Ameaças de Rubio são agressão à nossa democracia
Correio Braziliense
A declaração de Rubio foi celebrada por aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro, incluindo seu filho Eduardo Bolsonaro, que tem buscado apoio nos EUA para pressionar o STF e defender seu pai, atualmente réu por tentativa de golpe de Estado
Não se trata de simpatia ou antipatia pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Isso não vem ao caso. A declaração do secretário de Estado dos Estados Unidos, Marco Rubio, sobre a possibilidade de sanções contra o ministro devido ao julgamento da tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023, feita durante audiência na Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Representantes dos EUA, no último dia 21, é uma agressão à soberania brasileira e um desrespeito ao nosso Estado Democrático de Direito.
Questionado pelo deputado republicano Cory Mills, Rubio afirmou que a aplicação de sanções está "sob análise neste momento" e que há "uma grande possibilidade de que isso aconteça". Essa declaração envolve alegações, sem fundamento legal, de que o Brasil estaria enfrentando um "alarmante declínio dos direitos humanos", incluindo suposta "censura generalizada" e "perseguição política contra a oposição", conforme mencionado por Mills.
Rubio invocou a aplicação da Lei Global Magnitsky, que permite aos EUA sancionar estrangeiros acusados de corrupção ou graves violações de direitos humanos. As punições poderiam incluir o bloqueio de bens e a proibição de entrada nos EUA. Obviamente, eventuais sanções impostas por potências estrangeiras, de forma unilateral e sem levar em conta o ordenamento jurídico internacional, do qual o Brasil faz parte constitucionalmente, colocam, sim, em risco a nossa soberania e a relação entre os Poderes da República. Seriam uma agressão à democracia.
A declaração de Rubio foi celebrada por aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro, incluindo seu filho Eduardo Bolsonaro, que tem buscado apoio nos EUA para pressionar o STF e defender seu pai, atualmente réu por tentativa de golpe de Estado. Eduardo Bolsonaro tem se reunido com parlamentares republicanos em Washington, como Cory Mills, para angariar apoio para sanções contra Moraes. O governo brasileiro e o STF reagiram à declaração de Rubio, considerando-a uma possível interferência externa em assuntos internos do país.
Movido por interesses políticos, Rubio age afetando a legitimidade das instituições democráticas e o próprio princípio da autodeterminação. O sistema internacional prevê sanções por graves violações de direitos humanos ou crimes internacionais. Mas quando a motivação é ideológica ou política, sem respaldo em decisões multilaterais ou no devido processo, abre-se um precedente perigoso. Seria a volta da política de "big stick" dos piores momentos da história da relação dos Estados Unidos com os demais países das Américas.
Portanto, o Congresso Nacional, o Itamaraty, o STF e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) têm toda legitimidade para repelir esse tipo de ingerência estrangeira na vida nacional. A defesa das prerrogativas constitucionais, da independência do Judiciário e do respeito à ordem democrática interna faz parte do ethos nacional — ou seja, do nosso caráter moral e social. Isso não significa isentar de críticas legítimas às decisões ou à conduta de magistrados brasileiros, dentro do nosso marco jurídico.
As críticas, mesmo quando legítimas, o que não é o caso, perdem legitimidade quando amparadas por ameaça ou imposição de Estados estrangeiros.
O erro se repete no debate sobre equilíbrio fiscal
O Povo (CE)
O governo deveria fazer uma boa discussão antes de tornar públicas as propostas de ajuste fiscal para evitar barbeiragens técnicas e políticas
Os ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Planejamento) anunciaram na quinta-feira um pacote de congelamento de gastos de R$ 31,3 bilhões no Orçamento de 2025, corte acima do esperado pelo sistema financeiro.
O que poderia ser bem-visto pelo mercado, como demonstrativo do compromisso do Palácio do Planalto com o equilíbrio fiscal, reverteu-se rapidamente em críticas, devido à proposição de aumentar o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), atingindo o câmbio, crédito, seguro e investimentos.
