Regras para praias devem respeitar o bom senso
O Globo
Elas são o espaço mais democrático do país —
e, como toda democracia, precisam de normas para funcionar
Costuma-se dizer que as praias são o espaço
mais democrático do país. E com razão. Qualquer um, independentemente de
posição social ou aparência, pode chegar e ocupar seu lugar ao sol. Não tem de
mostrar identidade, CPF ou carteira de vacinação. Tampouco pagar ingresso — é
verdade que, dependendo do local, o banhista será compelido a alugar cadeira,
guarda-sol e a consumir os produtos do ambulante “dono” do pedaço. Mas a areia
é vasta. É justamente por ser o lugar de todos que regras mínimas de convivência
se impõem. Ou o lazer se transforma em pandemônio.
A música a todo volume na caixa de som pode agradar ao dono do aparelho — mas desagrada a outros tantos, que preferem o barulho do mar à playlist de gosto incerto. O esporte à beira d’água é diversão para a confraria, mas incomoda quem não quer levar boladas. O churrasquinho do ambulante mata a fome, mas precisa ser fiscalizado para não causar danos à saúde. Em calçadões e ciclovias, o frenético vaivém de banhistas, corredores, skatistas, ciclistas, bicicletas elétricas e patinetes se traduz não apenas em desordem, mas também em risco de acidentes.
Disciplinar esse universo heterogêneo tem
sido um desafio. No Rio, um decreto do prefeito Eduardo Paes (PSD)
com normas para a orla marítima tem causado rebuliço. Entre outros pontos,
proíbe música ambiente ou ao vivo nos quiosques, bandeiras e nomes nas barracas
(elas passariam a ser identificadas apenas por números), venda de bebidas em
recipientes de vidro e patinetes elétricas no calçadão.
O decreto só deverá vigorar a partir do
próximo dia 31, mas já virou alvo. O Instituto Brasileiro de Cidadania (Ibraci)
entrou na Justiça com ação civil pública pedindo a suspensão dos trechos que
vetam música nos quiosques, sob alegação de que a medida restringe o livre
exercício da atividade econômica. Na Câmara Municipal, onde tramita um Projeto
de Lei sobre o tema, o Estatuto da Orla, vereadores disseram que o texto contém
exageros e se mostraram dispostos a fazer mudanças.
A controvérsia no Rio segue o roteiro de
outras cidades. Em Salvador, as regras para a faixa de areia desagradaram aos
ambulantes, que protestaram retirando guarda-sóis e cadeiras da praia do Porto
da Barra. O protesto surtiu efeito contrário: os banhistas elogiaram as areias
desimpedidas. Em Vitória, a
determinação para que quiosques retirassem mesas, cadeiras e deques das praias
de Camburi e Curva da Jurema fez fechar o tempo com os comerciantes. No Guarujá (SP),
a fiscalização contra som alto na areia (com apreensão e multa) tem causado
tensão. Em Itacaré
(BA), a proibição de caixas de som, garrafas de vidro, piqueniques e
churrascos dividiu opiniões.
É obrigação das prefeituras disciplinar o
espaço público. As praias são lugares de grande afluxo, que atraem todo tipo de
comércio. Não há como não impor normas. Comida na praia é também questão de
saúde, botijões de gás envolvem riscos de acidentes, e as inúmeras atividades
na areia precisam conviver em harmonia com os banhistas. Não menos importante,
a falta de padronização e a poluição visual devem ser combatidas, uma vez que
as praias são também destinos turísticos. Como é impossível agradar a todos, sempre
haverá controvérsia. Mas ela não deve impedir o ordenamento das praias, desde
que haja bom senso. Como toda democracia, a areia também precisa ter regras
para funcionar.
