em 2023. Com o número atual de concluintes, o Brasil exibe uma proporção de 2,81 médicos por mil habitantes, o que nos coloca à frente de países como Estados Unidos, Japão e China.

Em tese, tamanho avanço seria uma excelente notícia para um país repleto de carências na saúde. Só em tese, porque, na prática, o Brasil assistiu, praticamente inerte, à continuidade de dois males tão longevos quanto perversos: a desigualdade na distribuição dos profissionais e a má qualidade do atendimento à saúde. Em contrapartida, há sinais não só da formação precária nos cursos abertos, como também de outros problemas como oferta de vagas em locais sem estrutura mínima ou avaliação correta das condições de ensino, ou mesmo ausência de laboratórios modernos, corpo docente competente e qualidade dos estágios práticos.

É há os preços abusivos. Recentemente, o ministro da Educação, Camilo Santana, chegou a questionar os valores praticados pelo ensino privado. Como a estrutura do MEC é reconhecidamente deficiente para regular e fiscalizar a qualidade e sua incompatibilidade com os valores cobrados, o ministro tem defendido a criação de uma espécie de agência reguladora para o ensino superior privado, prevendo um novo instituto que fique responsável pelas avaliações. Essa ideia ainda carece de avanço num governo que reconhecidamente é avesso a agências reguladoras. Mas a pasta também estuda mudanças na forma como os cursos da área de saúde serão avaliados in loco.

Que os números radiografados agora reforcem a convicção nacional sobre o tamanho do problema – e a necessidade de máxima urgência para enfrentá-lo.

O teste do pudim na Argentina

O Estado de S. Paulo

Ajuste até agora bem-sucedido de Milei enfrenta o necessário teste do câmbio mais livre

Em contrapartida a um aguardado – e necessário – acordo de US$ 20 bilhões com o Fundo Monetário Internacional (FMI), a Argentina finalmente removeu algumas de suas severas restrições cambiais, como, por exemplo, o teto de US$ 200 para a compra de moeda norte-americana por pessoas físicas. Além disso, o peso passou a flutuar dentro de uma banda – tal como no Brasil dos anos 1990 – de entre 1 mil e 1,4 mil pesos por dólar.

A julgar pela reação dos mercados nos primeiros dias de “flexibilização”, a gestão de Javier Milei, que resistia a mexer no câmbio antes das eleições legislativas de outubro, tem motivos para otimismo, ainda que a cautela com uma nação com um histórico de calotes e carência de dólares seja mandatória.

Após desvalorizar fortemente o peso como parte de um ajuste recessivo – mas necessário para reverter a destruição da economia argentina depois de anos de irresponsável administração peronista –, Milei colheu frutos com as medidas que ele mesmo descreveu como remédio amargo. A inflação, que superou os 200% em 2023, recuou para 118% no ano passado. Sob o libertário, o país também passou a colecionar superávits fiscais.

Gradualmente, porém, o peso foi se valorizando e uma maior flutuação da moeda era defendida por diversos atores econômicos, entre os quais o próprio FMI. Temeroso de que uma nova rodada de desvalorização cambial mais expressiva realimentasse a inflação, o governo de Milei vinha mantendo as rédeas cambiais criadas muito antes de ele assumir a Presidência.

É fato que, com a liberação parcial do câmbio agora posta em prática, haverá pressão inflacionária, mas os cálculos iniciais de analistas ouvidos pelo jornal La Nación posicionam a inflação de 2025 no patamar de 27%. É um nível superior ao previsto pelo próprio FMI (18% a 23%), mas bastante inferior ao que o país se acostumou nos últimos anos.

Dito de outra forma: os analistas entendem que o impacto inflacionário não será tão expressivo e, mais importante, terá caráter provisório.

Tanto melhor que seja assim, pois o caminho da Argentina rumo ao que o FMI classifica de “transição para uma nova fase do plano de estabilização e crescimento” é longo. A Argentina precisa desesperadamente recompor suas reservas para quem sabe um dia deixar de depender do FMI, de quem se tornou um “cliente” crônico.

Se os desafios argentinos já não são, por natureza, nada triviais, o alto grau de incerteza a que o mundo se vê submetido desde que Donald Trump retornou à Casa Branca exige que o comprometimento de Milei, do Congresso e do povo argentino com reformas estruturais seja extremamente sólido.

Com o acordo com o fundo, Milei, que por erros próprios vinha dando combustível a uma oposição organicamente desarticulada e sem projeto, ganha força para chegar às eleições de outubro com vigor.

Ampliar sua diminuta base no Congresso será essencial para que a receita econômica até agora bem-sucedida do libertário supere seu mais importante teste: o de longevidade. Acostumada a crises, a Argentina precisa provar que as conquistas recentes, feitas com enorme esforço da população, não têm prazo de validade.

Suspeita de espionagem ilegal exige rigor 

Correio Braziliense

A seriedade dada à investigação de suposto esquema de espionagem ilegal precisa ser a mesma dos julgamentos dos réus dos atos de 8 de Janeiro

 A Polícia Federal (PF) intimou, ontem, dois depoimentos de nomes importantes ligados à Agência Brasileira de Inteligência (Abin), braço do governo federal responsável por coletar e analisar dados informacionais para assessorar a Presidência da República nas tomadas de decisão. Na mira da PF, estão o atual diretor-geral da entidade, Luiz Fernando Corrêa; e o ex-diretor adjunto da agência, durante o governo Jair Bolsonaro (PL), Alessandro Moretti. 

