sábado, 24 de maio de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Ameaças de Rubio são agressão à nossa democracia

Correio Braziliense

A declaração de Rubio foi celebrada por aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro, incluindo seu filho Eduardo Bolsonaro, que tem buscado apoio nos EUA para pressionar o STF e defender seu pai, atualmente réu por tentativa de golpe de Estado

Não se trata de simpatia ou antipatia pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Isso não vem ao caso. A declaração do secretário de Estado dos Estados Unidos, Marco Rubio, sobre a possibilidade de sanções contra o ministro devido ao julgamento da tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023, feita durante audiência na Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Representantes dos EUA, no último dia 21, é uma agressão à soberania brasileira e um desrespeito ao nosso Estado Democrático de Direito.

Questionado pelo deputado republicano Cory Mills, Rubio afirmou que a aplicação de sanções está "sob análise neste momento" e que há "uma grande possibilidade de que isso aconteça". Essa declaração envolve alegações, sem fundamento legal, de que o Brasil estaria enfrentando um "alarmante declínio dos direitos humanos", incluindo suposta "censura generalizada" e "perseguição política contra a oposição", conforme mencionado por Mills.

Rubio invocou a aplicação da Lei Global Magnitsky, que permite aos EUA sancionar estrangeiros acusados de corrupção ou graves violações de direitos humanos. As punições poderiam incluir o bloqueio de bens e a proibição de entrada nos EUA. Obviamente, eventuais sanções impostas por potências estrangeiras, de forma unilateral e sem levar em conta o ordenamento jurídico internacional, do qual o Brasil faz parte constitucionalmente, colocam, sim, em risco a nossa soberania e a relação entre os Poderes da República. Seriam uma agressão à democracia.

A declaração de Rubio foi celebrada por aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro, incluindo seu filho Eduardo Bolsonaro, que tem buscado apoio nos EUA para pressionar o STF e defender seu pai, atualmente réu por tentativa de golpe de Estado. Eduardo Bolsonaro tem se reunido com parlamentares republicanos em Washington, como Cory Mills, para angariar apoio para sanções contra Moraes. O governo brasileiro e o STF reagiram à declaração de Rubio, considerando-a uma possível interferência externa em assuntos internos do país.

Movido por interesses políticos, Rubio age afetando a legitimidade das instituições democráticas e o próprio princípio da autodeterminação. O sistema internacional prevê sanções por graves violações de direitos humanos ou crimes internacionais. Mas quando a motivação é ideológica ou política, sem respaldo em decisões multilaterais ou no devido processo, abre-se um precedente perigoso. Seria a volta da política de "big stick" dos piores momentos da história da relação dos Estados Unidos com os demais países das Américas.

Portanto, o Congresso Nacional, o Itamaraty, o STF e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) têm toda legitimidade para repelir esse tipo de ingerência estrangeira na vida nacional. A defesa das prerrogativas constitucionais, da independência do Judiciário e do respeito à ordem democrática interna faz parte do ethos nacional — ou seja, do nosso caráter moral e social. Isso não significa isentar de críticas legítimas às decisões ou à conduta de magistrados brasileiros, dentro do nosso marco jurídico.

As críticas, mesmo quando legítimas, o que não é o caso, perdem legitimidade quando amparadas por ameaça ou imposição de Estados estrangeiros.

O erro se repete no debate sobre equilíbrio fiscal

O Povo (CE)

O governo deveria fazer uma boa discussão antes de tornar públicas as propostas de ajuste fiscal para evitar barbeiragens técnicas e políticas

Os ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Planejamento) anunciaram na quinta-feira um pacote de congelamento de gastos de R$ 31,3 bilhões no Orçamento de 2025, corte acima do esperado pelo sistema financeiro.

O que poderia ser bem-visto pelo mercado, como demonstrativo do compromisso do Palácio do Planalto com o equilíbrio fiscal, reverteu-se rapidamente em críticas, devido à proposição de aumentar o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), atingindo o câmbio, crédito, seguro e investimentos.

A reação negativa foi tão forte que o governo recuou poucas horas depois do anúncio, revendo os pontos mais polêmicos do decreto. A correção foi publicada em edição extra do Diário Oficial da União, na madrugada de sexta-feira, para acalmar os bancos e investidores, antes da abertura dos mercados. O aumento do IOF impacta também consumidores e empresas, tornando os juros de empréstimos e de cartões de crédito mais caros.