Prêmio comprova relevância de ciência e
tecnologia para o desenvolvimento
O Globo
Pesquisas da cientista Mariangela Hungria
resultaram em economia de insumos e maior produtividade
A concessão do Prêmio Mundial de Alimentação
(World Food Prize), uma espécie de “Nobel da agropecuária”, à cientista
Mariangela Hungria, da Embrapa, é um reconhecimento à revolução protagonizada
pela agricultura brasileira nas últimas décadas, com base em pesquisa e
conhecimento científico. Ela recebeu o prêmio por trabalhos que isolaram
microrganismos encontrados no solo para convertê-los em agentes que capturam
nitrogênio no ar e fornecem nutrientes às plantações, reduzindo a necessidade
de fertilizantes químicos. Com isso, foi possível elevar a produtividade usando
mais produtos biológicos. Calcula-se que, só em 2023, o resultado de sua
pesquisa tenha gerado economia de R$ 25 bilhões na agricultura e evitado a
emissão de 230 milhões de toneladas de gás carbônico na atmosfera.
Mariangela seguiu uma trajetória comum a
vários pesquisadores de ponta da área agrícola no Brasil. Formou-se na Escola
Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da USP. Depois de doutorar-se
na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), passou pelas
universidades americanas Cornell e da Califórnia e pela universidade de
Sevilha, na Espanha. Consolidou suas pesquisas na Embrapa, centro fundamental
para o desenvolvimento da agropecuária brasileira.
Em 2006, outro pesquisador da Embrapa, Edson
Lobato, recebera o mesmo prêmio, pelo desenvolvimento de técnicas de adubo para
corrigir características negativas do solo árido do Cerrado. Também foram
premiados o ex-ministro da Agricultura Alysson Paolinelli, responsável pela
criação da Embrapa, e o pesquisador americano Andrew Colin McClung, que nos
anos 1950 vinculou a baixa produtividade do Cerrado à acidez e à toxicidade do
solo, propondo o uso de calcário para neutralizar esses fatores. Tal descoberta
abriu caminho às pesquisas de Lobato, e o Cerrado foi convertido em região de
produção de grãos em larga escala.
Os avanços científicos e tecnológicos
começaram a produzir efeitos crescentes. Em contraste com a indústria, a
agricultura se tornou a atividade mais avançada da economia brasileira. A
partir dos anos 2000, a produtividade do campo começou a crescer acima da taxa
alcançada pelos principais produtores mundiais de alimentos — 3,2% ao ano entre
2000 e 2019, ante 1,7% no resto do mundo, segundo estudo do Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). De 1975 a 2020, a produtividade agrícola
deu um salto de 400%. No período de 1995 e 2017, a contribuição da ciência e
tecnologia para o valor bruto da produção passou de 50% para pouco mais de 60%,
enquanto o peso da força de trabalho caiu de 31% para menos de 20% (a terra
ficou estável, em 20%).
O Brasil, país que há 50 anos comprava mais
alimentos do que vendia ao exterior, se tornou um dos maiores exportadores
mundiais. O recado do prêmio para Mariangela aos demais setores da economia é
cristalino: sem conhecimento científico e pesquisa tecnológica, não se avança.
Governo Lula não tem política ambiental clara
Folha de S. Paulo
Aprovação no Senado de projeto que
flexibiliza licenciamento mostra Marina isolada, enquanto Planalto não se
manifestou
A
aprovação do projeto de lei 2.159 de 2021, por ampla maioria do Senado,
evidenciou a falta de unidade do governo Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) na temática
ambiental.
Por se tratar de área na qual o Brasil busca
posicionar-se como referência global, dada a extensão de seus biomas e a
variedade de manejos nos quais detém expertise, a inconsistência programática é
preocupante. Já na segunda metade do mandato e às vésperas da COP30 em Belém, Lula ainda
não deixou clara a sua política para o ambiente.
O projeto, que volta para a Câmara
dos Deputados, promove um reordenamento do licenciamento ambiental. De
fato, o sistema de outorga de autorizações para empreendimentos que afetem
ecossistemas precisa ser atualizado, principalmente em busca de simplificação e
flexibilidade para impulsionar o desenvolvimento sustentável.