A reação negativa foi tão forte que o governo recuou poucas horas depois do anúncio, revendo os pontos mais polêmicos do decreto. A correção foi publicada em edição extra do Diário Oficial da União, na madrugada de sexta-feira, para acalmar os bancos e investidores, antes da abertura dos mercados. O aumento do IOF impacta também consumidores e empresas, tornando os juros de empréstimos e de cartões de crédito mais caros.
Essa não é a primeira vez que o Palácio do Planalto apresenta medidas destinadas ao corte de gastos, em sinalização de trégua com o mercado, mas que o assunto central — a sustentabilidade das contas públicas — fica ofuscado por polêmicas laterais.
Outras vezes, medidas administrativas, como ajustes no pix, são apresentadas com tamanha incompetência que se tornam desastres com capacidade de abalar a popularidade do governo. A reação foi tão forte à proposição de aumentar o controle sobre bancos digitais, que rapidamente se disseminou a informação, sem fundamento, de que as transferências via pix seriam taxadas.
Em dezembro do ano passado, Haddad anunciou várias medidas de ajuste fiscal, prevendo uma economia de R$ 327 bilhões em cinco anos. A proposta reduzia vários benefícios, como no cálculo do índice de reajuste do salário mínimo, e estabelecia revisão na previdência dos militares e no Benefício de Prestação Continuada (BPC).
No entanto, no mesmo pacote, foi anunciada a isenção do imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil, que nada tinha a ver com o tema, mas que se tornou o centro das discussões. O que era principal, o debate em torno das medidas para garantir o déficit zero, foi secundarizado.
Observe-se que não se discute aqui o mérito das medidas, que podem ser suficientes ou insuficientes para alcançar o objetivo a qual se propõe, ou mesmo se os cortes são justos quanto aos setores que terão de arcar com a redução de verbas.
Porém, não existe dúvida quanto à necessidade de o governo fazer uma boa discussão, antes de tornar públicas as propostas, para que barbeiragens técnicas e políticas sejam evitadas. Esse foi o caso do ajuste de dezembro de 2024 e neste, de agora. Se o erro se repetiu é porque a lição não foi aprendida. Vejamos as próximas.
O Globo
Mais uma vez, meta fiscal está em risco — e
tentativa de cobrir rombo se dá à custa do contribuinte
Anúncios da equipe econômica vêm e vão, mas
dois padrões infelizmente permanecem. Primeiro, as contas
públicas seguem desequilibradas, mantendo o endividamento em
trajetória insustentável. Segundo, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva continua aumentando impostos para tentar equilibrá-las. No país com uma
das maiores cargas tributárias do mundo, busca-se tapar buracos cobrando mais
do contribuinte — e nada de cortar gastos ou de, no mínimo, apresentar um
programa plausível de controle de despesas.
Na quinta-feira, repetiu-se um roteiro tragicamente recorrente. Primeiro, o governo publicou um decreto aumentando o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) cobrado sobre câmbio (para 3,5%), crédito de empresas (de 0,38% para 0,95%) e seguros (de zero para 5% para aportes mensais superiores a R$ 50 mil em planos VGBL). Inicialmente, estava prevista a imposição de taxa de 3,5% nas remessas de fundos ou investimento no exterior, mas, depois da reação negativa, o governo voltou atrás e manteve a alíquota em 1,1% (para compra em espécie ou depósito em moeda estrangeira, continuam valendo os 3,5%). O recuo deu, mais uma vez, a impressão de despreparo e desorientação da equipe econômica. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou não haver “nenhum problema em corrigir a rota”.
