sexta-feira, 30 de maio de 2025

Haddad sem munição - Vera Magalhães

O Globo

Falta de plano B ao decreto do IOF reforça percepção de que o arcabouço fiscal proposto pelo ministro é frágil

Não se trata só de teimosia a insistência de Fernando Haddad em manter o decreto de aumento do IOF sobre várias operações. O ministro da Fazenda está sem munição para manter de pé o arcabouço fiscal aprovado há menos de dois anos. A constatação de que não há plano B viável para cumprir a meta fiscal deste ano ficou patente para todos os que conversaram com ele nos últimos dias, em encontros sempre envoltos em tensão e tentativas vãs de convencer os interlocutores de que as medidas foram justas.

Haddad recebeu estudos mostrando impacto brutal da elevação do IOF nas operações de crédito das empresas. Desta vez, não será possível apenas culpar bancos sempre preocupados apenas em manter lucros escorchantes, porque o custo da alta do tributo recai sobre os clientes, em toda e qualquer operação, com alíquotas que em alguns casos chegam a mais que dobrar.

A pressão extrema do Congresso sobre a Fazenda reflete esse inconformismo, não só do setor financeiro, mas de todo o setor produtivo. Onerar dessa maneira as operações das empresas contraria também o discurso de Lula pela queda de juros. Estimativas de mercado projetam que o impacto da alta do IOF numa operação de capital de giro equivaleria a elevar a Selic numa tacada só para 17,95% ao ano.

Parece, portanto, impossível que, caso o governo não recue, a Câmara ou o Senado, ou ambos, não aprovem um ou mais das dezenas de projetos de Decreto Legislativo sustando a medida que se avolumam nas mesas de Hugo Motta e Davi Alcolumbre. O prazo de dez dias já é uma medida da situação política delicada em que Haddad se colocou — de isolamento para dentro do governo e para fora nas duas pontas de cujo respaldo precisa: Congresso e iniciativa privada (não só o mercado, mas quem produz).

Nunca se viu o Palácio do Planalto unido contra o titular da Fazenda até aqui. Nos impasses anteriores, Haddad sempre contava com Alexandre Padilha ao seu lado. Desta vez, Gleisi Hoffmann engrossou, em entrevista ao jornalista Pedro Bial, o coro dos que disseram que o ministro não detalhou o decreto do IOF a Lula e aos ministros da cozinha e disse que a mudança seria pequena.

Ninguém arrisca dizer o que acontecerá, já que, retirada a receita imediata do aumento do IOF, o arcabouço fiscal não fica de pé. Entrevistas em tom de desespero, como a do próprio Haddad ao GLOBO ou a do secretário do Tesouro, Rogério Ceron, mostram que quem pariu Matheus não sabe como embalá-lo.

A LDO já deixava claras as nuvens futuras no céu do arcabouço, como o estouro, logo ali na frente, das despesas previdenciárias e a bomba ainda não desarmada dos precatórios. Agora, fica evidente que o estouro é mais premente e que não há nenhuma disposição política de atacar o problema fazendo reformas mais profundas e estruturais nos gastos grandes de longo prazo.

A batalha para arrancar de Lula o anúncio de um congelamento de importantes R$ 31 bilhões no Orçamento em pleno ano pré-eleitoral já foi uma das mais difíceis que Haddad enfrentou, segundo relatos de pessoas próximas. Quando um sacrifício desse tamanho, em vez de ser reconhecido, fica em terceiro plano diante da crise do IOF, tem-se a medida da encrenca em que o ministro mais importante do governo está metido.

Diante de todo esse quadro, políticos e analistas se perguntam se o ciclo de vida do ministro da Fazenda está próximo do fim. Ninguém aposta na saída de Haddad do governo, a não ser que parta dele a decisão. Isso porque não há ninguém tido como ortodoxo o bastante pelo mercado ou desenvolvimentista o suficiente pelo PT para ocupar sua cadeira. Ainda assim, a constatação de que a munição acabou cedo demais é unânime, mesmo entre aqueles que sempre fecharam com Haddad e veem seu desgaste com preocupação.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.