Mas salta aos olhos o peso no texto de
demandas políticas, inclusive paroquiais, na organização de uma área que
deveria se basear sobretudo na técnica.
Tome-se o caso da Licença Ambiental Especial
(LAE) proposta pelo presidente do Senado, Davi
Alcolumbre (União Brasil-AP),
no mesmo dia da votação.
O dispositivo facilita a concessão de
autorização a empreendimentos que sejam considerados estratégicos pelo Conselho
de Governo, ligado à Presidência, ainda que façam uso de recurso natural
"potencialmente causador de significativa degradação do meio ambiente".
Tal Conselho, recrutado no primeiro escalão,
já consta da lei que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente, em 1981, e
tem a função de assessorar o Planalto. Com a emenda, expande-se sua função, que
passa a incluir "propor obras, serviços, projetos ou atividades para a
lista de empreendimentos estratégicos".
A
motivação de Alcolumbre é notória: exercer pressão para acelerar o
andamento da exploração de petróleo na
Foz do Amazonas, que se localiza em seu estado. A empreitada sofre oposição
de Marina
Silva, ministra do Meio Ambiente, que já se desentendeu com administrações
petistas no passado. Já
Lula e outras alas de sua gestão o apoiam.
A mesma divisão se viu no projeto que
flexibiliza o licenciamento ambiental, aprovado por acachapantes 54 votos a 13
no Senado. O PT até orientou sua bancada a votar contra o diploma, mas o
governo não tomou posição. Legendas ao centro e à direita abrigadas na
Esplanada dos Ministérios, casos de MDB, PSD, União
Brasil, PP e Republicanos,
deram votos para a proposta.
Em parte, o cenário reflete a decantada
fragilidade da coalizão de apoio a Lula, baseada em interesses fisiológicos,
não em repartição efetiva de poder. Mas, na parte mais temerária, reflete
também a indefinição da política ambiental —que, embora se apoie na imagem de
Marina, não endossa seus posicionamentos nem mesmo se mostra capaz de negociar
meios-termos.
A censura do Judiciário à divulgação de seus
privilégios
Folha de S. Paulo
Justiça do RS impõe indenização descabida a
um veículo e uma jornalista; custo exorbitante do Poder precisa ser debatido
Servidores do Estado, incluindo integrantes
do Poder Judiciário, são custeados por recursos públicos e estão sujeitos a
críticas e questionamentos a respeito de seu trabalho e sua remuneração, desde
que baseados em informações corretas. Esse entendimento singelo parece escapar
a tribunais do país.
Por uma publicação de julho de 2023 que
divulgava valores pagos em abril daquele ano no Tribunal de Justiça do Estado
do Rio Grande do Sul (TJ-RS), o jornal Zero Hora e a colunista de política do
veículo Rosane de Oliveira foram condenados
a pagar a indenização de R$ 600 mil à desembargadora Iris Helena
Medeiros Nogueira, então presidente da corte.
Nogueira recebeu à época o rendimento líquido
de R$ 662.389,16, valor que inclui pagamentos de natureza indenizatória —os
infames penduricalhos, por meio dos quais magistrados e outros
profissionais da elite do funcionalismo driblam o teto salarial dos servidores,
hoje de generosos R$ 46,4 mil mensais.
O valor exorbitante da indenização imposta
representa evidente tentativa de desestimular o trabalho da imprensa na
fiscalização do poder público, essencial para a democracia.
Na decisão da Justiça estadual, afirma-se que
a reportagem criou um "narrativa enviesada e sensacionalista que associava
a autora [a desembargadora] à figura de suposto privilégio imoral ou
injustificado, fomentando a incompreensão do público leigo". Note-se que
não se mencionam informações erradas no argumento.
Juízes não compõem uma casta isenta de
escrutínio. A sociedade tem o direito de tomar conhecimento dos valores que
destina ao custeio do Judiciário por meio de impostos, de modo a cotejá-los com
o serviço que recebe em troca. Comparações internacionais mostram que o custo
do sistema de Justiça no Brasil não tem paralelo entre as principais economias
ricas e emergentes.
