Milei avança ao adotar novo regime cambial
O Globo
Respaldado por acordo robusto com o FMI,
presidente argentino tenta sair da armadilha do peso forte
A decisão do presidente argentino, Javier Milei, de reformular a política cambial chegou em boa hora. Desde que assumiu, em dezembro de 2023, ele promoveu mudanças consideradas impensáveis. Reduziu o gasto público em 27% e fez a inflação mensal cair de 26% para cerca de 3%. Não sem razão seus apoiadores dizem que a Argentina precisou de um presidente fora do normal para dar mais normalidade a sua economia. Apesar de um primeiro ano promissor, desafios persistem. O recente acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) abriu o caminho para Milei tentar desatar o nó do câmbio. A chegada de dólares motivou o anúncio de um novo regime, com a implementação de uma banda de flutuação. O sucesso de todo o plano econômico depende de uma transição sem sobressaltos.
Milei fez campanha eleitoral prometendo a
dolarização da economia, mas, sem reservas cambiais, não demorou a ser lembrado
da máxima de que “governar a Argentina é controlar o câmbio”. Em seu primeiro
dia na Casa Rosada, houve uma maxidesvalorização, com o peso perdendo mais de
50% do valor. Logo o Banco Central reforçou um conjunto de restrições à
operação em dólares criado por Mauricio Macri e mantido por Alberto Fernández e
adotou uma política para deixar o peso artificialmente forte. Desde o primeiro
momento, porém, estava evidente que o statu quo era insustentável. Milei tinha
apenas ganhado mais tempo.
A economia argentina vivia situação
paradoxal. Precisava desesperadamente de mais dólares e, ao mesmo tempo, com o
peso valorizado, afugentava a entrada de investimento estrangeiro e tirava a
competitividade dos exportadores. Por que não acabar com esse arranjo na
política cambial? O temor era uma corrida descontrolada pelo dólar e a
repetição de uma crise vista outras vezes no país, marcando o fim de mais uma
tentativa de estabilização. A saída dessa armadilha dependia de o Banco
Central, com reservas líquidas negativas, ter condições de bancar a transição
para um novo sistema.
Os laços de Milei com o governo do presidente
americano Donald Trump acabaram dando frutos. Com o apoio dos Estados Unidos, a
Argentina conseguiu fechar mais um acordo com o FMI (o país é o maior devedor
da instituição). Robusto, o pacote externo totaliza mais de US$ 20 bilhões,
sendo US$ 15 bilhões em dinheiro novo. O restante veio em forma de amortizações
de financiamentos do passado.
Assegurado o lastro, a Argentina anunciou
novas regras para o câmbio. Ficou para trás a restrição para a compra de
dólares por pessoas físicas. O câmbio flutuará em um sistema de banda móvel,
inicialmente com piso de 1.000 pesos e teto de 1.400 pesos. Num primeiro
momento, a reação do mercado foi positiva. A cotação tem se mantido dentro do
esperado, e a diferença com o câmbio paralelo segue estável. Ao atacar o
problema, Milei tem a chance de avançar em seu projeto de reconstrução da
economia argentina.
Por certo, há mais a fazer e muitos riscos.
Um deles é o de fadiga social, apontam os pesquisadores Fabio Giambiagi e
Emerson Tizziani em artigo recente. Até o momento, Milei tem mantido níveis
altos de apoio popular, apesar de consequências negativas do ajuste. As
eleições marcadas para outubro serão um termômetro. A vitória do peronismo,
mesmo que parcial, poderá descarrilar o processo de mudança. Até lá, todos os
olhos estarão na taxa de câmbio.
TCU faz bem em ampliar auditoria sobre
prejuízos em fundo da Previ
O Globo
Reserva de funcionários do BB perdeu R$ 17,7
bilhões em 2024 — gestores atribuem culpa ao mercado
Para esclarecer a perda, em 2024, de R$ 17,7
bilhões no principal plano de previdência da Previ, fundo de pensão dos
funcionários do Banco do
Brasil, o Tribunal de Contas da União (TCU)
converteu a investigação preliminar sobre o episódio em auditoria ampla. Foi
uma decisão acertada, em defesa dos segurados da Previ e dos cofres públicos. A
experiência mostra que há sempre o risco de a mantenedora do fundo também ser
chamada a contribuir para fechar eventuais rombos, despesa que, em algum
momento, recai sobre o Tesouro.