Essa não é a primeira vez que o Palácio do Planalto apresenta medidas destinadas ao corte de gastos, em sinalização de trégua com o mercado, mas que o assunto central — a sustentabilidade das contas públicas — fica ofuscado por polêmicas laterais.

Outras vezes, medidas administrativas, como ajustes no pix, são apresentadas com tamanha incompetência que se tornam desastres com capacidade de abalar a popularidade do governo. A reação foi tão forte à proposição de aumentar o controle sobre bancos digitais, que rapidamente se disseminou a informação, sem fundamento, de que as transferências via pix seriam taxadas.

Em dezembro do ano passado, Haddad anunciou várias medidas de ajuste fiscal, prevendo uma economia de R$ 327 bilhões em cinco anos. A proposta reduzia vários benefícios, como no cálculo do índice de reajuste do salário mínimo, e estabelecia revisão na previdência dos militares e no Benefício de Prestação Continuada (BPC).

No entanto, no mesmo pacote, foi anunciada a isenção do imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil, que nada tinha a ver com o tema, mas que se tornou o centro das discussões. O que era principal, o debate em torno das medidas para garantir o déficit zero, foi secundarizado.

Observe-se que não se discute aqui o mérito das medidas, que podem ser suficientes ou insuficientes para alcançar o objetivo a qual se propõe, ou mesmo se os cortes são justos quanto aos setores que terão de arcar com a redução de verbas.

Porém, não existe dúvida quanto à necessidade de o governo fazer uma boa discussão, antes de tornar públicas as propostas, para que barbeiragens técnicas e políticas sejam evitadas. Esse foi o caso do ajuste de dezembro de 2024 e neste, de agora. Se o erro se repetiu é porque a lição não foi aprendida. Vejamos as próximas.

Governo insiste em mais impostos em vez de cortar gastos

O Globo

Mais uma vez, meta fiscal está em risco — e tentativa de cobrir rombo se dá à custa do contribuinte

Anúncios da equipe econômica vêm e vão, mas dois padrões infelizmente permanecem. Primeiro, as contas públicas seguem desequilibradas, mantendo o endividamento em trajetória insustentável. Segundo, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva continua aumentando impostos para tentar equilibrá-las. No país com uma das maiores cargas tributárias do mundo, busca-se tapar buracos cobrando mais do contribuinte — e nada de cortar gastos ou de, no mínimo, apresentar um programa plausível de controle de despesas.

Na quinta-feira, repetiu-se um roteiro tragicamente recorrente. Primeiro, o governo publicou um decreto aumentando o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) cobrado sobre câmbio (para 3,5%), crédito de empresas (de 0,38% para 0,95%) e seguros (de zero para 5% para aportes mensais superiores a R$ 50 mil em planos VGBL). Inicialmente, estava prevista a imposição de taxa de 3,5% nas remessas de fundos ou investimento no exterior, mas, depois da reação negativa, o governo voltou atrás e manteve a alíquota em 1,1% (para compra em espécie ou depósito em moeda estrangeira, continuam valendo os 3,5%). O recuo deu, mais uma vez, a impressão de despreparo e desorientação da equipe econômica. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou não haver “nenhum problema em corrigir a rota”.

Ora, se Haddad deseja mesmo corrigir a rota, há muito mais a fazer. A projeção da Instituição Fiscal Independente revela crescimento descomunal da dívida pública sob sua gestão — de 71,7% do Produto Interno Bruto (PIB) em dezembro de 2022 para 84% ao fim de 2026, quando acaba o atual mandato presidencial. Depois de prometer déficit zero pelo segundo ano consecutivo, mais uma vez Haddad se viu obrigado a reconhecer que a meta é inviável. A expectativa era um congelamento de gastos da ordem de R$ 10 bilhões no Orçamento de 2025. Quando soube-se que o valor seria de R$ 31,3 bilhões, o impacto imediato foi positivo. “Fizeram uma coisa acertada, já anunciar o ajuste total necessário”, disse ao GLOBO Felipe Salto, economista da gestora Warren Rena. Mas, à medida que ficou evidente que, fora esse montante, mais R$ 20,5 bilhões viriam do aumento do IOF, o pessimismo voltou.