Ora, se Haddad deseja mesmo corrigir a rota,
há muito mais a fazer. A projeção da Instituição Fiscal Independente revela
crescimento descomunal da dívida pública sob sua gestão — de 71,7% do Produto
Interno Bruto (PIB) em dezembro de 2022 para 84% ao fim de 2026, quando acaba o
atual mandato presidencial. Depois de prometer déficit zero pelo segundo ano
consecutivo, mais uma vez Haddad se viu obrigado a reconhecer que a meta é
inviável. A expectativa era um congelamento de gastos da ordem de R$ 10 bilhões
no Orçamento de 2025. Quando soube-se que o valor seria de R$ 31,3 bilhões, o
impacto imediato foi positivo. “Fizeram uma coisa acertada, já anunciar o
ajuste total necessário”, disse ao GLOBO Felipe Salto, economista da gestora
Warren Rena. Mas, à medida que ficou evidente que, fora esse montante, mais R$
20,5 bilhões viriam do aumento do IOF, o pessimismo voltou.
Além de penalizar o setor produtivo e
investidores com mais tributos, o governo é tímido na hora de definir
objetivos. Com o congelamento anunciado, ficará novamente abaixo do centro da
meta fiscal. Em vez do equilíbrio entre despesa e receita, a previsão é déficit
de 0,25% do PIB, no limite do permitido pelo capenga arcabouço fiscal criado
pelo próprio governo. Mesmo se confirmado o resultado no intervalo de
tolerância, o essencial não mudará. “Continuaremos gerando déficits, ainda que
modestos, e essa dinâmica não é suficiente para estabilizar a dívida em relação
ao PIB”, diz Salto.
É nítida a falta de vontade do governo de
encaminhar uma solução adequada para o problema. Não houve nem haverá nova
rodada de reforma na Previdência, capaz de diminuir o rombo que só cresce em
razão do vínculo dos benefícios aos reajustes reais do salário mínimo. E não
houve nem haverá programa de privatização voltado a reduzir o endividamento
público. Para Lula, a saída está sempre em taxar ainda mais o setor produtivo e
os investidores, sem promover cortes necessários nos gastos. Quem paga a conta
é sempre o contribuinte.
Depois de voto de confiança, novo governo
sírio precisa proteger minorias
O Globo
Sanções devem voltar se regime não contiver
violência contra grupos como alauitas, cristãos ou drusos
O governo interino da Síria recebeu um
voto de confiança na terça-feira, quando os chanceleres dos países da União
Europeia (UE) concordaram em suspender as sanções econômicas aplicadas ao país
desde os tempos da ditadura de Bashar al-Assad, deposta no ano passado. Na
semana anterior, Donald Trump anunciara
que os Estados Unidos fariam o mesmo. Em viagem à Arábia Saudita, Trump
encontrou o presidente interino sírio, Ahmed al-Sharaa, até há pouco conhecido
como Abu Mohammed al-Jolani e chefe de um grupo jihadista sunita.
Diante da possibilidade de colapso do país,
tanto a UE como os Estados Unidos decidiram dar oxigênio ao novo governo, com a
esperança de que observe valores como o respeito às minorias. Dado o histórico
de Sharaa, ex-afiliado do Estado Islâmico e da Al-Qaeda, o Ocidente deveria
exigir garantias práticas de que alauitas, drusos, curdos, cristãos e outras
minorias serão protegidos. Os últimos três meses foram marcados por violência,
execuções sumárias e massacres.
Em março, a comunidade alauita, a que
pertencia a família Assad, foi alvo das forças de segurança. Fotos e vídeos
comprovaram a morte de centenas de civis na região próxima à costa do
Mediterrâneo. Acusados de fidelidade ao velho regime, os habitantes sofreram
toda sorte de atrocidades. Após uma pausa na segunda metade de março, nova onda
de violência ressurgiu no início de abril. Semanas depois, a região drusa
passou a ser palco de matanças. Nos últimos 30 dias, quase cem drusos foram
mortos. No início de maio, aviões de Israel, que abriga forte minoria drusa,
bombardearam áreas perto do palácio presidencial na capital síria. “Não
permitiremos que forças sejam enviadas para o sul de Damasco ou qualquer ameaça
à comunidade drusa”, afirmou o primeiro-ministro israelense, Benjamin
Netanyahu. Radicais islâmicos têm aterrorizado frequentadores de bares
cristãos. Uma mulher foi morta recentemente numa boate em Damasco.