Aberta pelo ministro Walton Alencar, a
investigação fez com que o TCU decidisse também encaminhar cópia do processo à
Polícia Federal (PF), à Controladoria-Geral da União (CGU) e ao Ministério
Público Federal (MPF), bem como a comissões do Congresso. A sindicância começou
com o pedido de averiguação do cumprimento de normas legais na condução do
fundo pelo sindicalista João Fukunaga, funcionário concursado do BB e
presidente da Previ. Foi constatado, de 2023 para 2024, que o Plano 1 da Previ
passou de superávit de R$ 14,5 bilhões ao déficit bilionário. O plano já saiu
da fase de acumulação e passou a ter de pagar aposentadorias e pensões.
A Previ argumenta que o déficit não é
prejuízo, apenas reflete a flutuação normal no valor dos ativos mantidos pelo
fundo, que será corrigida com o tempo pelo próprio mercado. Caso isso não
ocorra, é grande a chance de o plano ter dificuldades de pagar os benefícios
prometidos. Por suas características, fundos de pensão precisam estar
lastreados em títulos de renda fixa seguros, como bônus do Tesouro ou papéis
semelhantes. A compra de ações, debêntures e outros papéis de maior
volatilidade precisa estar embasada em sólida fundamentação técnica.
A investigação preliminar aponta
descumprimento de norma destinada a reduzir a dependência de papéis em Bolsa. A
auditoria averiguará investimentos em ações da Vibra (ex-BR Distribuidora) e da
Vale, duas estatais privatizadas. A suspeita é que a compra desse títulos tem
relação com o interesse de diretores da Previ em assumir postos no conselhos
das empresas.
A manutenção de grande posição em ações da
Vale, segundo Alencar, visa a manter Fukunaga em seu conselho, onde recebe,
segundo relatos, perto de R$ 1,8 milhão por ano. No voto, ele registra que o
“problema central está muito longe de resumir-se à Vale”. O relatório
preliminar da área técnica do TCU cita como suspeita a aplicação de R$ 1,4
bilhão em ações da Vibra no início do ano passado, quando elas estavam em alta
na Bolsa.
Fundos de pensão são investidores relevantes
no mercado financeiro em todo o mundo. No Brasil, os maiores são mantidos por
funcionários de grandes estatais — além do Banco do Brasil, Petrobras (Petros)
e Caixa Econômica (Funcef) —, por isso exigem vigilância estreita. Como
revelaram diversas investigações sobre corrupção no passado, eles são
permeáveis a pressões políticas normalmente contrárias à necessidade de
entregar o patrimônio prometido aos segurados.
Déficit da Previdência volta a pressionar
contas públicas
Valor Econômico
Em um cenário de crescimento econômico menor,
como o previsto para este ano, e possível recuo do mercado de trabalho, o
financiamento do déficit da Previdência será ainda mais problemático
O ritmo de aumento dos gastos da Previdência
foi atenuado pela reforma de 2019, mas segue uma trajetória de crescimento que
se tornará insustentável nos próximos anos. O problema ganhou nova dimensão em
projeções explosivas elaboradas pelo Tesouro Nacional para os gastos da
Previdência Social dos empregados do setor privado - o Regime Geral da
Previdência Social (RGPS) - em seu mais recente Balanço Geral da União.
A expectativa do Tesouro é que, neste ano, as
despesas com a Previdência Social dos empregados do setor privado ultrapassem o
R$ 1 trilhão pela primeira vez, chegando a R$ 1,032 trilhão, ou 8,1% do Produto
Interno Bruto (PIB), enquanto as receitas devem ficar em R$ 693,5 bilhões (5,5%
do PIB). Dessa forma, o déficit da Previdência deve ser de R$ 338,1 bilhões, o
equivalente a 2,68% do PIB.
Em 2024, apenas quatro anos depois da entrada
em vigor da reforma, o déficit do RGPS foi de R$ 304,6 bilhões, ou 2,52% do
PIB. Até houve uma melhora em relação a 2023, quando o rombo ficou em 3,75% do
PIB, propiciado pelo crescimento econômico acima do esperado e pelo mercado de
trabalho aquecido, fatores que aumentaram as contribuições e elevaram as
receitas no ano passado. Para alguns especialistas, o pagamento de precatórios
também ajudou. Mas as despesas continuaram crescendo.
O Tesouro prevê que o déficit da Previdência
dos trabalhadores do setor privado ficará ao redor do patamar atual até 2030,
quando deverá subir sensivelmente e chegar a 2040 em 3,57% do PIB. Daí em
diante, a perspectiva é de um aumento de 1,5 a 2 pontos do PIB nas décadas
seguintes, atingindo preocupantes 11,61% do PIB em 2100 - em 75 anos, quando as
receitas previdenciárias devem somar nada menos que R$ 13,8 trilhões (5,4% do
PIB), enquanto as despesas com benefícios atingirão R$ 43,8 trilhões (17% do PIB).