A despesa com tribunais aqui chega
a 1,33% do Produto Interno Bruto, ante uma média de 0,3% do PIB entre 50
países examinados em análise do Tesouro Nacional. A disparidade evidencia
salários incompatíveis com a realidade brasileira, dado que cerca de 80% do
gasto do Judiciário é destinado a pagamento de pessoal.
Magistrados têm obviamente o direito de
reivindicar a remuneração que lhes pareça adequada —embora não o de
desrespeitar de modo sorrateiro o limite ora fixado na legislação.
Inadmissível, sem dúvida, é que usem seu poder para intimidar veículos de comunicação
e profissionais que apenas exercem seu papel de informar com dados públicos.
Uma casta acima da lei
O Estado de S. Paulo
A condenação de uma jornalista por divulgar
dados públicos mostra que a toga virou escudo. E o Judiciário, uma corporação
que intimida críticos e se protege sob o manto da honra ofendida
A condenação da jornalista Rosane Oliveira e
do jornal Zero Hora pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
(TJ-RS) a pagar R$ 600 mil por divulgar a remuneração de uma desembargadora é
mais do que um erro judicial: é uma violência contra a democracia liberal. A
sentença não só ignora o direito fundamental de acesso à informação, como
representa um ataque frontal à liberdade de imprensa – um dos pilares de
qualquer sociedade aberta.
A desembargadora Iris Medeiros Nogueira,
quando presidente do TJ-RS, teve vencimentos de R$ 662 mil em um único mês –
quase 15 vezes o teto constitucional – reportados com base em dados do Portal
da Transparência. A própria sentença reconhece que os dados publicados eram
“públicos e verídicos”, mas condena a jornalista por uma suposta “linguagem
sarcástica” e “abalo à imagem” da magistrada. Trata-se de uma decisão que pune
não o erro, mas a irreverência; não a calúnia, mas o incômodo causado a uma
casta acostumada a não ser contrariada. É autoritarismo em sua forma mais
pérfida, sob o disfarce de tutela da honra.
O episódio é só um sintoma da arbitrariedade
crescente de um Judiciário que se comporta como casta extrativista: uma elite
blindada por prerrogativas autoatribuídas que subverte instrumentos do Estado
para preservar seus privilégios e amordaçar seus críticos.
Os juízes brasileiros institucionalizaram a
violação ao teto salarial constitucional. Subterfúgios como a “venda” de férias
(de 60 dias), auxílios não remuneratórios e licenças especiais são empregados
para fabricar, manter e ampliar privilégios. Segundo levantamento da
Transparência Brasil feito com 18 dos 27 tribunais do País, todos receberam em
2023 salários médios brutos acima do teto constitucional: 69% ultrapassaram
entre R$ 100 mil e R$ 499 mil, e 15% em mais de R$ 500 mil.
A lógica corporativista é reforçada por
mecanismos de autoproteção. Juízes delinquentes frequentemente recebem como
“punição” a aposentadoria com vencimentos integrais. O assédio judicial à
imprensa também se tornou rotineiro: jornalistas vêm sendo alvos de processos
milionários por expor abusos de poder, numa manobra que visa a silenciar o
jornalismo investigativo por intimidação financeira. Editoras, colunistas e até
humoristas são arrastados aos tribunais por criticarem decisões judiciais ou
reportarem fatos incômodos a membros da magistratura.
A metástase chega até a cabeça. O Supremo
Tribunal Federal (STF) também tem dado mostras de intolerância à crítica
pública. Desde 2019, o STF ordenou buscas e apreensões contra jornalistas e
influenciadores sem participação formal do Ministério Público, no âmbito do
chamado “inquérito das fake news”, conduzido de ofício pela Corte, numa
perversão processual inédita. Em 2021, o Tribunal confirmou uma indenização
imposta ao jornalista Rubens Valente por publicar um livro-reportagem sobre
Gilmar Mendes – apesar de o conteúdo ser factual, sem ataques pessoais e
baseado em dados públicos. Também foi o STF que, em 2019, determinou a retirada
do ar de uma reportagem da revista Crusoé sobre o ministro Dias
Toffoli, num dos episódios mais vergonhosos de censura judicial da Nova
República. É esse o Poder que quer regular as redes sociais?