Além de penalizar o setor produtivo e investidores com mais tributos, o governo é tímido na hora de definir objetivos. Com o congelamento anunciado, ficará novamente abaixo do centro da meta fiscal. Em vez do equilíbrio entre despesa e receita, a previsão é déficit de 0,25% do PIB, no limite do permitido pelo capenga arcabouço fiscal criado pelo próprio governo. Mesmo se confirmado o resultado no intervalo de tolerância, o essencial não mudará. “Continuaremos gerando déficits, ainda que modestos, e essa dinâmica não é suficiente para estabilizar a dívida em relação ao PIB”, diz Salto.

É nítida a falta de vontade do governo de encaminhar uma solução adequada para o problema. Não houve nem haverá nova rodada de reforma na Previdência, capaz de diminuir o rombo que só cresce em razão do vínculo dos benefícios aos reajustes reais do salário mínimo. E não houve nem haverá programa de privatização voltado a reduzir o endividamento público. Para Lula, a saída está sempre em taxar ainda mais o setor produtivo e os investidores, sem promover cortes necessários nos gastos. Quem paga a conta é sempre o contribuinte.

Depois de voto de confiança, novo governo sírio precisa proteger minorias

O Globo

Sanções devem voltar se regime não contiver violência contra grupos como alauitas, cristãos ou drusos

O governo interino da Síria recebeu um voto de confiança na terça-feira, quando os chanceleres dos países da União Europeia (UE) concordaram em suspender as sanções econômicas aplicadas ao país desde os tempos da ditadura de Bashar al-Assad, deposta no ano passado. Na semana anterior, Donald Trump anunciara que os Estados Unidos fariam o mesmo. Em viagem à Arábia Saudita, Trump encontrou o presidente interino sírio, Ahmed al-Sharaa, até há pouco conhecido como Abu Mohammed al-Jolani e chefe de um grupo jihadista sunita.

Diante da possibilidade de colapso do país, tanto a UE como os Estados Unidos decidiram dar oxigênio ao novo governo, com a esperança de que observe valores como o respeito às minorias. Dado o histórico de Sharaa, ex-afiliado do Estado Islâmico e da Al-Qaeda, o Ocidente deveria exigir garantias práticas de que alauitas, drusos, curdos, cristãos e outras minorias serão protegidos. Os últimos três meses foram marcados por violência, execuções sumárias e massacres.

Em março, a comunidade alauita, a que pertencia a família Assad, foi alvo das forças de segurança. Fotos e vídeos comprovaram a morte de centenas de civis na região próxima à costa do Mediterrâneo. Acusados de fidelidade ao velho regime, os habitantes sofreram toda sorte de atrocidades. Após uma pausa na segunda metade de março, nova onda de violência ressurgiu no início de abril. Semanas depois, a região drusa passou a ser palco de matanças. Nos últimos 30 dias, quase cem drusos foram mortos. No início de maio, aviões de Israel, que abriga forte minoria drusa, bombardearam áreas perto do palácio presidencial na capital síria. “Não permitiremos que forças sejam enviadas para o sul de Damasco ou qualquer ameaça à comunidade drusa”, afirmou o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu. Radicais islâmicos têm aterrorizado frequentadores de bares cristãos. Uma mulher foi morta recentemente numa boate em Damasco.

Cada nova vítima põe em xeque a promessa de Sharaa de ser um presidente para todos os sírios. Castigada por longa guerra civil e pelas sanções de mais de uma década, a economia síria está em frangalhos. Por isso a explosão de alegria quando Trump anunciou que aliviaria as restrições. As ruas de Damasco foram tomadas por carros ao som de buzinas com bandeiras sírias.

Mas o sonho de prosperidade só terá chance de se materializar com a pacificação do país — e ela ainda é uma incógnita. Além de abandonar seu nome de guerra, Sharaa tomou um banho de loja. Trajes militares deram lugar a terno e gravata. Tudo para reforçar a transformação de combatente em presidente. Para as minorias sírias, o que realmente tem importância é se ele conseguirá unificar os vários grupos rebeldes e fazer com que as forças de segurança do Estado respeitem todos os sírios, independentemente de grupo étnico ou religião. É essencial ele saber que, se não andar na linha, as sanções voltarão.