O levantamento do Tesouro não engloba a
Previdência de funcionários públicos federais nem dos militares, que
representam 30% do déficit previdenciário total, e constituem outras bombas de
efeito retardado. Incluindo ambos, o gasto total com a previdência em 2024
chegou a R$ 416,8 bilhões (3,45% do PIB).
O déficit dos servidores públicos e militares
vem apresentando queda nos últimos anos, com o aumento das receitas com
contribuições previdenciárias. No entanto, tanto a Previdência dos servidores
públicos quanto a dos militares têm mais servidores em inatividade do que em
atividade, o que causa defasagem crescente e demanda financiamento permanente.
No INSS ainda há mais trabalhadores em atividade do que aposentados, em uma
razão de 1,6, embora esse patamar esteja abaixo do mínimo de 3 para equilibrar
regimes previdenciários de repartição simples, calculado por especialistas. O
INSS é responsável pelo pagamento de benefícios para quase 30 milhões pessoas.
Já o regime dos servidores públicos, por exemplo, atende apenas cerca de 1
milhão de funcionários públicos.
Em termos per capita, a diferença é gritante,
e os números reforçam a necessidade de mudança de regras para todos os regimes.
Não há caminho para reduzir o déficit público que não passe por encarar os
problemas da Previdência. Em um cenário de crescimento econômico menor, como o
previsto para este ano, e possível recuo do mercado de trabalho, o
financiamento do déficit da Previdência será ainda mais problemático.
Um dos motivos do aumento crescente das
despesas com a Previdência é a vinculação dos benefícios à política de aumento
real do salário mínimo. Nada menos do que 70% dos benefícios pagos pelo INSS o
seguem. Para pagamentos acima do mínimo a correção é somente pela inflação.
Neste ano, as aposentadorias, pensões e outros benefícios do INSS no valor de
um salário mínimo foram reajustados em 7,51%, enquanto os benefícios maiores
foram corrigidos em 4,77% (a variação do INPC). Esse reajuste maior para os benefícios
iguais ao salário mínimo é previsto até 2100 pelo governo.
O próprio envelhecimento da população, que
será mais acelerado a partir de 2030, apresenta mais desafios para a política
previdenciária, uma vez que causa a redução da população que contribui e
aumenta o número dos que têm direito aos benefícios. Além disso, algumas regras
de transição da reforma de 2019, que adiou parte dos pedidos de aposentadoria,
param de fazer efeito a partir de 2030.
São várias as providências que podem ser
tomadas na Previdência do setor privado. Sem falar nas relacionadas aos
militares e funcionários públicos, alguma das quais já em tramitação no
Congresso. Há sugestões no âmbito da aposentadoria rural e no regime do
Microempreendedor Individual (MEI), além de algum mecanismo de aumento
automático de correção da idade de aposentadoria ou revisão do benefício
conforme cresce a expectativa de vida. Se fossem adotadas paulatinamente,
evitariam o impacto certamente negativo e custoso politicamente de uma nova
grande reforma da Previdência.
Precatórios precisam ser pagos sem atrasos
nem truques
Folha de S. Paulo
Conta pode chegar a R$ 116 bi em 2026; será
preciso regularizar contabilidade, e governo deveria estar sustando despesas
Há mais de três anos que o governo brasileiro
recorre a gambiarras diversas para lidar com pagamentos devidos a cidadãos,
empresas e outros entes federativos por decisões judiciais, os famigerados
precatórios. Oficialmente, a contabilidade dessas despesas será regularizada a
partir de 2027, mas não se vê movimento para tornar viável tal objetivo.
Verdade que não se trata de problema trivial,
como já se podia perceber em 2021 —quando a administração de Jair
Bolsonaro (PL)
foi surpreendida por um aumento brusco, de R$ 54 bilhões para perto de R$ 90
bilhões, dos precatórios a pagar em 2022.
Nada disposto a sacrificar outros gastos
públicos em pleno ano eleitoral, o Palácio do Planalto recorreu a um calote
parcial, contando com o Congresso
Nacional para uma emenda à Constituição que
permitia adiar uma parcela dos pagamentos programados para os anos seguintes.