Cada nova vítima põe em xeque a promessa de
Sharaa de ser um presidente para todos os sírios. Castigada por longa guerra
civil e pelas sanções de mais de uma década, a economia síria está em
frangalhos. Por isso a explosão de alegria quando Trump anunciou que aliviaria
as restrições. As ruas de Damasco foram tomadas por carros ao som de buzinas
com bandeiras sírias.
Mas o sonho de prosperidade só terá chance de
se materializar com a pacificação do país — e ela ainda é uma incógnita. Além
de abandonar seu nome de guerra, Sharaa tomou um banho de loja. Trajes
militares deram lugar a terno e gravata. Tudo para reforçar a transformação de
combatente em presidente. Para as minorias sírias, o que realmente tem
importância é se ele conseguirá unificar os vários grupos rebeldes e fazer com
que as forças de segurança do Estado respeitem todos os sírios,
independentemente de grupo étnico ou religião. É essencial ele saber que, se
não andar na linha, as sanções voltarão.
Mais uma alta de imposto corrói a
credibilidade de Lula
Folha de S. Paulo
Anúncio desastrado sobre o IOF tem péssima
repercussão e recuo parcial, mas dano está feito com encarecimento do crédito
O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) só
toma medidas para conter o rombo das contas públicas sob pressão das
circunstâncias. Quando o faz, recorre a remendos que não miram as causas do
desequilíbrio orçamentário. Nos piores momentos, improvisos evidentes
comprometem a credibilidade da política econômica. Foi o que ocorreu na
quinta-feira (22).
Havia algo de correto a ser anunciado, embora
por razões nem tão edificantes —um congelamento preventivo de R$ 31,3 bilhões
em desembolsos para compensar previsões pouco realistas do Orçamento deste ano
e viabilizar o cumprimento das metas já frouxas de controle do déficit.
Ocorre que a economia anunciada era
insuficiente diante do descalabro financeiro federal, e o governo decidiu
completá-la com mais uma elevação de impostos, desta vez do IOF, em busca de R$
20,5 bilhões neste ano e R$ 40,1 bilhões em 2026.
Que a administração petista tenha sido obrigada
a um recuo parcial em poucas horas é mostra de um incrível alheamento
ante as consequências de suas ações.
Majoraram-se as alíquotas do Imposto sobre
Operações Financeiras —um tributo de natureza regulatória, não arrecadatória,
que por isso pode ser gerido por decreto— para novas concessões de crédito e
remessas de recursos para o exterior. Foram também tributados novos aportes
acima de R$ 50 mil mensais em planos de previdência (VGBL).
Quanto à cobrança sobre saídas de dinheiro do
país, a proposta era aumentar o IOF para 3,5% nas principais modalidades:
recursos para investimentos (antes taxados em 1,1%), cartões de crédito e
débito (já onerados em 3,38%) e até sobre aplicações de fundos antes isentos.
Não
parece ter havido entendimento prévio com o Banco Central, a despeito do
óbvio impacto sobre as políticas cambial e monetária. A medida foi considerada,
inevitavelmente, como um passo na direção de controle dos fluxos de capitais e
provocou imediata reação no mercado.
É bem-vindo que o governo tenha desistido da
cobrança sobre remessas de fundos e voltado à alíquota original nos fluxos
direcionados para investimentos.
No entanto o dano foi feito ao dar-se a
impressão de que houve uma tentativa de restringir a saída de recursos, mesmo
que o ministro Fernando Haddad e seus subordinados tenham declarado que não era
esse o objetivo. Os movimentos imediatos na taxa de câmbio e nos juros futuros
demonstraram o erro crasso.
