Correio Braziliense
A Grande Crise Brasileira teve uma resposta
da política econômica atípica, o que deve ter contribuído muito para a sua
deterioração e o seu prolongamento
Em 2025 se completam 10 anos desde a Grande
Crise Brasileira (GCB), que produziu cicatrizes profundas no tecido social e
consequências macroeconômicas com as quais o país lida até hoje. Embora
tenhamos convencionado denominá-la como crise de 2015, ela teve início no
segundo trimestre de 14, segundo o Comitê de Datação de Ciclos da Fundação
Getulio Vargas (Codace-FGV).
O Codace também calcula que, ao longo das últimas décadas, o Brasil apresentou 10 ciclos recessivos. Então, por que a GCB merece destaque especial? A resposta é: devido a sua atipicidade. Ao observarmos o padrão das crises econômicas do Plano Real para cá, as recessões observadas tiveram um padrão bem definido, eram curtas e relativamente brandas (à exceção da crise da pandemia, em 2020). A GCB, por sua vez, foi aguda na intensidade, apresentando, segundo o Codace, queda de 8,1% da atividade entre o pico e o vale, além de ser longa na duração — ao todo, 11 trimestres consecutivos entre 2014 e 16.
Ademais, as recessões nacionais eram
associadas a algum choque exógeno, como o apagão de 2001, o colapso do
financeiro global pós subprime e a covid-19. A GCB não apresentou uma causa
exógena clara. Na verdade, mesmo hoje, os economistas divergem sobre as suas
causas. Parte deles atribuem a causa da crise ao ajuste fiscal; outra parte
atribui ao choque reputacional quanto à magnitude do impacto das pedaladas;
outros, ainda, atribuem à má qualidade da política econômica e à piora de
fundamentos herdada dos anos da Nova Matriz Macroeconômica (NMM). É provável
que cada qual tenha seu percentual de razão na definição da causa para aquela
recessão, e é possível acrescentar a deterioração institucional e política
observada naquele momento.
É importante ressaltar, que embora tenham
sido verificados trimestres negativos no PIB em 2014, as projeções iniciais não
apontavam para uma recessão em 2015. Por exemplo, o último Focus de 2014
apontava uma mediana de crescimento de 0,55% em 2015. Mesmo no fim de janeiro
de 2015, no relatório de 30/01, as medianas ainda apontavam para um PIB
positivo. Isso indica que as técnicas probabilísticas disponíveis não foram
capazes de antecipar aquela crise, cuja gravidade apenas foi ficando clara no
decorrer do ano.
O fato é que, independentemente da conjunção
de causas que levaram àquele episódio, a resposta da política econômica foi
atípica e deve ter contribuído muito para a deterioração e o prolongamento da
crise. Essa, sem dúvida, foi outra especificidade da GCB, e, para demonstrar
isso, é importante recorrer a alguns elementos teóricos. A política econômica
pensada sob funções de reação com mandato dual — tipo a Regra de Taylor —
supõem um comportamento pró-cíclico da inflação.
Em outras palavras, se o desemprego cai
abaixo do natural (ciclo expansivo), a inflação tende a acelerar. O inverso é
igualmente verdade para ciclos recessivos: quando o desemprego supera o
natural, essa capacidade ociosa produz redução dos preços abaixo da meta. Sob
condições normais o Banco Central (BC) reage de forma ótima aumentando ou
reduzindo juros para fechar o gap do emprego e convergir a inflação para a
meta.
Isso não aconteceu durante a crise de 2015.
Na verdade, inúmeros choques produziram uma forte aceleração da inflação que
chegou a 10,67% no fim daquele ano. Esse cenário impôs um duro dilema à
política monetária, suavizar o ciclo ou convergir a inflação para a meta? Isso
posto, o BCB se viu obrigado a adotar uma agressiva política monetária
contracionista em meio a uma recessão.
A política fiscal também atuou de forma
pró-cíclica. Sobre isso, pesavam fatores estruturais e conjunturais. Em 2015,
quando a crise eclodiu, o endividamento público assumiu uma tendência
explosiva, as receitas primárias que são endógenas e altamente pró-cíclicas
desaceleraram. Resultado? O governo precisou encampar uma agenda de corte de
despesas em meio a uma recessão, esta um pouco mais problemática, pois medidas
fiscais requerem esforços legislativos inviabilizados pela crise institucional
e política observada à época.
Em suma, diferentemente das crises
anteriores, quando instrumentos de política eram acionados para suavizar ciclos
econômicos, na GCB isso não foi possível, já que eles estavam orientados para
solucionar outros problemas, como a inflação elevada e o endividamento público.
Essa foi, sem dúvida, uma outra atipicidade daquela crise que deve ser lembrada
para que o péssimo padrão de política econômica que a causou não seja jamais
repetido.
*Professor de macroeconomia do Instituto de
Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal de Uberlândia
(Ieri-UFU)
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