Como era evidente, tal remendo orçamentário,
se mantido, resultaria num endividamento em bola de neve, de valores crescentes
ano a ano. Por isso, o governo Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) fez bem em
derrubar a norma, desta
vez com o suporte do Supremo Tribunal Federal (STF).
A gestão petista, entretanto, tampouco foi
capaz de acomodar os precatórios nos limites do Orçamento. Fez uma megaquitação
de R$ 92,4 bilhões em dezembro de 2023, quando não estavam em vigor as novas
regras de contenção da despesa federal, e obteve autorização para manter boa
parte dos desembolsos seguintes fora delas.
Esse arranjo precário está programado para
durar até o próximo ano, quando se encerra o mandato de Lula —e quando, segundo
estimativa recém-divulgada, a
conta dos precatórios deverá ficar em torno de R$ 116 bilhões, dos quais R$
55 bilhões fora do teto para os gastos.
A longo prazo, é preciso identificar
as causas da escalada desses valores e estancá-la. De mais imediato, cumpre
tomar providências para regularizar a contabilidade oficial, o que o governo já
deveria estar fazendo. Entretanto inexiste esforço para frear a gastança geral,
ainda mais diante da baixa aprovação ao presidente da República, o que
dificultará sobremaneira a tarefa.
Recorrer mais uma vez ao atraso de pagamentos
será escandaloso. Excluí-los de vez das metas orçamentárias, como já pretendeu
a administração petista, seria truque inútil, uma vez que todos os dispêndios
impactam a dívida pública —e conter o endividamento é o propósito principal das
metas orçamentárias.
Elevar o teto fiscal e afrouxar metas pode
parecer saída simples, mas implicará perda de credibilidade para a política
econômica e não tornará menos imprevisível a rubrica dos precatórios.
É ilusório imaginar que o problema possa ser transferido sem custos para a
próxima gestão, que pode ser do próprio Lula. O desequilíbrio do Orçamento já
cobra hoje seu preço com juros.
Transporte marítimo na rota da
descarbonização
Folha de S. Paulo
Órgão da ONU prevê emissão zero de CO2 em
navegação até 2050; meta deveria ser seguida por todos os setores da economia
Na guerra pela sobrevivência em que se
converteu a crise do clima, com eventos meteorológicos extremos a flagelar
populações em todo o planeta, sobressai a procrastinação nas tratativas
internacionais.
Há raros avanços, porém, como no acordo
alcançado pela Organização Marítima Internacional (IMO, em inglês), que
anunciou, no dia último dia 11, o compromisso de reduzir emissões líquidas de
carbono a zero até 2050. É o primeiro arranjo setorial de descarbonização
capitaneado por uma instituição da Organização das Nações Unidas (ONU).
A indústria de navegação, de fato, responde
por só 3% dos gases de efeito estufa, lançados primordialmente pela queima de
combustíveis fósseis. Corresponde a menos de um quinto da poluição climática no
transporte de mercadorias e pessoas, em que o modal rodoviário é o maior
emissor.
A contribuição mais destacada para o
aquecimento global, cerca de um terço, vem da eletricidade —nada menos que 60%
de sua geração emprega combustíveis fósseis, com
destaque para carvão mineral. Outra atividade poluidora importante (15%) é
o uso da terra, que engloba agropecuária e desmatamento.
Todos esses setores e países precisariam
adotar para 2050 a meta "net-zero", segundo o jargão climático, para
que se alcance o objetivo prudencial de não ultrapassar 1,5ºC de aquecimento da
atmosfera neste século, como estipula o Acordo de
Paris (2015). Mas as emissões globais seguem em alta, e os dez anos
mais quentes desde a Era Industrial recaem
todos na última década corrida.
O acerto obtido pelos integrantes da IMO, que
representam 97% de toda a carga transportada no mundo, combina limites
mandatórios para emissões por navios e precificação de gases do efeito estufa
ainda lançados. Armadores que lograrem cumprir a meta antes do prazo ou forem
além dela ganham créditos que podem vender para os deficitários.
O acordo entra em vigor em 2027 e tem marcos
intermediários fixados para 2030 e 2040.
Haverá um fundo para financiar
desenvolvimento de tecnologias e combustíveis de baixa emissão ou neutros em
carbono, além de fomentar adoção de inovações por países menos desenvolvidos.
Quem não cumprir as metas pagará à IMO multas entre US$ 100 e US$ 380 por
tonelada de CO2 emitida.
Propostas mais ambiciosas, como a da União Europeia, foram rechaçadas. De todo modo, a iniciativa setorial, por limitada que seja, constitui um primeiro passo que precisa ser dado em todos os quadrantes da economia global.