Essa simbiose entre privilégio e
autoritarismo corrói o Estado Democrático de Direito. Quando a magistratura
abandona sua função contramajoritária equilibrada e se converte em corporação
blindada, não há mais freios nem contrapesos reais. A corrupção discutida aqui
não é a do dinheiro em envelopes – é a corrupção institucional, a desfiguração
das funções constitucionais do Judiciário, tornando-o instrumento de acúmulo
patrimonial, interferência política e repressão contra quem ousa revelar seus
erros à sociedade.
É constrangedor para este jornal repetir o
óbvio: não há democracia sem imprensa livre. E não há imprensa livre onde
jornalistas são condenados por dizer a verdade. O Judiciário brasileiro, ao
agir como senhor feudal da informação e inimigo da crítica, trai seu papel
constitucional e ameaça a própria República que deveria proteger. Um poder sem
limites, mesmo vestido da mais fina toga, se torna tirania.
Licenciamento ambiental deve servir ao País
O Estado de S. Paulo
Morosidade tem sido a marca dos processos de
concessão de licenças, fruto de uma legislação que provoca mais frustração que
ordenamento e emperra investimentos cruciais ao Brasil
A aprovação acachapante da nova lei de
licenciamento ambiental no Senado (54 votos a 13) e o apoio de quatro
ministérios de Lula da Silva ao novo marco legal dizem muito sobre a confusão
criada nas últimas décadas entre o rigor na proteção do meio ambiente e o
entrave descabido ao desenvolvimento do País.
De forma geral, morosidade tem sido a marca
do processo de concessão de licenças ambientais, fruto de uma burocracia
notabilizada pela sobreposição de instâncias decisórias, normas e exigências de
toda sorte. Diante de uma legislação que por vezes provoca mais frustração do
que ordenamento, era natural a discussão de mudanças. Foi o que fez o Senado e,
espera-se, o fará a Câmara, inclusive aprimorando o texto aprovado e eliminando
eventuais “jabutis”.
O projeto da nova lei de licenciamento
ambiental tramita há mais de duas décadas no Congresso, o que significa que há
muito passou do estágio do amadurecimento de ideias para o da procrastinação. O
inconveniente que vem sendo apontado por ambientalistas, qual seja, o de estar
sendo desengavetado agora, a poucos meses da Conferência do Clima (COP-30) no
Brasil, turva sua importância vital para o País. Não se trata de produzir uma
imagem mais ou menos “ecológica” do Brasil pensando no evento, mas sim de decidir
racionalmente o caminho para um modelo de desenvolvimento que alie
sustentabilidade ambiental e racionalidade jurídico-administrativa.
Não por acaso, como destacou o Estadão,
os Ministérios da Agricultura, das Cidades, dos Transportes e de Portos e
Aeroportos declararam apoio à mudança na lei. Afinal, são as pastas mais
ligadas a projetos de infraestrutura cuja concretização se arrasta por anos em
razão dos excessos burocráticos e, muitas vezes, da lentidão dos processos para
concessão de licenças ambientais. Atuar como facilitador para quem empreende
não requer do Estado a renúncia à justa competência de fiscalizar, controlar e
garantir a correção de critérios ambientais, além de punir com firmeza as
infrações. Mas é dever desse mesmo Estado distinguir o tratamento dado a
infratores e investidores.
