Valor Econômico
Preocupação é que as medidas contra o Brasil podem não ter parado por aí
O temor de que o dia da libertação dos
Estados Unidos pudesse aprisionar o Brasil em uma armadilha tarifária não se
concretizou. Não, pelo menos, na magnitude que se esperava. E não por enquanto.
Ao impor 10% de taxação sobre os produtos brasileiros, contra mais de 20% para
asiáticos (34% no caso da China) e 20% da União Europeia, Trump sinalizou
claramente seu alvo principal e referendou a tese de Brasília de que o Brasil
não é um problema para o comércio com os americanos.
Não quer dizer que Washington vá facilitar as coisas, mas dá alguma margem para uma negociação menos difícil. Com poder de barganha extremamente baixo em relação ao parceiro, o Brasil, que já tinha sinalizado o caminho da negociação, agora tem certeza de terá de ceder algo para manter ao menos uma fração das exportações para os Estados Unidos. Mas o prejuízo é bem menor do que poderia ser, especialmente levando-se em conta que era um jogo que os EUA já ganharam de antemão, já que são os donos da bola, do campo e das regras. Restava saber o placar. Agora dá para intuir que não será uma goleada. A menos que novas sanções ao Brasil venham a ocorrer nos acréscimos. E isso não está descartado.
A taxação mais alta para outros países pode
representar um problema para o Brasil. Mais taxados, os asiáticos, em especial
a China, terão de redirecionar parte das mercadorias que seguiriam para os
Estados Unidos. O Brasil é um dos grandes mercados que podem receber as
“sobras”.
O governo Trump tem claramente mirado
mercados em que as tarifas para produtos americanos sejam superiores às
praticadas no sentido contrário. Não quer dizer, nem de longe, que a ideia é
estabelecer um comércio justo e igualitário. Um governo para o qual os fatos
não importam e cujo slogan é “America first” não deixa nenhuma dúvida sobre o
caminho que pretende seguir. Mas o protecionismo brasileiro serve para embasar
o argumento trumpista de que há um tratamento discricionário nas relações
comerciais dos EUA com o Brasil - e com muitos mercados.
Isso sem falar na permanente disposição do
presidente americano em desrespeitar acordos internacionais de todo o tipo a
fim de tirar o máximo proveito das negociações bilaterais, quase sempre
desequilibradas quando se trata de Estados Unidos.
A reação do governo brasileiro nesta
quarta-feira, 2, de dizer que o Brasil “sai com vantagem competitiva”, mostra
um certo alívio no Planalto, mas tem também seu lado protocolar. Agora é
arregaçar as mangas e sentar em torno da mesa e entabular uma negociação que
provavelmente não será fácil.
Novos encontros já estão marcados (ver Para o Brasil, a tarifa mínima, mas impacto ainda grande),
o que é um bom sinal.
O que não ficou claro é se o governo
americano vai parar por aí. Alguns analistas interpretam que essa taxa de 10%,
aplicada a partir do próximo sábado, 5, é algo mais geral, restando uma tarifa
“recíproca” de 20% a 49%, que começa valer no dia 9. Não se tem certeza de que
o Brasil não será uma das 60 nações agraciadas com essa taxa extra.
Além disso, a gestão Trump tem algumas
questões comerciais que gostaria de resolver - leia-se: impor soluções - com o
Brasil.
O governo brasileiro vê com preocupação os
segmentos de etanol, seminanufaturados de ferro e aço e aeronaves - no caso, os
aviões da Embraer - como possíveis alvos de novas e mais duras medidas, daqui a
algum tempo. O etanol é a principal obsessão americana, mas não é o caso mais
delicado. A exportação dos outros dois segmentos é extremamente dependente das
vendas para o mercado americano.
O governo dos EUA também se mostra incomodado
com normas regulatórias rígidas - entre elas, licenças de importação difíceis
de se obter e inspeções sanitárias - adotadas pelo Brasil, fator que contribui
para que o país tenha uma das economias mais fechadas do mundo.
Relatório do BTG Pactual elaborado antes da
decisão de Trump indica que o principal problema para o Brasil são barreiras
não tarifárias, não exatamente a taxação direta, como a repórter Anaïs
Fernandes mostrou, no Valor,
na semana passada. Chamadas de “custo oculto” do comércio, elas equivalem a
tarifas médias de 20% a 40%, como também apontou o colunista Assis Moreira,
esta semana. Trump mirou exatamente nesse ponto ao dizer “vamos calcular o
impacto de barreiras não tarifárias para definir tarifas recíprocas”, ao
anunciar as medidas, nesta quarta. Foi um dos trechos iniciais do presidente
americano.
Esse tipo de barreira encarece e dificulta o
comércio, especialmente quando que se considera que a média tarifária
brasileira, calculada em 5,8%, é apontada por especialistas como muito elevada,
o que faz do Brasil um dos país de economia mais fechadas do mundo. A média
tarifária dos Estados Unidos é de apenas 1,3%.
Caso o Brasil ceda à pressão e reduza suas
barreiras nas futuras negociações, setores da indústria como metalurgia,
vestuário e máquinas serão os mais afetados, aponta o texto do BTG.
O estrago poderá ser menor caso se confirme uma eventual abertura americana para acordos bilaterais - esqueça o multilateralismo; sob Trump, ele está na UTI e, no que depender dele, não sairá vivo. Parceiro histórico e importante dos Estados Unidos, o Brasil pode angariar algumas vantagens, sim, mas ninguém na diplomacia comercial ou na área econômica do governo se ilude de que isso torna o país alvo de mais simpatia e benevolência.
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