Valor Econômico
Psol, de um lado, e PL e Novo, do outro,
lideraram oposição à proposta que agride o senso comum
É devastador o vídeo em que o deputado
Nikolas Ferreira (PL-MG) coloca o escândalo no INSS no colo do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva. O deputado abandonou o tom histriônico com o qual
discursava de peruca. A fala comedida, em tom mais grave, é acompanhada por uma
música de fundo de dosada dramaticidade enquanto seu cabelo vai ficando
grisalho e as feições envelhecem.
Enquanto Nikolas, sem contraponto, entretinha
as massas digitais com mais um petardo bem dirigido contra o governo, a Câmara
aprontou mais uma. O projeto de lei da deputada Daniela Cunha (União-RJ), que
aumenta a Casa de 513 para 531 deputados, passou por 270 votos a 207 e uma
abstenção. É uma folga e tanto para um projeto que, em todos os prismas, é
indefensável.
Deputados dos dois extremos, Psol, de um lado, e PL e Novo, do outro, foram aqueles que exibiram mais lucidez no ataque a um projeto que consegue, de uma só vez, aumentar o número de parlamentares e agravar a distorção na representação.
O projeto reage à determinação do STF pelo
ajuste das bancadas de acordo com o censo de 2022 a partir de uma ação do
governo do Pará, um dos mais prejudicados pela omissão legislativa. Se o censo
fosse aplicado, 14 cadeiras seriam suprimidas de sete Estados, RJ (4), RS (2),
BA (2), PI (2), PB (2), PE (1), AL (1) e acrescidas a outros sete: PA (4), SC
(4), AM (2), CE (1), GO (1), MG (1) e MT (1).
Coube então a uma parlamentar do Rio, filha
do ex-presidente da Câmara e deputado cassado Eduardo Cunha, sair em socorro da
bancada de seu Estado. O censo mandava remanejar 14 cadeiras, mas a deputada o
ignorou: aumentou 18 - “Não queremos que ninguém perca”. Só o Brasil.
Pelos 13 meses em que o deputado Chiquinho
Brazão (sem partido-RJ) ficou preso até que a Câmara decidisse cassá-lo,
supõe-se que a bancada e, principalmente, o eleitorado do Rio passam bem sem a
atuação de alguns titulares. Coube ao relator do projeto, Damião Feliciano
(União-PB), definir, sem rodeios, o que está em jogo. Não tem nada a ver com a
representação do eleitor: “Perder cadeira significa perder peso político e
recursos”.
Seu relatório cita estimativa da direção da
Casa de R$ 64,6 milhões de custo a serem abrigados pelo Orçamento em vigor.
Acontece que os recursos que não são usados pelos Poderes são devolvidos ao
Tesouro e ajudam a minorar o déficit. O projeto não apenas acaba com essa
possibilidade como tem um custo a mais, que é o da alocação de emendas para os
18 parlamentares a mais. Apenas as “individuais” representam R$ 38 milhões
anuais per capita. Ou alguém acredita que a Câmara vai redistribuir o montante
em vez de aumentá-lo?
Entre os parlamentares que contestaram a
dupla Cunha/Feliciano está a unanimidade do Psol, entre os quais quatro do Rio.
“O senso comum diz que estamos aqui para nos dar bem. Temos que trabalhar
cotidianamente para superar esse senso comum”, disse Chico Alencar (RJ). Do
outro lado, quatro deputados do Rio, os mais bolsonaristas, tomaram o mesmo
rumo (contra cinco do PL “Centrão”, a favor do projeto).
Outros parlamentares do PL, como Bibo Nunes,
cujo Estado (RS) perderá dois parlamentares pela aplicação do critério
censitário, e Carolina de Toni, cuja bancada (SC) ganhará quatro com o projeto
de Dani Cunha, convergiram com grande entusiasmo com as contas do STF.
Críticos históricos da Corte, como Kim
Kataguiri (União-SP), surpreenderam no alinhamento aos togados: “Estamos
acomodando interesses sem resolver o problema. O texto é inconstitucional, será
derrubado e o STF terá atuado de maneira correta”. São Paulo, com 70 entre 513,
ficará ainda mais achatado com os mesmos 70 entre 531.
O negacionismo demográfico ficou por conta da
ala “Centrão” da direita. O Censo recebeu diversas definições ao longo da
sessão: “mentiroso” (Dani Cunha), “errado” (Sóstenes Cavalcanti, PL-RJ),
“distorcido” (Laura Carneiro, PSD-RJ).
Ao longo da sessão, foram feitas comparações
para todos os gostos, algumas delas não param em pé, como a de que o Congresso,
que passaria a 612 cadeiras, permaneceria como um dos menores do mundo. Os
maiores são todos de países parlamentaristas, como o do Reino Unido, que tem
população de um terço e 1.440 integrantes, e o da Índia, que tem população
quase sete vezes a brasileira e 798 cadeiras.
Todos os países presidencialistas como o
Brasil têm parlamentos menores. Os EUA, que têm uma população 60% maior, têm
533 cadeiras. A Nigéria, que ultrapassou o Brasil em habitantes, tem 468
parlamentares, e a Argentina, com um quinto dos brasileiros, tem 329. Só o
México, que é um pouco mais do que a metade do Brasil, tem mais cadeiras, 628.
Se o problema fosse apenas adequar o tamanho
do Congresso ao seu complexo parlamentarista seria fácil. O problema é que,
entre os países presidencialistas, o Brasil só não tem um Parlamento mais caro,
em proporção do Orçamento, do que o Peru e a Nigéria.
O projeto pode não avançar no Senado ou ser
derrubado pelo STF, mas terá servido para mostrar os riscos de propostas como a
do voto distrital, que ressurgem no Congresso. A distritalização pressupõe um
rigor censitário que os parlamentares não têm. Caso contrário, o Brasil
acabaria como os EUA, onde o redesenho distrital num único Estado, a Carolina
do Norte, garantiu a maioria da Câmara para Trump.
As bancadas mais governistas se fingiram de mortas porque o tema ganhou, em grande parte, um viés estadual. As lideranças liberaram o voto e partidos como o PT deram 38 votos à proposta de Dani Cunha. Se Nikolas ofuscou a repercussão do tema, basta que o projeto tenha continuidade para o troco vir a galope. Jogar para a plateia, neste caso, é vestir a camisa da Constituição e do eleitor. Na votação da terça à noite, Nikolas estava neste time. Se está sobrando dinheiro, os aposentados lesados, penhorados, agradecem.
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