O desmatamento é um dos maiores problemas
ambientais do Brasil, se não o maior. E o mais recente relatório do MapBiomas
voltou a apontar a agropecuária como seu principal vetor de pressão, com mais
de 97% da perda da vegetação nativa entre 2019 e 2024. O mesmo relatório,
porém, atesta que em apenas 0,8% dos imóveis rurais houve desmatamento em 2024,
embora tenham respondido por 81,4% dos alertas. Resta comprovado, portanto, que
a esmagadora maioria dos produtores rurais não viola as regras de preservação,
o que impõe a mudança do foco do combate ao desmate para as atividades
criminosas, como a grilagem, o garimpo ilegal, o comércio irregular de madeira
e as invasões de propriedade.
Não é de hoje que os dados do MapBiomas
confirmam que a ampla maioria dos produtores regularizados – ou seja, com
registro no Cadastro Ambiental Rural – não desmata. Com investimentos pesados
em aprimoramento tecnológico, eles vêm elevando a produtividade praticamente
sem ampliar a área de cultivo. “São parceiros da conservação, e o meio ambiente
equilibrado é importante para a produtividade agrícola”, já advertia o
coordenador técnico do MapBiomas, Marcos Rosa, em 2021. Há uma minoria que
desmata muito e é para esse grupo que os órgãos de controle devem apontar suas
baterias.
O objetivo da nova lei é eliminar o caos
burocrático estabelecido por um sistema que, como escreveu uma das relatoras do
projeto, a senadora Tereza Cristina (PP-MS), “hoje funciona, muitas vezes, na
base da improvisação”.
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva,
classifica o novo marco legal como “um retrocesso”, alegando que a mudança
poderá criar competição semelhante à guerra fiscal da década de 1990, quando
Estados disputavam investimentos. Para este jornal, o efeito tende a ser
diferente. Uma legislação mais eficiente e moderna pode reforçar o combate a
práticas predatórias sem abdicar dos investimentos de que o Brasil precisa para
elevar sua produtividade e competitividade internacional.
Emboscada na Casa Branca
O Estado de S. Paulo
Salão Oval virou palco de um bizarro
espetáculo para constranger líderes estrangeiros
O Salão Oval da Casa Branca, gabinete de
trabalho dos presidentes dos EUA, sempre foi visto com um misto de admiração e
respeito por sua força simbólica, qual seja, ser o centro decisório do Poder
Executivo da maior e mais poderosa democracia do mundo. Outrora um espaço onde
dignitários estrangeiros trocavam gentilezas e posavam cordialmente para fotos,
o Salão Oval foi transformado por Donald Trump em palco de um bizarro
espetáculo cujo objetivo, ao que parece, é humilhar as mais altas autoridades
de outros países – inclusive aliados dos EUA.
A presa mais recente da arapuca montada por
Trump foi o presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, que foi a Washington
tentar melhorar as relações diplomáticas e comerciais entre seu país e os EUA.
Mas, minutos após reunir-se com Trump ali, Ramaphosa foi submetido a um
constrangimento até maior do que aquele vivenciado pelo presidente da Ucrânia,
Volodmir Zelenski, em fevereiro, no mesmo espaço.
Enquanto o desentendimento entre Trump e
Zelenski pareceu ocorrer de forma espontânea e não produzida – na ocasião, o
ucraniano demonstrou irritação por ser tratado como um “ingrato” que deveria
aceitar a invasão russa se quisesse contar com a ajuda dos EUA –, a humilhação
de Ramaphosa foi, como bem classificou a mídia americana, uma “emboscada”.
Com as luzes do Salão Oval apagadas, Trump
exibiu vídeos desconhecidos por seu convidado para “provar” que fazendeiros
brancos sul-africanos são vítimas de um “genocídio” no país de maioria negra
que, por décadas, foi o centro de um dos regimes de segregação mais excludentes
do mundo, no qual só a minoria branca tinha direitos. Ramaphosa até tentou
argumentar, mas Trump, bem ao seu estilo, seguiu com afirmações desonestas após
a exibição dos vídeos. A acusação de “genocídio” de fazendeiros brancos na África
do Sul é propagada por Elon Musk, o bilionário aliado de Trump que nasceu no
país africano.