Também é péssimo o aumento do IOF —um tributo
que o país se comprometera a reduzir para se adequar a normas da OCDE— sobre
operações de crédito para empresas. Foge ao bom senso mais do que dobrar o
custo tributário do financiamento para empresas, já pressionadas pelos juros de
14,75% ao ano.
E isso tudo para manter, quando muito até o
início do próximo governo, uma política
insustentável de expansão de gastos.
Salgado levou grandes temas a um público
amplo
Folha de S. Paulo
Um dos maiores fotógrafos da história,
brasileiro retratou a condição humana, preservação ambiental e a causa indígena
Poucos fotógrafos merecem o rótulo de um dos
mais importantes da história, e ainda mais raras são as pessoas que discordam
de que a definição cabe a Sebastião
Salgado, brasileiro
morto nesta sexta-feira (23), aos 81 anos.
Profissionais longevos se encontram com certa
frequência, mas é incomum encontrar nomes que tenham aliado a extensa
trajetória a um alto nível de qualidade durante toda a carreira.
"Gênesis", trabalho no qual Salgado documentou povos e lugares quase
intocados, foi lançado quando ele já contava 69 anos.
"Gênesis", aliás, espelha
características cruciais da obra do brasileiro. Para criá-lo, ele viajou por
quase uma década, um período longo concentrado em apenas uma série, como fez
muitas outras vezes. Daí vem o amplo volume de imagens que produziu, resultando
em livros grandiosos.
Naquela obra já estava consolidada a ideia de
abordar temas de relevo da humanidade, como a preservação do ambiente, fruto da
mente de um economista de viés social, e a questão indígena, tão cara a ele nos
últimos anos.
Entram nessa classificação os clássicos
"Terra", "Êxodos", "Outras Américas" e
"Serra Pelada", talvez o auge da trajetória de Salgado, ao juntar a
crítica social tão marcada em seu trabalho com a dramaticidade impressa em
cenas nas quais homens
sujos de lama se parecem com formigas na imensidão da mina de ouro.
O preto e branco carregado de suas
fotografias o ajudou a atingir um grande público com temas por vezes difíceis
de digerir. Tinha a habilidade de fazer o observador se sentir tocado pela
força estética dos registros, que em sua maioria retratavam pessoas e,
sobretudo, a condição humana.
Alimentava também a idealização do fotógrafo
explorador, que vai a locais remotos e traz de lá o que ninguém havia visto.
A longevidade conectada à excelência o fez
experimentar novos formatos no final da carreira, como em uma
série publicada pela Folha, na amazônia, em
que levou um fundo infinito gigante à floresta para fazer retratos de indígenas nos
moldes de fotografias de família realizadas dentro de estúdios no século 19.
Vasta, a obra de Salgado ainda abriga fotos
históricas que não integram séries pensadas, como na que captou o atentado ao
presidente americano Ronald Reagan, em 1981. As imagens que fez da Revolução
dos Cravos, exibidas em 2024 em São Paulo, mostram que seu arquivo ainda possui
material pouco conhecido.
Salgado conseguiu falar a muitos sobre temas políticos complexos —e ainda os deslumbrou.
Lambanças em série
O Estado de S. Paulo
Trapalhada com o IOF ofusca anúncio de
congelamento de despesas que poderia resgatar a credibilidade da equipe
econômica e mostra que o governo Lula parece ter um compromisso com o erro
Em um misto de arrogância e amadorismo, a
equipe econômica perdeu uma rara oportunidade de capitalizar uma boa notícia a
seu favor. Quando ninguém mais esperava que o governo anunciasse medidas à
altura do que o País precisaria para cumprir o limite de gastos e a meta
fiscal, os ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e do Planejamento e
Orçamento, Simone Tebet, surpreenderam a todos ao participar de uma divulgação
corriqueira como o Relatório Bimestral de Receitas e Despesas e anunciar um
congelamento de gastos de R$ 31,3 bilhões.
