domingo, 25 de maio de 2025

Direita avança com pauta conservadora em legislativos do país

Por Camila Turtelli e Dimitrius Dantas / O Globo

Direita fortalece pautas estratégicas do bolsonarismo em assembleias e câmaras municipais para vencer em 2026

Projetos de escolas cívico-militares, leitura da Bíblia em colégios, projeto anti-Oruam e homenagens a Bolsonaro ganham força no país

Fora do governo federal desde 2022, representantes da direita têm encontrado um novo campo de articulação política longe dos holofotes de Brasília. A estratégia envolve emplacar projetos e iniciativas que envolvem bandeiras ligadas ao bolsonarismo em câmaras municipais, assembleias legislativas e governos estaduais, para que sirvam de base para um movimento que visa a pavimentar o caminho para retomar o poder em 2026. Essas proposições são inspiradas no trinômio “Deus, pátria e família”, o que reforça o vínculo de integrantes da vertente política com grupos religiosos.

Um dos principais itens desse movimento de base é a expansão das escolas cívico-militares. Embora o programa federal lançado no governo de Jair Bolsonaro tenha sido encerrado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, houve uma ampliação do modelo pelo país. A iniciativa consiste na gestão compartilhada das instituições de ensino entre educadores e militares, categoria que forma uma das bases do bolsonarismo.

Dados do Censo Escolar mostram que o número de colégios públicos com “militar” no nome saltou de 283 em 2022 para 367 em 2024. Goiás, governado por Ronaldo Caiado (União), lidera esse avanço. Em São Paulo, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) antecipou o cronograma de expansão: anunciou em abril a transformação de até cem escolas em cívico-militares ainda em 2025, o dobro das 45 existentes. Os dois são cotados como o nome da direita para concorrer ao Palácio do Planalto em 2026.

Títulos a Bolsonaro

Além da educação, a direita tem encontrado nas pautas de costumes e nas homenagens políticas um canal eficiente de mobilização da base. Levantamento feito pelo GLOBO identificou 30 câmaras municipais e dez assembleias legislativas onde foram apresentados projetos para conceder homenagens a Bolsonaro, como títulos de cidadão honorário. A ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro e o deputado licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) também foram agraciados em parte das cidades. As honrarias foram aprovadas, em sua maioria, no auge das manifestações que pediam anistia aos condenados pelos ataques de 8 de janeiro.

— Existe um movimento forte da direita nas câmaras e assembleias. A direita parou de apenas reagir: agora propõe, lidera e ocupa espaço — afirmou a vereadora de São Paulo Zoe Martínez (PL). — Enquanto muitos esperam por Brasília, nós estamos agindo localmente, com clareza de propósito.

Colega de Martinez no legislativo paulistano, o vereador Lucas Pavanato (PL) apresentou um projeto de lei este mês para instituir um momento semanal de leitura voluntária da Bíblia durante os intervalos escolares. A proposta é voltada a alunos dos ensinos fundamental e médio. Em Manaus, proposta semelhante foi protocolada pelo vereador Raiff Matos (PL), que defendeu a medida como um instrumento de “edificação espiritual” opcional.

Embora afirme atuar de forma independente, Matos contou ter participado de encontros com outras lideranças conservadoras em Brasília para discutir propostas.

— Pude buscar diversas ferramentas e ideias para transformar em projetos de lei aqui em Manaus — disse ele.

Também na Câmara Municipal de São Paulo, a vereadora Amanda Vettorazzo (União Brasil) protocolou em abril o chamado “projeto anti-Oruam”, que pretende impedir a contratação de artistas com letras consideradas apologéticas ao crime ou às drogas, como forma de proteger crianças e adolescentes. A proposta leva o nome do cantor de trap filho de Márcio dos Santos Nepomuceno, o Marcinho VP, apontado pela polícia como líder do Comando Vermelho e que está preso desde 1996. Medidas semelhantes foram apresentadas em ao menos outras 20 capitais.

Essas proposições se somam a outras com o cunho de defesa da família, como o projeto que torna obrigatório o sepultamento de nascituros e natimortos — já protocolado ou aprovado em cidades como Goiânia (GO), São José dos Campos (SP) e São Paulo. A medida ecoa o discurso antiaborto, em sintonia com o que defendem grupos religiosos. Em ano pré-eleitoral, essas articulações locais ganham peso, pois ajudam a construir palanques regionais e lançar pré-candidaturas para 2026, inclusive ao Congresso Nacional.

Para Lucas Louback, da organização de defesa da democracia Nossas, o avanço de pautas bolsonaristas em câmaras e assembleias faz parte de uma estratégia cultural e digital do movimento.

— O bolsonarismo se estruturou como uma máquina de disputa cultural, sobretudo dentro do digital. Com a derrota de Bolsonaro em 2022, esse projeto passou a se voltar para as prefeituras e câmaras municipais. O que estamos vendo agora é o desdobramento dessa trilha: do embate simbólico on-line ao poder institucional local — disse ele.

O cientista político Marco Antônio Teixeira, da FGV, avalia que os projetos apresentados conseguem ao mesmo tempo colocar em evidência políticos alinhados ao bolsonarismo e criar uma espécie de agenda política para o ex-presidente.

— O líder local se fortalece e também ganha mais projeção porque está trazendo o Jair Bolsonaro para a cidade. Além disso, se conecta com pautas que estão sendo defendidas nacionalmente por outras lideranças — afirmou.

Reorganização

Mas não é apenas nos legislativos estaduais e municipais que a direita vem se reorganizando. Desde o início do ano, parlamentares de PL, Republicanos e outras legendas conservadoras se movimentam no Congresso de forma coordenada para ocupar o plenário e avançar em temas que desgastam o governo federal.

Na Câmara, o grupo liderado pelo deputado Luciano Zucco (PL-RS) faz reuniões semanais com os 20 vice-líderes da oposição. Há uma escala para garantir a presença em todas as comissões permanentes da Casa, além de um cronograma de participação no plenário, com foco na ocupação da tribuna e na produção de conteúdo para redes sociais. A ideia é garantir que, independentemente do tema em pauta, haja uma voz da direita presente para marcar posição e gerar cortes que reverberem nas plataformas digitais.

— Fizemos uma reorganização da oposição, com divisão de tarefas. Antes, muitas vezes não havia ninguém da direita em debates em comissão e plenário. Além disso, há agora um diálogo mais aberto com o atual presidente da Câmara (Hugo Motta) — disse o deputado Sanderson (PL-RS), vice-líder da oposição.

Para a antropóloga Isabela Kalil, que estuda a extrema- direita, o bolsonarismo entrou em uma nova fase de “baixa intensidade”, marcada pela capilarização local e pela fragmentação das pautas.

— O bolsonarismo saiu do plano estritamente nacional e foi se capilarizando principalmente nas cidades do interior — afirmou Kalil.

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