É verdade que Trump também foi inconveniente
ao receber Mark Carney, primeiro-ministro do Canadá, no Salão Oval. Quando
Carney afirmou que “alguns lugares nunca estão à venda” para se contrapor à
ideia de Trump de transformar o Canadá no 51.º Estado dos EUA, o republicano
rebateu com um “nunca diga nunca”. Mas, como comprovam Zelenski e, agora,
Ramaphosa, Trump é especialmente indelicado com nações menos poderosas, como a
Ucrânia e a África do Sul.
Trump não apenas tem adotado ações concretas
para desestabilizar o mundo, como também tem dilapidado o capital simbólico dos
EUA, um ativo que, ao contrário do que podem pensar alguns, tem enorme valor.
Protocolos existem porque são necessários. Observá-los não só representa
respeito ao trabalho das várias pessoas envolvidas para colocá-los em prática,
como também sinaliza o exercício de poder de modo racional.
Ao converter o Salão Oval em cenário de reality show no qual o participante só tem a perder, Trump fará autoridades de outros países pensarem duas vezes antes de pisar ali. Para piorar, o republicano sabota uma ferramenta de entendimento consagrada pela diplomacia há séculos e ainda fomenta o ressentimento dos humilhados. Quem apanha jamais esquece.
A eterna imagem de Sebastião Salgado
Correio Braziliense
Sebastião Salgado usa a fotografia para
revelar injustiças sociais e a beleza da natureza, deixando um legado ambiental
O fotógrafo Sebastião Salgado faz parte da
galeria de brasileiros que, graças ao talento extraordinário e à dedicação
profissional exemplar, transcendeu as fronteiras do país e encantou a
humanidade com a força de seu ofício. Ao longo de mais de 50 anos, o mineiro de
Aimorés retratou como poucos a realidade do mundo — por vezes, deslumbrante;
outras vezes, estarrecedora. Sem nenhum exagero, Salgado se junta a Pelé,
Ayrton Senna, Oscar Niemeyer, Tom Jobim e outros cuja genialidade ultrapassa a
barreira do idioma e é capaz de deslumbrar qualquer habitante do planeta.
No caso de Salgado, as fotografias em preto e
branco serviram, por décadas, como eloquente discurso para denunciar as
injustiças sociais presentes em diversas partes do globo. Assim como
Cartier-Bresson, Robert Capa e outros mestres, as imagens captadas pelas lentes
desse brasileiro reforçam o ditado popular: valem mais do que mil palavras.
Como fotojornalista, Salgado é autor de
flagrantes históricos, como o atentado ao presidente dos Estados Unidos, Ronald
Reagan, em 1981. Mas a exímia habilidade em retratar a condição humana o
conduziu à produção de obras-primas, como as séries sobre Serra Pelada, ou
Gênesis. A escolha do momento exato, a composição dos elementos, o eterno
antagonismo entre luz e sombra, todos esses fatores levaram as fotografias de
Salgado a um patamar sublime, equivalente à genialidade de Picasso ao pintar a
guerra espanhola em Guernica ou ao universo surreal de Dali.
Além de inestimável valor estético, a obra de
Sebastião Salgado expôs ao mundo uma mensagem poderosa — e atual. Na mais de
centena de países que visitou, o fotógrafo brasileiro revelou os extremos do
planeta. De um lado, trouxe a público cenários deslumbrantes da natureza,
tesouros muitas vezes ignorados ou destruídos pela lógica econômica contrária à
sustentabilidade. Do outro, denunciou a miséria a que são submetidos os
excluídos da sociedade, seja por causa das guerras, seja por causa da cobiça
que alimenta a busca pelo poder político ou pelo lucro incessante.
Paralelamente às imagens fantásticas que
produziu, Sebastião Salgado deixa um legado poderoso a favor do meio ambiente.
Um exemplo é o admirável trabalho desenvolvido pelo Instituto Terra, fundado
por ele e pela esposa, Lélia, com o plantio de 2,7 milhões de árvores e a
recuperação de 600 hectares de Mata Atlântica na região de Minas Gerais.