Tudo errado
O Estado de S. Paulo
Governistas subscrevem urgência do PL da
Anistia, o governo recorre a cargos para pressioná-los e Congresso debate um
tema incapaz de mobilizar a sociedade. É Brasília em estado bruto
De forma impressionante, mas não
surpreendente para um país que se acostumou a ver transgressões morais e
políticas em Brasília, há muita coisa fora do lugar nas tratativas envolvendo o
projeto que anistia os condenados pelos ataques golpistas do 8 de Janeiro. Como
se viu esta semana, o PL protocolou o requerimento que pede urgência na
tramitação e votação do projeto, com a subscrição de 262 parlamentares, cinco a
mais do que o necessário para que o pedido se torne apto a ser votado. Ainda
que o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), não
seja obrigado a pautá-lo, o número de assinaturas é uma forma de demonstração
do apoio à matéria dentro da Casa legislativa. Um assombro que se avizinha
conforme se aproxima o julgamento do maior beneficiário do projeto e maior
golpista de todos – o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Foi com igual assombro que se constatou que
mais da metade da lista de entusiastas com a celeridade do chamado PL da
Anistia é composta por integrantes da base de apoio ao governo do presidente
Lula da Silva: 55% são de partidos com ministérios e 61% são filiados a siglas
da base governista, em geral contemplados com cargos de segundo escalão.
Aparecem na lista deputados do União Brasil (40), Progressistas (35),
Republicanos (28), PSD (23) e MDB (20). Em reação à adesão de “aliados” – vamos
chamá-los assim por ora –, a caciquia do Palácio do Planalto já acenou com um
trunfo a que governos fisiológicos costumam recorrer para atrair o voto de
parlamentares ou inibir traições à vista: o mapa de cargos e indicações já
feitas por deputados em órgãos federais nos Estados.
Com o tal mapa em mãos, o governo tentará
demover governistas, desmobilizar a anistia e evitar que o avanço da matéria
termine por beneficiar o maior adversário de Lula da Silva. Enquanto isso, há
relatos de que até mesmo parlamentares que apoiam a urgência do projeto na
Câmara não têm certeza ou consenso sobre o alcance efetivo do projeto em
questão, isto é, de qual grau de abrangência da anistia se estará tratando caso
o PL avance.
Eis Brasília em estado puro: uma Câmara dos
Deputados às voltas com um projeto de lei que até aqui não mobilizou a
sociedade em sua defesa, um ex-presidente que dá tratos à bola para driblar a
lei e a Constituição e livrar da cadeia os que conspiraram para tentar destruir
a democracia, uma base governista desalinhada ao governo e um presidente que,
incapaz de manejar bem sua coalizão multipartidária, finge que divide a gestão
com aliados – e estes, em troca, deixam de seguir a orientação de Lula da Silva
em diversas votações e diretrizes.
Não é novidade que a base do atual mandato é
heterogênea, frágil e hostil. Igualmente conhecido é o fato de que, estimuladas
pelos amplos poderes adquiridos nos últimos anos pelas emendas parlamentares –
que lhes deram força inédita sobre o Orçamento da União –, as bancadas passaram
a se mobilizar menos por cargos e verbas oferecidos pelo governo de ocasião.
Mas falta ao governo reconhecer o óbvio: as dificuldades que enfrenta, no tema
da anistia e em muitos outros, decorrem também de um problema crônico desde o
primeiro mandato lulopetista, isto é, a incapacidade de Lula da Silva e do PT
de dividir o poder. Todos os partidos que têm parlamentares subscrevendo a
urgência do PL da Anistia, contra a vontade do governo, são mais do que
meramente “governistas”: têm quadros chefiando ministérios. Para quem se sente
desprestigiado pelo demiurgo petista e seu partido, isso pouco importa.
O que se assiste é consequência inevitável,
ainda que odiosa, desta soma de disfuncionalidades e equívocos. No passado
havia uma máxima vigente nos corredores do Congresso: “Aqui tem de tudo. Tem
ladrão, honesto, canalha, gente séria. Só não tem bobo”. Enquanto o governo
patina no mau manejo com o Congresso, felizmente, até aqui, o presidente da
Câmara, Hugo Motta, tem resistido bravamente a colocar o PL da Anistia em
pauta, mas, sob pressão e evitando decidir sozinho, já teria aberto a
possibilidade de levar o projeto à discussão no Colégio de Líderes. Maus
presságios para uma Casa que tem de tudo, só não tem bobo.
