quinta-feira, 8 de maio de 2025

A incerteza ditou os juros - Míriam Leitão

O Globo

O dilema no Brasil é a inflação alta apesar dos juros altíssimos, o dos Estados Unidos é como enfrentar a instabilidade do governo Trump

Incerteza foi a palavra usada nos comunicados do Banco Central do Brasil e do Federal Reserve para explicar suas decisões. Aqui, a taxa Selic subiu para 14,75%, nos Estados Unidos os juros não foram reduzidos e permanecem entre 4,25% e 4,5%. E o futuro? Aqui houve alguma indicação de que os juros não devem subir mais, mas nada muito garantido. Nos Estados Unidos, o presidente do Fed, Jerome Powell, disse não ter pressa em baixá-los. O que significa que a tensão com Donald Trump vai continuar. E a incerteza.

O BC definiu o cenário brasileiro como marcado por “expectativas desancoradas, projeções de inflação elevadas, resiliência da atividade econômica e pressões no mercado de trabalho”. Ou seja, as projeções de inflação estão altas e acima da meta e a economia, por incrível que pareça, continua forte, apesar desse choque de juros. Ontem mesmo, o IBGE informou que a produção industrial de março subiu 1,2%, uma surpresa positiva.

Todo mundo achava que a Selic subiria meio ponto percentual. Mas havia uma divisão no mercado sobre se isso seria o fim do ciclo de alta ou se o BC indicaria uma nova alta. E ele, com a sua linguagem hermética, disse que nada pode decidir por enquanto. Porque o cenário permanece de “elevada incerteza”, ainda não se sabe a dimensão do efeito da atual elevação da taxa e por isso é preciso ter “cautela” e “flexibilidade”. Continuou o parágrafo falando que vai ficar “vigilante” para decidir a “calibragem do aperto monetário”.

O dilema no Brasil é que, apesar da forte alta de juros, as projeções continuam indicando que a inflação está acima do teto da meta. Os dados da economia estão ainda fortes, apesar de sinais “incipientes de moderação no crescimento”. Mas uma taxa de juros de quase 15% é, convenhamos, uma aberração. A última vez que o Brasil teve juros de 14,75% foi em 2006, mas na época eles estavam caindo. Agora a Selic consegue estar mais alta do que quando a inflação estava em dois dígitos em 2015/2016.

Nos Estados Unidos, os juros foram mantidos por causa de Donald Trump e de sua política tarifária que não se sabe que impacto terá na inflação. Um integrante do FOMC disse ao Financial Times que “a incerteza sobre o cenário econômico aumentou ainda mais. Os riscos de desemprego maior e inflação maior cresceram”. Nada pior para quem toma decisões sobre juros do que encontrar os dois riscos ao mesmo tempo. O Fed, como se sabe, tem que perseguir duas metas, manter a inflação em 2% e manter o desemprego baixo.

Nos dois bancos centrais as decisões foram unânimes e isso foi importante por motivos diferentes. Aqui, é o presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, firmando sua presidência, lá é Powell, em luta contra os ataques de Trump.

Desde dezembro, o Fed não corta mais os juros. Inicialmente pelas ameaças de Trump que foram vistas como inflacionárias, depois pelas decisões que anunciou que foram piores do que o esperado. Os sinais que os dirigentes do Fed têm dado é de que ficarão parados, sem mexer nas taxas, até que os efeitos das tarifas fiquem mais claros. Os economistas dos bancos internacionais se perguntam quando os cortes dos juros americanos serão retomados. Antes havia uma aposta que cairiam em junho. Agora não se sabe.

Na entrevista que concedeu após o anúncio, Powell foi perguntado por que ele não pediu uma reunião com Donald Trump. Ele disse que nunca pediu uma reunião com um presidente e nunca pedirá. Trump tem ameaçado demiti-lo, mas a lei não permite.

Essa incerteza externa atinge o Brasil, tanto que o comunicado começa com uma frase assim: “o ambiente externo mostra-se adverso e particularmente incerto em função da conjuntura e da política econômica dos Estados Unidos, principalmente acerca da política comercial e seus efeitos”. Mas o grande problema continua a ser interno: como lidar com uma inflação que não está fora de controle, porém permanece acima do teto da meta.

É evidente que deixado a Selic nesse nível por um tempo, a política monetária fará seu efeito de redução da atividade e da inflação. Essa taxa de 14,75% já é muito restritiva. O mais acertado seria parar a elevação, manter esse patamar por um tempo, e aguardar o efeito defasado da política monetária. Aperto de política monetária não é apenas subir juros indefinidamente, pode ser manter juros altos pelo tempo necessário.

 

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