O Globo
O dilema no Brasil é a inflação alta apesar dos juros altíssimos, o dos Estados Unidos é como enfrentar a instabilidade do governo Trump
Incerteza foi a palavra usada nos comunicados do Banco Central do Brasil e do Federal Reserve para explicar suas decisões. Aqui, a taxa Selic subiu para 14,75%, nos Estados Unidos os juros não foram reduzidos e permanecem entre 4,25% e 4,5%. E o futuro? Aqui houve alguma indicação de que os juros não devem subir mais, mas nada muito garantido. Nos Estados Unidos, o presidente do Fed, Jerome Powell, disse não ter pressa em baixá-los. O que significa que a tensão com Donald Trump vai continuar. E a incerteza.
O BC definiu o cenário brasileiro como
marcado por “expectativas desancoradas, projeções de inflação elevadas,
resiliência da atividade econômica e pressões no mercado de trabalho”. Ou seja,
as projeções de inflação estão altas e acima da meta e a economia, por incrível
que pareça, continua forte, apesar desse choque de juros. Ontem mesmo, o IBGE
informou que a produção industrial de março subiu 1,2%, uma surpresa positiva.
Todo mundo achava que a Selic subiria meio
ponto percentual. Mas havia uma divisão no mercado sobre se isso seria o fim do
ciclo de alta ou se o BC indicaria uma nova alta. E ele, com a sua linguagem
hermética, disse que nada pode decidir por enquanto. Porque o cenário permanece
de “elevada incerteza”, ainda não se sabe a dimensão do efeito da atual
elevação da taxa e por isso é preciso ter “cautela” e “flexibilidade”.
Continuou o parágrafo falando que vai ficar “vigilante” para decidir a
“calibragem do aperto monetário”.
O dilema no Brasil é que, apesar da forte
alta de juros, as projeções continuam indicando que a inflação está acima do
teto da meta. Os dados da economia estão ainda fortes, apesar de sinais
“incipientes de moderação no crescimento”. Mas uma taxa de juros de quase 15%
é, convenhamos, uma aberração. A última vez que o Brasil teve juros de 14,75%
foi em 2006, mas na época eles estavam caindo. Agora a Selic consegue estar
mais alta do que quando a inflação estava em dois dígitos em 2015/2016.
Nos Estados Unidos, os juros foram mantidos
por causa de Donald Trump e
de sua política tarifária que não se sabe que impacto terá na inflação. Um
integrante do FOMC disse ao Financial Times que “a incerteza sobre o cenário
econômico aumentou ainda mais. Os riscos de desemprego maior e inflação maior
cresceram”. Nada pior para quem toma decisões sobre juros do que encontrar os
dois riscos ao mesmo tempo. O Fed, como se sabe, tem que perseguir duas metas,
manter a inflação em 2% e manter o desemprego baixo.
Nos dois bancos centrais as decisões foram
unânimes e isso foi importante por motivos diferentes. Aqui, é o presidente do
Banco Central, Gabriel Galípolo, firmando sua presidência, lá é Powell, em luta
contra os ataques de Trump.
Desde dezembro, o Fed não corta mais os
juros. Inicialmente pelas ameaças de Trump que foram vistas como
inflacionárias, depois pelas decisões que anunciou que foram piores do que o
esperado. Os sinais que os dirigentes do Fed têm dado é de que ficarão parados,
sem mexer nas taxas, até que os efeitos das tarifas fiquem mais claros. Os
economistas dos bancos internacionais se perguntam quando os cortes dos juros
americanos serão retomados. Antes havia uma aposta que cairiam em junho. Agora
não se sabe.
Na entrevista que concedeu após o anúncio,
Powell foi perguntado por que ele não pediu uma reunião com Donald Trump.
Ele disse que nunca pediu uma reunião com um presidente e nunca pedirá. Trump
tem ameaçado demiti-lo, mas a lei não permite.
Essa incerteza externa atinge o Brasil, tanto
que o comunicado começa com uma frase assim: “o ambiente externo mostra-se
adverso e particularmente incerto em função da conjuntura e da política
econômica dos Estados Unidos, principalmente acerca da política comercial e
seus efeitos”. Mas o grande problema continua a ser interno: como lidar com uma
inflação que não está fora de controle, porém permanece acima do teto da meta.
É evidente que deixado a Selic nesse nível
por um tempo, a política monetária fará seu efeito de redução da atividade e da
inflação. Essa taxa de 14,75% já é muito restritiva. O mais acertado seria
parar a elevação, manter esse patamar por um tempo, e aguardar o efeito
defasado da política monetária. Aperto de política monetária não é apenas subir
juros indefinidamente, pode ser manter juros altos pelo tempo necessário.
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