Assumir que as projeções de receitas e
despesas estavam equivocadas, mais que uma constatação, exigiria a adoção de
medidas práticas para conter gastos e aumentar a arrecadação – e tudo isso a
pouco mais de um ano das eleições. Era ocasião, portanto, para a equipe
econômica renovar a crença em seu trabalho e na defesa da responsabilidade
fiscal, abalada desde o fim do ano passado quando medidas para rever gastos
foram anunciadas junto com a isenção do Imposto de Renda (IR) para quem ganha
até R$ 5 mil mensais.
Cometendo lambanças em série, o governo jogou
por terra a chance de resgatar sua credibilidade. Em primeiro lugar, a despeito
de ter guardado as informações a sete chaves ao longo da semana, a equipe
econômica foi ultrapassada pelo ministro dos Transportes, Renan Filho, que, em
um evento em São Paulo, antecipou o tamanho do congelamento de despesas e o
anúncio do aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para cumprir a
meta fiscal.
Quando a entrevista em Brasília começou, o
congelamento de gastos, ainda que bem maior do que os analistas esperavam, já
não interessava a mais ninguém. Ainda assim, Haddad insistiu em discorrer sobre
o tema e aguardar o fechamento dos mercados para explicar o aumento das
alíquotas do IOF, que já causava repercussão imediata no câmbio e na Bolsa por
sugerir uma tentativa de controle de capitais.
A trapalhada continuou quando a informação
sobre o aumento das alíquotas de IOF sobre operações de câmbio de pessoas
físicas e jurídicas, crédito para empresas e previdência privada foi finalmente
confirmada, por meio da publicação de uma edição extra do Diário Oficial da
União.
O secretário-executivo da Fazenda, Dario
Durigan, deu a entender que as medidas haviam sido previamente acertadas com o
presidente do Banco Central (BC), Gabriel Galípolo. Nas palavras do secretário
do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, e do secretário da Receita Federal,
Robinson Barreirinhas, elas contribuiriam para reforçar a política monetária.
Galípolo, no entanto, fez chegar à imprensa
que não concordava com as medidas, enquanto Haddad, por meio de suas redes
sociais, negou tê-las negociado com a autoridade monetária. Não parou por aí.
Prevendo a exploração política que a oposição
faria de um anúncio de medidas de aumento de impostos que impactam a classe
média, Haddad e os ministros Rui Costa, Gleisi Hoffmann e Sidônio Palmeira
decidiram rever uma parte delas. Na quinta, às 23h31, por meio de suas redes
sociais, a Fazenda recuou da taxação dos fundos, e na sexta, por volta das
8h30, Haddad disse que não pretendia inibir investimentos no exterior.
Certamente haverá quem elogie a rapidez da
Fazenda em corrigir o erro no mesmo dia em que o cometeu. Isso não deve redimir
o governo por tamanho equívoco, nem anula as demais medidas arrecadatórias, que
tornarão Haddad novamente alvo das mais que prováveis piadas com o apelido de
“Taxad”.
Mas há que questionar como ninguém foi capaz
de prever o estrago que a medida causaria, o que sugere que o governo Lula da
Silva nada aprendeu com os malfadados episódios da isenção do IR para pessoas
físicas e da taxação do Pix.
A repetição do erro indica, na melhor das
hipóteses, certa ingenuidade, e, na pior, a prepotência de quem tem a convicção
de estar com a razão. Qualquer que seja o caso, é a consequência de centralizar
a tomada de decisões em uma equipe que parece cada vez mais fechada em si
mesma.
Manter ou reverter as medidas é um prato
cheio para a oposição se refestelar. Bastava não ser tão amador e avaliar a
pertinência de lançá-las antes de causar mais uma crise.
