Folha de S. Paulo
Livro de neurocientista política mostra que
indivíduos capturados por ideologias passam por transformações neurológicas
Uma boa pedida para quem quer entender melhor
os tempos estranhos em que vivemos é "The
Ideological Brain", da neurocientista política Leor Zmigrod.
Gostamos de imaginar que aqueles que abraçam ideologias com as quais não concordamos são pessoas rasas, que nem se dão ao trabalho de pensar direito sobre as questões em relação às quais se posicionam. Zmigrod mostra que não é bem assim.
Na mais simples de suas muitas definições, a
ideologia é um tipo de narrativa que conta uma história atraente sobre o mundo.
Mas, diferentemente das histórias produzidas pela cultura, as da ideologia têm
caráter absolutista e cobram adesão dogmática. Não toleram contestação e vêm
com prescrições. Quem se torna presa de uma ideologia passa por transformações
cerebrais profundas, que deixam marcas físicas. Em casos extremos, a ideologia
sequestra o próprio pensamento. A pessoa se torna menos singular, menos curiosa,
menos livre.
"The Ideological..." não é um livro
difícil, mas não simplifica. As inafastáveis descrições neuroanatômicas estão
presentes, mas restritas a poucas passagens. Idem para os vários experimentos
(da própria autora e de outros) que tentam mostrar quais são os tipos
psicológicos mais vulneráveis à ideologia. A rigidez cognitiva é provavelmente
o melhor preditor de suscetibilidade.
Histórica e filosoficamente informada
(graduou-se em Cambridge), Zmigrod traça a genealogia do termo ideologia,
cunhado por Louis Claude de Tracy no século 18 para designar o que deveria ser
a ciência que estuda como
temos ideias.
Uma desavença entre De Tracy e Napoleão fez
com que, após campanha do corso, a palavra fosse ganhando contornos pejorativos
até tornar-se quase que um palavrão com Karl Marx.
Algo que chama a atenção é a transparência
com que Zmigrod apresenta as limitações e os pontos fracos de suas pesquisas.
Se é o antidogmatismo que caracteriza o pensamento não ideológico, Zmigrod nos
oferece uma prova prática de como agir.
PS —dou duas semanas de férias ao leitor.
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