quinta-feira, 8 de maio de 2025

Lucidez dos extremos no rechaço ao aumento da Câmara - Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Psol, de um lado, e PL e Novo, do outro, lideraram oposição à proposta que agride o senso comum

É devastador o vídeo em que o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) coloca o escândalo no INSS no colo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O deputado abandonou o tom histriônico com o qual discursava de peruca. A fala comedida, em tom mais grave, é acompanhada por uma música de fundo de dosada dramaticidade enquanto seu cabelo vai ficando grisalho e as feições envelhecem.

Enquanto Nikolas, sem contraponto, entretinha as massas digitais com mais um petardo bem dirigido contra o governo, a Câmara aprontou mais uma. O projeto de lei da deputada Daniela Cunha (União-RJ), que aumenta a Casa de 513 para 531 deputados, passou por 270 votos a 207 e uma abstenção. É uma folga e tanto para um projeto que, em todos os prismas, é indefensável.

Deputados dos dois extremos, Psol, de um lado, e PL e Novo, do outro, foram aqueles que exibiram mais lucidez no ataque a um projeto que consegue, de uma só vez, aumentar o número de parlamentares e agravar a distorção na representação.

O projeto reage à determinação do STF pelo ajuste das bancadas de acordo com o censo de 2022 a partir de uma ação do governo do Pará, um dos mais prejudicados pela omissão legislativa. Se o censo fosse aplicado, 14 cadeiras seriam suprimidas de sete Estados, RJ (4), RS (2), BA (2), PI (2), PB (2), PE (1), AL (1) e acrescidas a outros sete: PA (4), SC (4), AM (2), CE (1), GO (1), MG (1) e MT (1).

Coube então a uma parlamentar do Rio, filha do ex-presidente da Câmara e deputado cassado Eduardo Cunha, sair em socorro da bancada de seu Estado. O censo mandava remanejar 14 cadeiras, mas a deputada o ignorou: aumentou 18 - “Não queremos que ninguém perca”. Só o Brasil.

Pelos 13 meses em que o deputado Chiquinho Brazão (sem partido-RJ) ficou preso até que a Câmara decidisse cassá-lo, supõe-se que a bancada e, principalmente, o eleitorado do Rio passam bem sem a atuação de alguns titulares. Coube ao relator do projeto, Damião Feliciano (União-PB), definir, sem rodeios, o que está em jogo. Não tem nada a ver com a representação do eleitor: “Perder cadeira significa perder peso político e recursos”.

Seu relatório cita estimativa da direção da Casa de R$ 64,6 milhões de custo a serem abrigados pelo Orçamento em vigor. Acontece que os recursos que não são usados pelos Poderes são devolvidos ao Tesouro e ajudam a minorar o déficit. O projeto não apenas acaba com essa possibilidade como tem um custo a mais, que é o da alocação de emendas para os 18 parlamentares a mais. Apenas as “individuais” representam R$ 38 milhões anuais per capita. Ou alguém acredita que a Câmara vai redistribuir o montante em vez de aumentá-lo?

Entre os parlamentares que contestaram a dupla Cunha/Feliciano está a unanimidade do Psol, entre os quais quatro do Rio. “O senso comum diz que estamos aqui para nos dar bem. Temos que trabalhar cotidianamente para superar esse senso comum”, disse Chico Alencar (RJ). Do outro lado, quatro deputados do Rio, os mais bolsonaristas, tomaram o mesmo rumo (contra cinco do PL “Centrão”, a favor do projeto).

Outros parlamentares do PL, como Bibo Nunes, cujo Estado (RS) perderá dois parlamentares pela aplicação do critério censitário, e Carolina de Toni, cuja bancada (SC) ganhará quatro com o projeto de Dani Cunha, convergiram com grande entusiasmo com as contas do STF.

Críticos históricos da Corte, como Kim Kataguiri (União-SP), surpreenderam no alinhamento aos togados: “Estamos acomodando interesses sem resolver o problema. O texto é inconstitucional, será derrubado e o STF terá atuado de maneira correta”. São Paulo, com 70 entre 513, ficará ainda mais achatado com os mesmos 70 entre 531.

O negacionismo demográfico ficou por conta da ala “Centrão” da direita. O Censo recebeu diversas definições ao longo da sessão: “mentiroso” (Dani Cunha), “errado” (Sóstenes Cavalcanti, PL-RJ), “distorcido” (Laura Carneiro, PSD-RJ).

Ao longo da sessão, foram feitas comparações para todos os gostos, algumas delas não param em pé, como a de que o Congresso, que passaria a 612 cadeiras, permaneceria como um dos menores do mundo. Os maiores são todos de países parlamentaristas, como o do Reino Unido, que tem população de um terço e 1.440 integrantes, e o da Índia, que tem população quase sete vezes a brasileira e 798 cadeiras.

Todos os países presidencialistas como o Brasil têm parlamentos menores. Os EUA, que têm uma população 60% maior, têm 533 cadeiras. A Nigéria, que ultrapassou o Brasil em habitantes, tem 468 parlamentares, e a Argentina, com um quinto dos brasileiros, tem 329. Só o México, que é um pouco mais do que a metade do Brasil, tem mais cadeiras, 628.

Se o problema fosse apenas adequar o tamanho do Congresso ao seu complexo parlamentarista seria fácil. O problema é que, entre os países presidencialistas, o Brasil só não tem um Parlamento mais caro, em proporção do Orçamento, do que o Peru e a Nigéria.

O projeto pode não avançar no Senado ou ser derrubado pelo STF, mas terá servido para mostrar os riscos de propostas como a do voto distrital, que ressurgem no Congresso. A distritalização pressupõe um rigor censitário que os parlamentares não têm. Caso contrário, o Brasil acabaria como os EUA, onde o redesenho distrital num único Estado, a Carolina do Norte, garantiu a maioria da Câmara para Trump.

As bancadas mais governistas se fingiram de mortas porque o tema ganhou, em grande parte, um viés estadual. As lideranças liberaram o voto e partidos como o PT deram 38 votos à proposta de Dani Cunha. Se Nikolas ofuscou a repercussão do tema, basta que o projeto tenha continuidade para o troco vir a galope. Jogar para a plateia, neste caso, é vestir a camisa da Constituição e do eleitor. Na votação da terça à noite, Nikolas estava neste time. Se está sobrando dinheiro, os aposentados lesados, penhorados, agradecem.

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