Passaportes para o inimigo
O Estado de S. Paulo
A operação russa expõe fissuras na segurança
brasileira que favorecem não só a espionagem, mas o terrorismo e o
narcotráfico, além de evidenciar o custo do alinhamento de Lula a Putin
A revelação feita pelo jornal The New
York Times de que a Rússia transformou o Brasil em uma linha de montagem
para espiões deve servir de alerta às autoridades e à sociedade. Mais do que um
embaraço internacional, trata-se de um sintoma de vulnerabilidades sistêmicas
que podem comprometer a segurança nacional e projetar o Brasil como peça
auxiliar na engrenagem de regimes autoritários hostis ao mundo livre.
O Brasil não figura no centro das disputas
geopolíticas globais. Mas essa posição periférica, aliada à fragilidade
institucional, faz dele um alvo preferencial para ser usado – e abusado – por
potências que operam na lógica dos conflitos assimétricos, empregando uma
combinação de desinformação, sabotagem, ciberataques, redes clandestinas e
agentes infiltrados. A guerra híbrida é, como define o Kremlin, um esforço
estratégico para alterar a orientação geopolítica de Estados-alvo, utilizando
todos os meios, inclusive os convencionais, sob coordenação de campanhas de
influência. Moscou aplica essa doutrina com precisão: da ocupação da Crimeia à
sabotagem digital em democracias ocidentais, do uso de mercenários na África ao
financiamento de extremistas na Europa.
Tudo indica que o Brasil se tornou um
entreposto funcional desse tabuleiro. Não tanto para ser espionado, mas para
falsificar identidades e viabilizar a infiltração de agentes em outras bases
muito mais estratégicas na dinâmica geopolítica global. Nossa burocracia
leniente, com cartórios vulneráveis, bases de dados desagregadas e controles
frouxos – sem falar na suscetibilidade para a corrupção –, permite que espiões
estrangeiros obtenham documentos legítimos e construam vidas fictícias aptas a
burlar sistemas de segurança na Europa e nos EUA.
Outro fator de risco é nossa própria virtude:
a diversidade étnica. A miscigenação, que, em que pese a opinião contrária de
ideólogos armados de teorias fabricadas em universidades norte-americanas,
forma o orgulho da Nação, facilita, paradoxalmente, a dissimulação de espiões.
Um agente com traços eslavos e nome genérico pode passar tranquilamente por um
cidadão de Santa Catarina ou do Paraná. O risco é ainda maior à luz da escalada
do crime organizado. As facções têm estendido seus tentáculos ao exterior, operando
como máfias transnacionais e, em algumas regiões, substituindo o Estado.
Esses fatores – vulnerabilidade burocrática e
diversidade étnica – oferecem uma infraestrutura involuntária para operações
clandestinas que não se limitam à espionagem. Também servem ao narcotráfico, ao
terrorismo e a outras modalidades de crime transnacional – como ilustram as
investigações sobre atuação do Hezbollah na tríplice fronteira. Passa da hora
de o Brasil investir em inteligência, interoperabilidade entre sistemas,
mecanismos antifraude e contraespionagem. A emissão de documentos de identidade
precisa ser blindada com padrões internacionais de segurança – biometria
integrada, certificação digital, validação cruzada entre instituições. O País
não pode continuar entregando passaportes ao inimigo.
O Itamaraty foi prudente ao decidir aguardar
a conclusão das investigações da Polícia Federal antes de se pronunciar. Mas, a
se confirmar o teor da reportagem, a resposta deve ser firme. O Brasil não pode
se prestar a esse papel humilhante sem consequências.
O cenário adquire contornos mais preocupantes
quando se lembra que, há poucos dias, o presidente Lula da Silva prestigiava a
celebração imperialista de Vladimir Putin na Praça Vermelha. Ao invés de
defender a paz, o petista bajulou um autocrata belicista; em vez de reforçar as
instituições multilaterais, alinhou-se aos que as sabotam. Lula não pode
ignorar, sem consequências, que seus “companheiros” de Moscou, Teerã ou Caracas
usam o Brasil como trampolim para ameaçar democracias.