Mais uma alta de imposto corrói a credibilidade de Lula

Folha de S. Paulo

Anúncio desastrado sobre o IOF tem péssima repercussão e recuo parcial, mas dano está feito com encarecimento do crédito

O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) só toma medidas para conter o rombo das contas públicas sob pressão das circunstâncias. Quando o faz, recorre a remendos que não miram as causas do desequilíbrio orçamentário. Nos piores momentos, improvisos evidentes comprometem a credibilidade da política econômica. Foi o que ocorreu na quinta-feira (22).

Havia algo de correto a ser anunciado, embora por razões nem tão edificantes —um congelamento preventivo de R$ 31,3 bilhões em desembolsos para compensar previsões pouco realistas do Orçamento deste ano e viabilizar o cumprimento das metas já frouxas de controle do déficit.

Ocorre que a economia anunciada era insuficiente diante do descalabro financeiro federal, e o governo decidiu completá-la com mais uma elevação de impostos, desta vez do IOF, em busca de R$ 20,5 bilhões neste ano e R$ 40,1 bilhões em 2026.

Que a administração petista tenha sido obrigada a um recuo parcial em poucas horas é mostra de um incrível alheamento ante as consequências de suas ações.

Majoraram-se as alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras —um tributo de natureza regulatória, não arrecadatória, que por isso pode ser gerido por decreto— para novas concessões de crédito e remessas de recursos para o exterior. Foram também tributados novos aportes acima de R$ 50 mil mensais em planos de previdência (VGBL).

Quanto à cobrança sobre saídas de dinheiro do país, a proposta era aumentar o IOF para 3,5% nas principais modalidades: recursos para investimentos (antes taxados em 1,1%), cartões de crédito e débito (já onerados em 3,38%) e até sobre aplicações de fundos antes isentos.

Não parece ter havido entendimento prévio com o Banco Central, a despeito do óbvio impacto sobre as políticas cambial e monetária. A medida foi considerada, inevitavelmente, como um passo na direção de controle dos fluxos de capitais e provocou imediata reação no mercado.

É bem-vindo que o governo tenha desistido da cobrança sobre remessas de fundos e voltado à alíquota original nos fluxos direcionados para investimentos.

No entanto o dano foi feito ao dar-se a impressão de que houve uma tentativa de restringir a saída de recursos, mesmo que o ministro Fernando Haddad e seus subordinados tenham declarado que não era esse o objetivo. Os movimentos imediatos na taxa de câmbio e nos juros futuros demonstraram o erro crasso.

Também é péssimo o aumento do IOF —um tributo que o país se comprometera a reduzir para se adequar a normas da OCDE— sobre operações de crédito para empresas. Foge ao bom senso mais do que dobrar o custo tributário do financiamento para empresas, já pressionadas pelos juros de 14,75% ao ano.

E isso tudo para manter, quando muito até o início do próximo governo, uma política insustentável de expansão de gastos.

Salgado levou grandes temas a um público amplo

Folha de S. Paulo

Um dos maiores fotógrafos da história, brasileiro retratou a condição humana, preservação ambiental e a causa indígena

Poucos fotógrafos merecem o rótulo de um dos mais importantes da história, e ainda mais raras são as pessoas que discordam de que a definição cabe a Sebastião Salgadobrasileiro morto nesta sexta-feira (23), aos 81 anos.

Profissionais longevos se encontram com certa frequência, mas é incomum encontrar nomes que tenham aliado a extensa trajetória a um alto nível de qualidade durante toda a carreira. "Gênesis", trabalho no qual Salgado documentou povos e lugares quase intocados, foi lançado quando ele já contava 69 anos.

"Gênesis", aliás, espelha características cruciais da obra do brasileiro. Para criá-lo, ele viajou por quase uma década, um período longo concentrado em apenas uma série, como fez muitas outras vezes. Daí vem o amplo volume de imagens que produziu, resultando em livros grandiosos.

Naquela obra já estava consolidada a ideia de abordar temas de relevo da humanidade, como a preservação do ambiente, fruto da mente de um economista de viés social, e a questão indígena, tão cara a ele nos últimos anos.

Entram nessa classificação os clássicos "Terra", "Êxodos", "Outras Américas" e "Serra Pelada", talvez o auge da trajetória de Salgado, ao juntar a crítica social tão marcada em seu trabalho com a dramaticidade impressa em cenas nas quais homens sujos de lama se parecem com formigas na imensidão da mina de ouro.