Mais médicos, menos qualidade
O Estado de S. Paulo
Só quatro em cada dez cursos de Medicina no
País atingem as notas mais altas de avaliação do MEC, reforçando a necessidade
de revisão dos critérios de liberação de mais escolas médicas
Se ainda restava alguma dúvida sobre os
perigos do crescimento desenfreado dos cursos de Medicina no Brasil, os
recentes números divulgados pelo Ministério da Educação (MEC) ajudam a
dissipá-la. Anunciados na sexta-feira (11/4), os dados mostraram indicadores de
qualidade do ensino superior brasileiro, incluindo o Conceito Preliminar de
Curso (CPC), índice que avalia as graduações por meio do Exame Nacional de
Desempenho dos Estudantes (Enade), o corpo docente, a infraestrutura e os
recursos didático-pedagógicos. No caso da formação médica no País, o retrato da
qualidade é desanimador.
Foram avaliados 31 mil concluintes de 309
cursos de Medicina de todas as regiões. As notas do CPC variam de 1 a 5, sendo
as notas 4 e 5 aquelas consideradas adequadas para graduações como Medicina.
Somente 40,4% obtiveram tais notas. Apenas 4,7% dos cursos privados alcançaram
a nota máxima. Cerca de 27% dos cursos de faculdades privadas – terreno onde
prosperou o enorme salto quantitativo dos últimos anos – obtiveram notas 1 e 2.
Nas universidades públicas, esse índice foi de 6%. A maior parte das graduações
avaliadas (50,5%), entre públicas e privadas, atingiu nota 3, considerada
regular. Os números são desalentadores também quando comparados ao passado
recente: em 2019, as piores notas foram obtidas por 13% dos cursos, ante os 20%
atuais.
Ainda que indicadores como o CPC e exames
como o Enade sejam hoje objeto de críticas e estejam sob revisão, sua defasagem
tende a minimizar, e não potencializar, as fragilidades das avaliações e dos
cursos. Em outras palavras, é possível imaginar, por exemplo, que os resultados
poderiam ser ainda piores se os indicadores levassem em conta dimensões mais
compatíveis com o presente, como a adequação ao mercado de trabalho e a
pesquisa. Mas passemos. Por ora, o que salta mesmo aos olhos é o fato de que a
modéstia dos resultados se mostra inversamente proporcional à notável expansão
de vagas, sobretudo no ensino privado.
Em 1990, havia 78 faculdades de Medicina no
Brasil. Em 2020, já eram 357. Hoje o Conselho Federal de Medicina contabiliza
389 cursos. Há dois anos, um levantamento da USP mostrou que 90% das vagas
abertas na última década estavam no setor privado – incentivado, primeiro, pela
lei que criou o Programa Mais Médicos e, depois, por uma chuva de liminares,
que permitiu abrir escolas mesmo durante a proibição, pelo governo, da abertura
de novos cursos por cinco anos. A porteira foi reaberta justamente em 2023. Com
o número atual de concluintes, o Brasil exibe uma proporção de 2,81 médicos por
mil habitantes, o que nos coloca à frente de países como Estados Unidos, Japão
e China.
Em tese, tamanho avanço seria uma excelente
notícia para um país repleto de carências na saúde. Só em tese, porque, na
prática, o Brasil assistiu, praticamente inerte, à continuidade de dois males
tão longevos quanto perversos: a desigualdade na distribuição dos profissionais
e a má qualidade do atendimento à saúde. Em contrapartida, há sinais não só da
formação precária nos cursos abertos, como também de outros problemas como
oferta de vagas em locais sem estrutura mínima ou avaliação correta das condições
de ensino, ou mesmo ausência de laboratórios modernos, corpo docente competente
e qualidade dos estágios práticos.
É há os preços abusivos. Recentemente, o
ministro da Educação, Camilo Santana, chegou a questionar os valores praticados
pelo ensino privado. Como a estrutura do MEC é reconhecidamente deficiente para
regular e fiscalizar a qualidade e sua incompatibilidade com os valores
cobrados, o ministro tem defendido a criação de uma espécie de agência
reguladora para o ensino superior privado, prevendo um novo instituto que fique
responsável pelas avaliações. Essa ideia ainda carece de avanço num governo que
reconhecidamente é avesso a agências reguladoras. Mas a pasta também estuda
mudanças na forma como os cursos da área de saúde serão avaliados in loco.
Que os números radiografados agora reforcem a
convicção nacional sobre o tamanho do problema – e a necessidade de máxima
urgência para enfrentá-lo.