As instituições de Estado devem agir com
independência, rigor e profissionalismo. As vulnerabilidades do Brasil não
podem continuar a ser negligenciadas – nem exploradas por potências hostis, nem
ignoradas por lideranças políticas cegas por nostalgia ideológica. Que o
episódio sirva como um ponto de inflexão. A segurança de uma democracia começa
por suas fronteiras – inclusive as digitais, documentais e morais.
Uma brasileira ‘Nobel’ de agricultura
O Estado de S. Paulo
Láurea reafirma o papel estratégico da
Embrapa no desenvolvimento sustentável do País
A pesquisadora brasileira Mariangela Hungria
da Cunha acaba de ser anunciada a vencedora do World Food Prize 2025,
considerado o “Nobel” de agricultura e alimentação. A premiação consagra os
mais de 40 anos de dedicação da pesquisadora da Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária (Embrapa) à produção de conhecimento para potencializar a produção
agrícola do País.
A láurea foi criada pelo norte-americano
Norman Borlaug, agrônomo vencedor do Nobel da Paz em 1970 por seu empenho no
combate à fome. Como não existe um Prêmio Nobel na categoria agricultura e
alimentação, é o World Food Prize que enaltece os cientistas que, com seus
achados, contribuem para aumentar a quantidade, a qualidade ou o acesso a
alimentos no mundo.
Engenheira agrônoma com mestrado e doutorado
em pesquisas sobre a fixação biológica do nitrogênio, a pesquisadora da Embrapa
Soja, que vive em Londrina (PR), ajudou a revolucionar a agricultura nacional.
Nos últimos 40 anos, seus estudos resultaram em técnicas de aplicação de
insumos biológicos em grandes plantações, antes reconhecidos como eficientes
apenas em pequenas áreas.
Ao Estadão, a dra. Mariangela explicou
que seu trabalho consiste em selecionar microrganismos e fazê-los “mais
eficientes” com o objetivo de reduzir o uso de fertilizantes químicos. É por
isso que o Brasil é o país com a maior taxa de inoculação do mundo na produção
de soja, que também é o nosso principal grão exportado. Nada menos do que 85%
da soja brasileira é cultivada com insumos biológicos. Para se ter uma ideia,
se o Brasil tivesse usado fertilizante nitrogenado na última safra, os gastos
teriam sido da ordem de US$ 25 bilhões.
Como se vê, a ciência aprimorou o plantio da
soja, que ficou mais produtivo e menos custoso aos produtores – o que, por
óbvio, tornou o grão brasileiro mais competitivo. Ao mesmo tempo, ajudou a
proteger o meio ambiente. Por usar muito mais fertilizantes biológicos do que
químicos, o Brasil deixou de emitir, na última safra, 230 milhões de toneladas
de gás carbônico. Isso é mais um elemento de prova de que o País sabe produzir
de forma sustentável.
Mas o sucesso da pesquisadora não se resume à
soja. Mariangela Hungria da Cunha também liderou pesquisas que desenvolveram
novas tecnologias para as culturas de feijão, milho, trigo e pastagens. É por
toda essa dedicação à ciência, malgrado ao longo da carreira ter enfrentado
dificuldades por atuar “num país onde o financiamento para pesquisa é muito
irregular”, que, em outubro, a brasileira irá aos Estados Unidos para receber o
prêmio.
Esse feito só foi possível porque o Brasil
passou a investir pesado em pesquisa científica agropecuária há décadas. Por
isso, o World Food Prize é também a coroação da longa trajetória de excelência
da Embrapa na produção de conhecimento que culminou em técnicas sofisticadas
para a agropecuária em seus diversos ramos.
Não menos importante, esse prêmio é também o reconhecimento da importância dos pequenos, médios e grandes produtores para o desenvolvimento econômico e social do País. Trata-se de honrosa conquista para uma mulher, para a ciência e para a agropecuária do Brasil.
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