Folha de S. Paulo
Ganhos recentes nos anos Lula não bastaram
para compensar anos de desastre e inflações
Escrevo estas linhas ainda no 1º de Maio,
um Dia
do Trabalho esvaziado
simbólica e politicamente, para não dizer quase morto. O presidente Luiz
Inácio Lula da
Silva não foi às ruas, esvaziadas de esquerda faz muito tempo. Fez um
pronunciamento, na véspera. Falou entre outras coisas dos bons números de
emprego e salário. Era
tudo verdade, mas nem toda.
Não se trata de dizer de modo algum que era enganação. Mas de lembrar outra vez
que a vida anda apertada, que a melhoria do último biênio ou triênio não
bastaram para compensar os anos de desastre e de inflações. Que talvez esse
seja um dos motivos do mau humor político-econômico, evidenciados na baixa
popularidade do governo. Trata-se de lembrar também que a esquerda pouco fala
de salários, para nem dizer de outras muitas precariedades do mundo do trabalho
e social.
Nesta semana, saíram os números de emprego e
salário de março, do IBGE, os da Pnad. Nos últimos 12 meses, o salário médio
aumentou 4% além da inflação. Forte. O número de pessoas com algum trabalho
ainda cresce 2,3%. Forte. Mais rápido do que no 2013 que foi o último ano dos
tempos de crescimento antes do tumulto político e econômico que começaria
naquele ano que ainda não terminou.
Nos últimos dois anos, praticamente o governo Lula, o valor da média dos
salários aumentou mais de 8% em termos reais —além da inflação. Nos últimos
três anos, 16%, decerto engordados pela recuperação das perdas da epidemia.
No entanto, em relação a março de 2020, começo da peste, os salários cresceram
apenas 6,5%. Considere-se o PIB per capita entre o final de 2019 e o final de
2024: cresceu 11,4%.
A recuperação do prejuízo salarial foi pequena, desde então. Lembre-se ainda
que, antes disso, o país viveu uma depressão, anos da Grande Recessão
(2014-2016) e de crescimento quase nenhum de 2017-2019.
Considere-se ainda o salário de entrada no mercado formal, o salário de
admissão das estatísticas do Caged, registros que empresas têm de enviar ao
ministério do Trabalho. O salário de admissão de março deste 2025 é ainda
inferior ao de março de 2020: 4,9% menor. O salário de demissão é 1,4% menor.
É mais raro, para dizer o mínimo, ouvir a esquerda falar de salários e menos
ainda do mundo do trabalho. Nota-se que o 1º de Maio esvaziado se deve à
decadência do emprego industrial, de sindicatos, à precarização, à
pejotização, à economia do bico e à onda direitista, "neoliberal"
etc. A constatação óbvia parece resignação e rendição ao inevitável, mas ainda
insuportável. Se as antigas bases sociais e políticas do movimento trabalhista
ruíram, por que não se trata disso de algum outro modo?
A esquerda em geral dedica-se a falar de redistribuição (transferências de
renda e, mais recentemente, apenas, de tributação). A redistribuição, se ainda
possível nos próximos anos, dados os problemas fiscais, redundaria de qualquer
modo em benefícios decrescentes (melhoras cada vez menores). A melhoria de
renda ainda mais de trabalho, de ganhos de produtividade, outro nome de
crescimento econômico.
Dependerá do que se fizer da qualidade e
sentido desse crescimento, problema ainda mais difícil quando estamos à beira
de passar de um mundo de tantos trabalhos improdutivos e precários do nosso
atraso econômico para um mundo de novidades dramáticas, de inteligência
artificial e automação, que podem ser muito destrutivos por aqui.
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