Por Camila Turtelli e Dimitrius Dantas / O Globo
Direita fortalece pautas estratégicas do
bolsonarismo em assembleias e câmaras municipais para vencer em 2026
Projetos de escolas cívico-militares, leitura
da Bíblia em colégios, projeto anti-Oruam e homenagens a Bolsonaro ganham força
no país
Fora do governo federal desde 2022,
representantes da direita têm encontrado um novo campo de articulação política
longe dos holofotes de Brasília. A
estratégia envolve emplacar projetos e iniciativas que envolvem bandeiras
ligadas ao bolsonarismo em câmaras municipais, assembleias legislativas e
governos estaduais, para que sirvam de base para um movimento que visa a
pavimentar o caminho para retomar o poder em 2026. Essas proposições são
inspiradas no trinômio “Deus, pátria e família”, o que reforça o vínculo de
integrantes da vertente política com grupos religiosos.
Um dos principais itens desse movimento de base é a expansão das escolas cívico-militares. Embora o programa federal lançado no governo de Jair Bolsonaro tenha sido encerrado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, houve uma ampliação do modelo pelo país. A iniciativa consiste na gestão compartilhada das instituições de ensino entre educadores e militares, categoria que forma uma das bases do bolsonarismo.
Dados do Censo Escolar mostram que o número
de colégios públicos com “militar” no nome saltou de 283 em 2022 para 367 em
2024. Goiás, governado por Ronaldo Caiado (União), lidera esse avanço. Em São
Paulo, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) antecipou o cronograma
de expansão: anunciou em abril a transformação de até cem escolas em
cívico-militares ainda em 2025, o dobro das 45 existentes. Os dois são cotados
como o nome da direita para concorrer ao Palácio do Planalto em 2026.
Títulos a Bolsonaro
Além da educação, a direita tem encontrado
nas pautas de costumes e nas homenagens políticas um canal eficiente de
mobilização da base. Levantamento feito pelo GLOBO identificou 30 câmaras
municipais e dez assembleias legislativas onde foram apresentados projetos para
conceder homenagens a Bolsonaro, como títulos de cidadão honorário. A
ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro e o deputado licenciado Eduardo Bolsonaro
(PL-SP) também foram agraciados em parte das cidades. As honrarias foram
aprovadas, em sua maioria, no auge das manifestações que pediam anistia aos
condenados pelos ataques de 8 de janeiro.
— Existe um movimento forte da direita nas
câmaras e assembleias. A direita parou de apenas reagir: agora propõe, lidera e
ocupa espaço — afirmou a vereadora de São Paulo Zoe Martínez (PL). — Enquanto
muitos esperam por Brasília, nós estamos agindo localmente, com clareza de
propósito.
Colega de Martinez no legislativo paulistano,
o vereador Lucas Pavanato (PL) apresentou um projeto de lei este mês para
instituir um momento semanal de leitura voluntária da Bíblia durante os
intervalos escolares. A proposta é voltada a alunos dos ensinos fundamental e
médio. Em Manaus, proposta semelhante foi protocolada pelo vereador Raiff Matos
(PL), que defendeu a medida como um instrumento de “edificação espiritual”
opcional.
Embora afirme atuar de forma independente,
Matos contou ter participado de encontros com outras lideranças conservadoras
em Brasília para discutir propostas.
— Pude buscar diversas ferramentas e ideias
para transformar em projetos de lei aqui em Manaus — disse ele.
Também na Câmara Municipal de São Paulo, a
vereadora Amanda Vettorazzo (União Brasil) protocolou em abril o chamado
“projeto anti-Oruam”, que pretende impedir a contratação de artistas com letras
consideradas apologéticas ao crime ou às drogas, como forma de proteger
crianças e adolescentes. A proposta leva o nome do cantor de trap filho de
Márcio dos Santos Nepomuceno, o Marcinho VP, apontado pela polícia como líder
do Comando Vermelho e que está preso desde 1996. Medidas semelhantes foram
apresentadas em ao menos outras 20 capitais.
Essas proposições se somam a outras com o
cunho de defesa da família, como o projeto que torna obrigatório o sepultamento
de nascituros e natimortos — já protocolado ou aprovado em cidades como Goiânia
(GO), São José dos Campos (SP) e São Paulo. A medida ecoa o discurso
antiaborto, em sintonia com o que defendem grupos religiosos. Em ano
pré-eleitoral, essas articulações locais ganham peso, pois ajudam a construir
palanques regionais e lançar pré-candidaturas para 2026, inclusive ao Congresso
Nacional.
Para Lucas Louback, da organização de defesa
da democracia Nossas, o avanço de pautas bolsonaristas em câmaras e assembleias
faz parte de uma estratégia cultural e digital do movimento.
— O bolsonarismo se estruturou como uma
máquina de disputa cultural, sobretudo dentro do digital. Com a derrota de
Bolsonaro em 2022, esse projeto passou a se voltar para as prefeituras e
câmaras municipais. O que estamos vendo agora é o desdobramento dessa trilha:
do embate simbólico on-line ao poder institucional local — disse ele.
O cientista político Marco Antônio Teixeira,
da FGV, avalia que os projetos apresentados conseguem ao mesmo tempo colocar em
evidência políticos alinhados ao bolsonarismo e criar uma espécie de agenda
política para o ex-presidente.
— O líder local se fortalece e também ganha
mais projeção porque está trazendo o Jair Bolsonaro para a cidade. Além disso,
se conecta com pautas que estão sendo defendidas nacionalmente por outras
lideranças — afirmou.
Reorganização
Mas não é apenas nos legislativos estaduais e
municipais que a direita vem se reorganizando. Desde o início do ano,
parlamentares de PL, Republicanos e outras legendas conservadoras se movimentam
no Congresso de forma coordenada para ocupar o plenário e avançar em temas que
desgastam o governo federal.
Na Câmara, o grupo liderado pelo deputado
Luciano Zucco (PL-RS) faz reuniões semanais com os 20 vice-líderes da oposição.
Há uma escala para garantir a presença em todas as comissões permanentes da
Casa, além de um cronograma de participação no plenário, com foco na ocupação
da tribuna e na produção de conteúdo para redes sociais. A ideia é garantir
que, independentemente do tema em pauta, haja uma voz da direita presente para
marcar posição e gerar cortes que reverberem nas plataformas digitais.
— Fizemos uma reorganização da oposição, com
divisão de tarefas. Antes, muitas vezes não havia ninguém da direita em debates
em comissão e plenário. Além disso, há agora um diálogo mais aberto com o atual
presidente da Câmara (Hugo Motta) — disse o deputado Sanderson (PL-RS),
vice-líder da oposição.
Para a antropóloga Isabela Kalil, que estuda
a extrema- direita, o bolsonarismo entrou em uma nova fase de “baixa
intensidade”, marcada pela capilarização local e pela fragmentação das pautas.
— O bolsonarismo saiu do plano estritamente nacional e foi se capilarizando principalmente nas cidades do interior — afirmou Kalil.
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