Folha de S. Paulo
Fingir que as restrições não existem não nos
ajuda em nada; cabe fazer escolhas com menos impacto social
"O Estado não gera riqueza
—consome", disse o presidente da Câmara, Hugo Motta,
em um post em que critica
o governo pelo aumento do IOF. Isso não é estritamente verdade. Quando uma
escola pública ensina crianças a ler, ou quando um policial prende um bandido,
isso gera um valor enorme para a sociedade. Mas, de fato, o Estado, exceto pelo
lucro de algumas estatais, não gera receita monetária. Ele precisa cobrar
impostos para se financiar.
O Brasil cobra próximo de 32% do PIB em impostos. Isso é um valor alto para uma nação em desenvolvimento. O mercado, correta ou incorretamente, não confia no governo Lula. Crê que ele quer gastar sempre mais, que não tem compromisso nenhum com as contas públicas, que prefere medidas heterodoxas para combater a inflação e que, quando puder, passará a conta de seu gasto para o setor privado. Sendo assim, e querendo mudar essa percepção negativa, o governo deveria ser especialmente cuidadoso em suas mensagens econômicas.
No fim do ano passado, o governo meteu os pés
pelas mãos ao misturar o anúncio de congelamento de gastos com o projeto de
isenção do imposto de renda. Na quinta passada, fez de novo: junto
do congelamento de R$ 30 bilhões em 2025, anunciou o aumento
do IOF. Ao fazer isso, alimentou o receio de que queira barrar a saída de
capitais do Brasil —medo que foi amenizado quando o governo voltou atrás em
alguns pontos. Além disso, reforçou a ideia de que ele aposta no aumento da
receita para cobrir o rombo das contas públicas.
"Executivo não pode gastar sem freio e
depois passar o volante para o Congresso segurar",
diz Motta. Isso é a mais pura verdade. Mas o contrário também: o Congresso não
pode minar
os esforços do Executivo e depois se eximir da culpa. Quando o
Executivo tentou corrigir isenções tributárias distorcivas, como o Perse ou a
isenção para 17 setores econômicos, que poderiam ter aliviado a situação
fiscal, o Congresso não deixou. Se o Congresso está preocupado com o gasto
brasileiro, por que não cortar voluntariamente R$ 10 bi de emendas parlamentares de
2025? Ou um simbólico R$ 1 bilhãozinho do fundão eleitoral de 2026?
O governo vive uma situação difícil quando o
assunto é carga tributária. Corte líquido de impostos piora a percepção da
responsabilidade fiscal; já o aumento de impostos indica que o governo não está
comprometido com o corte de gastos. O melhor, neste momento, seria não mexer na
carga total. Tornar os impostos mais justos e mais eficientes, como, aliás, o
governo tem feito, é uma boa. Mudar substancialmente a carga, sem
um corte real de gastos antes, é apenas cutucar a ferida.
Buscar o ajuste via arrecadação é, ademais,
ineficaz. Com despesas obrigatórias que variam de acordo com a receita,
aumentos de impostos viram gasto adicional automaticamente. Não tem como
escapar: o governo precisará reduzir o gasto.
E quando falamos de corte de gastos, não há
caminho sem dor: fim dos supersalários, fim do piso automático de saúde e educação,
desvincular salário
mínimo e previdência, reforma
previdenciária dos militares. Todo corte gera insatisfação; cabe
escolher aqueles com menos impacto social na base da pirâmide. A boa política é
aquela capaz de escolher o que é prioritário dentro das restrições. Fingir que
as restrições não existem não nos ajuda em nada.
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