O preto e branco carregado de suas fotografias o ajudou a atingir um grande público com temas por vezes difíceis de digerir. Tinha a habilidade de fazer o observador se sentir tocado pela força estética dos registros, que em sua maioria retratavam pessoas e, sobretudo, a condição humana.

Alimentava também a idealização do fotógrafo explorador, que vai a locais remotos e traz de lá o que ninguém havia visto.

A longevidade conectada à excelência o fez experimentar novos formatos no final da carreira, como em uma série publicada pela Folha, na amazônia, em que levou um fundo infinito gigante à floresta para fazer retratos de indígenas nos moldes de fotografias de família realizadas dentro de estúdios no século 19.

Vasta, a obra de Salgado ainda abriga fotos históricas que não integram séries pensadas, como na que captou o atentado ao presidente americano Ronald Reagan, em 1981. As imagens que fez da Revolução dos Cravos, exibidas em 2024 em São Paulo, mostram que seu arquivo ainda possui material pouco conhecido.

Salgado conseguiu falar a muitos sobre temas políticos complexos —e ainda os deslumbrou.

Lambanças em série

O Estado de S. Paulo

Trapalhada com o IOF ofusca anúncio de congelamento de despesas que poderia resgatar a credibilidade da equipe econômica e mostra que o governo Lula parece ter um compromisso com o erro

Em um misto de arrogância e amadorismo, a equipe econômica perdeu uma rara oportunidade de capitalizar uma boa notícia a seu favor. Quando ninguém mais esperava que o governo anunciasse medidas à altura do que o País precisaria para cumprir o limite de gastos e a meta fiscal, os ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, surpreenderam a todos ao participar de uma divulgação corriqueira como o Relatório Bimestral de Receitas e Despesas e anunciar um congelamento de gastos de R$ 31,3 bilhões.

Assumir que as projeções de receitas e despesas estavam equivocadas, mais que uma constatação, exigiria a adoção de medidas práticas para conter gastos e aumentar a arrecadação – e tudo isso a pouco mais de um ano das eleições. Era ocasião, portanto, para a equipe econômica renovar a crença em seu trabalho e na defesa da responsabilidade fiscal, abalada desde o fim do ano passado quando medidas para rever gastos foram anunciadas junto com a isenção do Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$ 5 mil mensais.

Cometendo lambanças em série, o governo jogou por terra a chance de resgatar sua credibilidade. Em primeiro lugar, a despeito de ter guardado as informações a sete chaves ao longo da semana, a equipe econômica foi ultrapassada pelo ministro dos Transportes, Renan Filho, que, em um evento em São Paulo, antecipou o tamanho do congelamento de despesas e o anúncio do aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para cumprir a meta fiscal.

Quando a entrevista em Brasília começou, o congelamento de gastos, ainda que bem maior do que os analistas esperavam, já não interessava a mais ninguém. Ainda assim, Haddad insistiu em discorrer sobre o tema e aguardar o fechamento dos mercados para explicar o aumento das alíquotas do IOF, que já causava repercussão imediata no câmbio e na Bolsa por sugerir uma tentativa de controle de capitais.

A trapalhada continuou quando a informação sobre o aumento das alíquotas de IOF sobre operações de câmbio de pessoas físicas e jurídicas, crédito para empresas e previdência privada foi finalmente confirmada, por meio da publicação de uma edição extra do Diário Oficial da União.

O secretário-executivo da Fazenda, Dario Durigan, deu a entender que as medidas haviam sido previamente acertadas com o presidente do Banco Central (BC), Gabriel Galípolo. Nas palavras do secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, e do secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, elas contribuiriam para reforçar a política monetária.

Galípolo, no entanto, fez chegar à imprensa que não concordava com as medidas, enquanto Haddad, por meio de suas redes sociais, negou tê-las negociado com a autoridade monetária. Não parou por aí.

Prevendo a exploração política que a oposição faria de um anúncio de medidas de aumento de impostos que impactam a classe média, Haddad e os ministros Rui Costa, Gleisi Hoffmann e Sidônio Palmeira decidiram rever uma parte delas. Na quinta, às 23h31, por meio de suas redes sociais, a Fazenda recuou da taxação dos fundos, e na sexta, por volta das 8h30, Haddad disse que não pretendia inibir investimentos no exterior.