Os dois foram arrolados na investigação que apura um suposto esquema de espionagem ilegal de desafetos de Bolsonaro, quando o líder da direita ainda estava na Presidência da República. Ao mesmo tempo, a convocação de Luiz Fernando Corrêa sugere que a atual gestão da Abin, sob responsabilidade de Luiz Inácio Lula da Silva, também tem esclarecimentos a prestar à PF, sobretudo após reportagem do Uol mostrar que o Brasil se infiltrou, até maio de 2023, em sites do governo paraguaio com objetivo de barganhar melhores preços pela energia gerada em Itaipu — que tem sua produção dividida entre os países desde sua construção, nos anos de 1980. 

O monitoramento feito pela Abin contra desafetos do governo e contra outro país da América do Sul, caso confirmado pela investigação da PF, remonta os manuais autoritários mantidos pela ditadura entre 1964 e 1985, quando opositores eram ininterruptamente vigiados pelo regime militar. Com um adendo: o avanço da tecnologia permite, hoje, um acompanhamento infinitamente mais detalhado, principalmente a partir do cruzamento de dados com outras interfaces internas e externas à Abin. 

Esse passado ajuda explicar o peso que o Brasil, como Estado Democrático de Direito, precisa dar às suspeitas que pairam sobre a Abin, na gestão atual de Luiz Fernando Corrêa e, principalmente, na administração passada, sob liderança do delegado e atual deputado federal Alexandre Ramagem, réu pelos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023. 

A investigação da PF aponta que a vigilância clandestina da Abin de Ramagem acompanhava não só opositores do governo, mas também jornalistas críticos da gestão. Uma clara afronta à democracia brasileira.

A gravidade dos fatos aliada à história autoritária da política brasileira obrigam o país a dar uma resposta séria a essas suspeitas, de maneira célere, mas, também, responsável e equilibrada, respeitando a Constituição.

Além das oitivas, a PF tem outras perguntas a serem respondidas nessa investigação. O monitoramento irregular, se realmente existiu, continua em operação? Quem sabia da sua existência e autorizou sua instalação? Quanto, em dinheiro público, foi gasto para financiar o sistema? 

A seriedade dada a essa investigação precisa ser a mesma dos julgamentos dos réus dos atos de 8 de Janeiro. O Brasil precisa, mais uma vez, olhar para a sua história para não cometer os mesmos erros do passado. 

Renasce a TV O POVO

O Povo

Uma TV voltada essencialmente ao conteúdo jornalístico e aos assuntos culturais. É assim que renasce a TV O POVO, um canal aberto apresentado no dígito 48.2. Desde essa terça, 15 de abril, é possível acessar gratuitamente na TV todos os programas desenvolvidos pelo Grupo de Comunicação O POVO, uma forma de democratizar cada vez mais a informação de qualidade e levar a mais gente os assuntos publicados de forma séria e responsável.

A iniciativa de criação da TV O POVO é uma parceria com a Secretaria da Cultura do Ceará (Secult-CE) e foi viabilizada no ano de 2024, após decreto assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, segundo o qual as TVs digitais têm direito à multiprogramação, com extensão de até três canais extras. Assim, a medida foi necessária, pois o Grupo já tem um canal televisivo, apresentado pelo dígito 48.1, da Fundação Demócrito Rocha (FDR).

É importante frisar que a volta da TV O POVO traz consigo novos públicos em um tempo de constantes e profundas transformações na comunicação. A reação do público, a partir de um perfil exigente que consome a programação mais jornalística e cultural, ditará novas perspectivas para a TV. A transmissão procura atender a esse público, talvez mais tradicional no comportamento, mas cada vez mais moderno na busca por informações de alta qualidade, que é o que a TV O POVO oferece.

Assim, o canal funcionará com, pelo menos, 10 horas de conteúdo jornalístico durante o dia. Fazem parte da programação os programas "O POVO News", "O POVO na Rádio", "O POVO da Tarde", "Debates do POVO", "Esportes O POVO" e podcasts gravados. Durante o período da noite, a transmissão se divide em três faixas de horário. Uma delas é exclusivamente associada às produções do O POVO , com registros audiovisuais e documentários produzidos por suas equipes de jornalistas. Outra é dedicada às produções audiovisuais das universidades do Brasil. Pela madrugada, ocorrer a exibição de filmes, que são obras cearenses exibidas com a parceria da Secretaria da Cultura do Ceará.

Desse modo, focar também no poder do jornalismo televisivo e na sua programação jornalística e cultural faz parte do processo de formação crítica e reflexiva da sociedade. Prover o público de informações de qualidade, por meio de uma linguagem acessível, mostra o compromisso do O POVO em apresentar, com liberdade editorial e compromisso com a verdade, os temas que são de interesse do público com a força da marca que há 97 anos faz parte da vida do povo. 

 

 

 

 

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