O teste do pudim na Argentina
O Estado de S. Paulo
Ajuste até agora bem-sucedido de Milei
enfrenta o necessário teste do câmbio mais livre
Em contrapartida a um aguardado – e
necessário – acordo de US$ 20 bilhões com o Fundo Monetário Internacional
(FMI), a Argentina finalmente removeu algumas de suas severas restrições
cambiais, como, por exemplo, o teto de US$ 200 para a compra de moeda norte-americana
por pessoas físicas. Além disso, o peso passou a flutuar dentro de uma banda –
tal como no Brasil dos anos 1990 – de entre 1 mil e 1,4 mil pesos por dólar.
A julgar pela reação dos mercados nos
primeiros dias de “flexibilização”, a gestão de Javier Milei, que resistia a
mexer no câmbio antes das eleições legislativas de outubro, tem motivos para
otimismo, ainda que a cautela com uma nação com um histórico de calotes e
carência de dólares seja mandatória.
Após desvalorizar fortemente o peso como
parte de um ajuste recessivo – mas necessário para reverter a destruição da
economia argentina depois de anos de irresponsável administração peronista –,
Milei colheu frutos com as medidas que ele mesmo descreveu como remédio amargo.
A inflação, que superou os 200% em 2023, recuou para 118% no ano passado. Sob o
libertário, o país também passou a colecionar superávits fiscais.
Gradualmente, porém, o peso foi se
valorizando e uma maior flutuação da moeda era defendida por diversos atores
econômicos, entre os quais o próprio FMI. Temeroso de que uma nova rodada de
desvalorização cambial mais expressiva realimentasse a inflação, o governo de
Milei vinha mantendo as rédeas cambiais criadas muito antes de ele assumir a
Presidência.
É fato que, com a liberação parcial do câmbio
agora posta em prática, haverá pressão inflacionária, mas os cálculos iniciais
de analistas ouvidos pelo jornal La Nación posicionam a inflação de
2025 no patamar de 27%. É um nível superior ao previsto pelo próprio FMI (18% a
23%), mas bastante inferior ao que o país se acostumou nos últimos anos.
Dito de outra forma: os analistas entendem
que o impacto inflacionário não será tão expressivo e, mais importante, terá
caráter provisório.
Tanto melhor que seja assim, pois o caminho
da Argentina rumo ao que o FMI classifica de “transição para uma nova fase do
plano de estabilização e crescimento” é longo. A Argentina precisa
desesperadamente recompor suas reservas para quem sabe um dia deixar de
depender do FMI, de quem se tornou um “cliente” crônico.
Se os desafios argentinos já não são, por
natureza, nada triviais, o alto grau de incerteza a que o mundo se vê submetido
desde que Donald Trump retornou à Casa Branca exige que o comprometimento de
Milei, do Congresso e do povo argentino com reformas estruturais seja
extremamente sólido.
Com o acordo com o fundo, Milei, que por
erros próprios vinha dando combustível a uma oposição organicamente
desarticulada e sem projeto, ganha força para chegar às eleições de outubro com
vigor.
Ampliar sua diminuta base no Congresso será
essencial para que a receita econômica até agora bem-sucedida do libertário
supere seu mais importante teste: o de longevidade. Acostumada a crises, a
Argentina precisa provar que as conquistas recentes, feitas com enorme esforço
da população, não têm prazo de validade.
Suspeita de espionagem ilegal exige
rigor
Correio Braziliense
A seriedade dada à investigação de suposto
esquema de espionagem ilegal precisa ser a mesma dos julgamentos dos réus dos
atos de 8 de Janeiro
A Polícia Federal (PF) intimou, ontem,
dois depoimentos de nomes importantes ligados à Agência Brasileira de
Inteligência (Abin), braço do governo federal responsável por coletar e
analisar dados informacionais para assessorar a Presidência da República nas
tomadas de decisão. Na mira da PF, estão o atual diretor-geral da entidade,
Luiz Fernando Corrêa; e o ex-diretor adjunto da agência, durante o governo Jair
Bolsonaro (PL), Alessandro Moretti.
Os dois foram arrolados na investigação que
apura um suposto esquema de espionagem ilegal de desafetos de Bolsonaro, quando
o líder da direita ainda estava na Presidência da República. Ao mesmo tempo, a
convocação de Luiz Fernando Corrêa sugere que a atual gestão da Abin, sob
responsabilidade de Luiz Inácio Lula da Silva, também tem esclarecimentos a
prestar à PF, sobretudo após reportagem do Uol mostrar que o Brasil se
infiltrou, até maio de 2023, em sites do governo paraguaio com objetivo de
barganhar melhores preços pela energia gerada em Itaipu — que tem sua produção
dividida entre os países desde sua construção, nos anos de 1980.