Certamente haverá quem elogie a rapidez da Fazenda em corrigir o erro no mesmo dia em que o cometeu. Isso não deve redimir o governo por tamanho equívoco, nem anula as demais medidas arrecadatórias, que tornarão Haddad novamente alvo das mais que prováveis piadas com o apelido de “Taxad”.

Mas há que questionar como ninguém foi capaz de prever o estrago que a medida causaria, o que sugere que o governo Lula da Silva nada aprendeu com os malfadados episódios da isenção do IR para pessoas físicas e da taxação do Pix.

A repetição do erro indica, na melhor das hipóteses, certa ingenuidade, e, na pior, a prepotência de quem tem a convicção de estar com a razão. Qualquer que seja o caso, é a consequência de centralizar a tomada de decisões em uma equipe que parece cada vez mais fechada em si mesma.

Manter ou reverter as medidas é um prato cheio para a oposição se refestelar. Bastava não ser tão amador e avaliar a pertinência de lançá-las antes de causar mais uma crise.

Passaportes para o inimigo

O Estado de S. Paulo

A operação russa expõe fissuras na segurança brasileira que favorecem não só a espionagem, mas o terrorismo e o narcotráfico, além de evidenciar o custo do alinhamento de Lula a Putin

A revelação feita pelo jornal The New York Times de que a Rússia transformou o Brasil em uma linha de montagem para espiões deve servir de alerta às autoridades e à sociedade. Mais do que um embaraço internacional, trata-se de um sintoma de vulnerabilidades sistêmicas que podem comprometer a segurança nacional e projetar o Brasil como peça auxiliar na engrenagem de regimes autoritários hostis ao mundo livre.

O Brasil não figura no centro das disputas geopolíticas globais. Mas essa posição periférica, aliada à fragilidade institucional, faz dele um alvo preferencial para ser usado – e abusado – por potências que operam na lógica dos conflitos assimétricos, empregando uma combinação de desinformação, sabotagem, ciberataques, redes clandestinas e agentes infiltrados. A guerra híbrida é, como define o Kremlin, um esforço estratégico para alterar a orientação geopolítica de Estados-alvo, utilizando todos os meios, inclusive os convencionais, sob coordenação de campanhas de influência. Moscou aplica essa doutrina com precisão: da ocupação da Crimeia à sabotagem digital em democracias ocidentais, do uso de mercenários na África ao financiamento de extremistas na Europa.

Tudo indica que o Brasil se tornou um entreposto funcional desse tabuleiro. Não tanto para ser espionado, mas para falsificar identidades e viabilizar a infiltração de agentes em outras bases muito mais estratégicas na dinâmica geopolítica global. Nossa burocracia leniente, com cartórios vulneráveis, bases de dados desagregadas e controles frouxos – sem falar na suscetibilidade para a corrupção –, permite que espiões estrangeiros obtenham documentos legítimos e construam vidas fictícias aptas a burlar sistemas de segurança na Europa e nos EUA.

Outro fator de risco é nossa própria virtude: a diversidade étnica. A miscigenação, que, em que pese a opinião contrária de ideólogos armados de teorias fabricadas em universidades norte-americanas, forma o orgulho da Nação, facilita, paradoxalmente, a dissimulação de espiões. Um agente com traços eslavos e nome genérico pode passar tranquilamente por um cidadão de Santa Catarina ou do Paraná. O risco é ainda maior à luz da escalada do crime organizado. As facções têm estendido seus tentáculos ao exterior, operando como máfias transnacionais e, em algumas regiões, substituindo o Estado.

Esses fatores – vulnerabilidade burocrática e diversidade étnica – oferecem uma infraestrutura involuntária para operações clandestinas que não se limitam à espionagem. Também servem ao narcotráfico, ao terrorismo e a outras modalidades de crime transnacional – como ilustram as investigações sobre atuação do Hezbollah na tríplice fronteira. Passa da hora de o Brasil investir em inteligência, interoperabilidade entre sistemas, mecanismos antifraude e contraespionagem. A emissão de documentos de identidade precisa ser blindada com padrões internacionais de segurança – biometria integrada, certificação digital, validação cruzada entre instituições. O País não pode continuar entregando passaportes ao inimigo.

O Itamaraty foi prudente ao decidir aguardar a conclusão das investigações da Polícia Federal antes de se pronunciar. Mas, a se confirmar o teor da reportagem, a resposta deve ser firme. O Brasil não pode se prestar a esse papel humilhante sem consequências.

O cenário adquire contornos mais preocupantes quando se lembra que, há poucos dias, o presidente Lula da Silva prestigiava a celebração imperialista de Vladimir Putin na Praça Vermelha. Ao invés de defender a paz, o petista bajulou um autocrata belicista; em vez de reforçar as instituições multilaterais, alinhou-se aos que as sabotam. Lula não pode ignorar, sem consequências, que seus “companheiros” de Moscou, Teerã ou Caracas usam o Brasil como trampolim para ameaçar democracias.

As instituições de Estado devem agir com independência, rigor e profissionalismo. As vulnerabilidades do Brasil não podem continuar a ser negligenciadas – nem exploradas por potências hostis, nem ignoradas por lideranças políticas cegas por nostalgia ideológica. Que o episódio sirva como um ponto de inflexão. A segurança de uma democracia começa por suas fronteiras – inclusive as digitais, documentais e morais.

Uma brasileira ‘Nobel’ de agricultura

O Estado de S. Paulo

Láurea reafirma o papel estratégico da Embrapa no desenvolvimento sustentável do País

A pesquisadora brasileira Mariangela Hungria da Cunha acaba de ser anunciada a vencedora do World Food Prize 2025, considerado o “Nobel” de agricultura e alimentação. A premiação consagra os mais de 40 anos de dedicação da pesquisadora da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) à produção de conhecimento para potencializar a produção agrícola do País.

A láurea foi criada pelo norte-americano Norman Borlaug, agrônomo vencedor do Nobel da Paz em 1970 por seu empenho no combate à fome. Como não existe um Prêmio Nobel na categoria agricultura e alimentação, é o World Food Prize que enaltece os cientistas que, com seus achados, contribuem para aumentar a quantidade, a qualidade ou o acesso a alimentos no mundo.

Engenheira agrônoma com mestrado e doutorado em pesquisas sobre a fixação biológica do nitrogênio, a pesquisadora da Embrapa Soja, que vive em Londrina (PR), ajudou a revolucionar a agricultura nacional. Nos últimos 40 anos, seus estudos resultaram em técnicas de aplicação de insumos biológicos em grandes plantações, antes reconhecidos como eficientes apenas em pequenas áreas.

Ao Estadão, a dra. Mariangela explicou que seu trabalho consiste em selecionar microrganismos e fazê-los “mais eficientes” com o objetivo de reduzir o uso de fertilizantes químicos. É por isso que o Brasil é o país com a maior taxa de inoculação do mundo na produção de soja, que também é o nosso principal grão exportado. Nada menos do que 85% da soja brasileira é cultivada com insumos biológicos. Para se ter uma ideia, se o Brasil tivesse usado fertilizante nitrogenado na última safra, os gastos teriam sido da ordem de US$ 25 bilhões.

Como se vê, a ciência aprimorou o plantio da soja, que ficou mais produtivo e menos custoso aos produtores – o que, por óbvio, tornou o grão brasileiro mais competitivo. Ao mesmo tempo, ajudou a proteger o meio ambiente. Por usar muito mais fertilizantes biológicos do que químicos, o Brasil deixou de emitir, na última safra, 230 milhões de toneladas de gás carbônico. Isso é mais um elemento de prova de que o País sabe produzir de forma sustentável.

Mas o sucesso da pesquisadora não se resume à soja. Mariangela Hungria da Cunha também liderou pesquisas que desenvolveram novas tecnologias para as culturas de feijão, milho, trigo e pastagens. É por toda essa dedicação à ciência, malgrado ao longo da carreira ter enfrentado dificuldades por atuar “num país onde o financiamento para pesquisa é muito irregular”, que, em outubro, a brasileira irá aos Estados Unidos para receber o prêmio.

Esse feito só foi possível porque o Brasil passou a investir pesado em pesquisa científica agropecuária há décadas. Por isso, o World Food Prize é também a coroação da longa trajetória de excelência da Embrapa na produção de conhecimento que culminou em técnicas sofisticadas para a agropecuária em seus diversos ramos.

Não menos importante, esse prêmio é também o reconhecimento da importância dos pequenos, médios e grandes produtores para o desenvolvimento econômico e social do País. Trata-se de honrosa conquista para uma mulher, para a ciência e para a agropecuária do Brasil.

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