O monitoramento feito pela Abin contra
desafetos do governo e contra outro país da América do Sul, caso confirmado
pela investigação da PF, remonta os manuais autoritários mantidos pela ditadura
entre 1964 e 1985, quando opositores eram ininterruptamente vigiados pelo
regime militar. Com um adendo: o avanço da tecnologia permite, hoje, um
acompanhamento infinitamente mais detalhado, principalmente a partir do
cruzamento de dados com outras interfaces internas e externas à Abin.
Esse passado ajuda explicar o peso que o
Brasil, como Estado Democrático de Direito, precisa dar às suspeitas que pairam
sobre a Abin, na gestão atual de Luiz Fernando Corrêa e, principalmente, na
administração passada, sob liderança do delegado e atual deputado federal
Alexandre Ramagem, réu pelos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de
2023.
A investigação da PF aponta que a vigilância
clandestina da Abin de Ramagem acompanhava não só opositores do governo, mas
também jornalistas críticos da gestão. Uma clara afronta à democracia
brasileira.
A gravidade dos fatos aliada à história
autoritária da política brasileira obrigam o país a dar uma resposta séria a
essas suspeitas, de maneira célere, mas, também, responsável e equilibrada,
respeitando a Constituição.
Além das oitivas, a PF tem outras perguntas a
serem respondidas nessa investigação. O monitoramento irregular, se realmente
existiu, continua em operação? Quem sabia da sua existência e autorizou sua
instalação? Quanto, em dinheiro público, foi gasto para financiar o
sistema?
A seriedade dada a essa investigação precisa
ser a mesma dos julgamentos dos réus dos atos de 8 de Janeiro. O Brasil
precisa, mais uma vez, olhar para a sua história para não cometer os mesmos
erros do passado.
Renasce a TV O POVO
O Povo
Uma TV voltada essencialmente ao conteúdo
jornalístico e aos assuntos culturais. É assim que renasce a TV O POVO, um
canal aberto apresentado no dígito 48.2. Desde essa terça, 15 de abril, é
possível acessar gratuitamente na TV todos os programas desenvolvidos pelo
Grupo de Comunicação O POVO, uma forma de democratizar cada vez mais a
informação de qualidade e levar a mais gente os assuntos publicados de forma
séria e responsável.
A iniciativa de criação da TV O POVO é uma
parceria com a Secretaria da Cultura do Ceará (Secult-CE) e foi viabilizada no
ano de 2024, após decreto assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva,
segundo o qual as TVs digitais têm direito à multiprogramação, com extensão de
até três canais extras. Assim, a medida foi necessária, pois o Grupo já tem um
canal televisivo, apresentado pelo dígito 48.1, da Fundação Demócrito Rocha
(FDR).
É importante frisar que a volta da TV O POVO
traz consigo novos públicos em um tempo de constantes e profundas
transformações na comunicação. A reação do público, a partir de um perfil
exigente que consome a programação mais jornalística e cultural, ditará novas
perspectivas para a TV. A transmissão procura atender a esse público, talvez
mais tradicional no comportamento, mas cada vez mais moderno na busca por
informações de alta qualidade, que é o que a TV O POVO oferece.
Assim, o canal funcionará com, pelo menos, 10
horas de conteúdo jornalístico durante o dia. Fazem parte da programação os
programas "O POVO News", "O POVO na Rádio", "O POVO da
Tarde", "Debates do POVO", "Esportes O POVO" e
podcasts gravados. Durante o período da noite, a transmissão se divide em três
faixas de horário. Uma delas é exclusivamente associada às produções do O POVO
, com registros audiovisuais e documentários produzidos por suas equipes de jornalistas.
Outra é dedicada às produções audiovisuais das universidades do Brasil. Pela
madrugada, ocorrer a exibição de filmes, que são obras cearenses exibidas com a
parceria da Secretaria da Cultura do Ceará.
Desse modo, focar também no poder do jornalismo televisivo e na sua programação jornalística e cultural faz parte do processo de formação crítica e reflexiva da sociedade. Prover o público de informações de qualidade, por meio de uma linguagem acessível, mostra o compromisso do O POVO em apresentar, com liberdade editorial e compromisso com a verdade, os temas que são de interesse do público com a força da marca que há 97 anos faz parte da vida do povo.
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