Salgado também registrou para a posteridade uma defesa veemente dos
trabalhadores sem-terra e dos povos originários, vítimas constantes dos
conflitos agrários que por décadas contaminam o país.
Por força da coincidência, Sebastião Salgado morreu na semana em que o Senado Federal aprovou projeto de lei extremamente controverso sobre licenciamento ambiental, a ponto de ser tachado de "golpe de morte" pela ministra Marina Silva. Infelizmente, o fotógrafo não estará na COP30, em Belém, para defender a sua dileta e tantas vezes retratada Amazônia. Mas é certo que as imagens reveladas por esse brasileiro fora de série ainda terão muito a dizer àqueles que têm a responsabilidade de manter o planeta habitável.
SOS Gaza!
O Povo (CE)
A pressão dos países tem a finalidade de
fazer com que Israel acelere o ritmo da entrada de suprimentos na região. Na
semana que passou, a ONU informou à BBC que 14 mil bebês poderiam morrer em 48
horas se o território não recebesse ajuda de forma imediata
São devastadoras as notícias e as imagens que
fazem parte do noticiário dos últimos dias expondo o agravamento do quadro
caótico e trágico que atinge Gaza e, principalmente, a população
infantil. A crise humanitária em Gaza se agravou profundamente nas últimas
semanas e tem provocado preocupação na comunidade internacional. A pressão dos
países tem a finalidade de fazer com que Israel acelere o ritmo da entrada de
suprimentos na região. Na semana que passou, a ONU informou à BBC que 14 mil
bebês poderiam morrer em 48 horas se o território não recebesse ajuda de forma
imediata.
Não há dúvidas de que se trata de uma crise
humanitária e de que é urgente que o mundo faça força para focar intensamente
no problema e elevar a pressão sobre o governo do primeiro-ministro de Israel,
Benjamin Netanyahu, a fim de que permita a assistência à população civil - em
especial às crianças. Israel bloqueou completamente a entrada de ajuda
humanitária em Gaza há cerca de 11 semanas. Nenhum alimento, combustível
ou remédio estava sendo autorizado a entrar em Gaza desde o começo do mês de
março. Essa situação é descrita pela ONU como um "preço desastroso" a
ser pago pela população palestina.
O país disse ter liberado envio de alimentos
aos palestinos a partir da semana passada. No entanto, a ONU e ONGs que atuam
no território afirmaram que os suprimentos que entraram têm sido insuficientes.
O risco de morte de mais crianças é evidente e vergonhoso para todo o mundo se
não houver uma mobilização forte para rever o bloqueio da entrada de ajuda
humanitária, determinado por Israel, na região palestina.
Benjamin Netanyahu declarou que a decisão de
permitir a entrada de uma quantia "mínima" de ajuda, depois de tanto
tempo de bloqueio a Gaza, foi consequência da pressão de aliados. Acrescentou
que os "maiores amigos de Israel no mundo" expressaram preocupação
com "imagens de fome em massa".
Segundo o governo de Israel, o bloqueio
objetiva pressionar o grupo terrorista Hamas, que mantém 58 reféns. Acredita-se
que até 23 deles estejam vivos. E acusa o Hamas de roubar ajuda
humanitária, o que o grupo nega. No meio desse catastrófico imbróglio, a
população está morrendo e passando por situações de extrema necessidade.
No meio disso, os palestinos já temem mais a
fome do que as bombas israelenses que caem em Gaza. A ONU registrou, na semana
que passou, crianças na Cidade de Gaza, no norte do território, esperando por
horas em longas filas para conseguir comida. As imagens são deploráveis.
É preciso que mais caminhões com suprimentos
sejam liberados para cruzar a fronteira da Faixa de Gaza e levar o mínimo de
dignidade à população que sofre com esse horror. O que foi liberado, por ora,
está longe de ser suficiente para a necessidade em que o povo está.
O mundo e os governos precisam se unir, neste momento crítico, para impedir que mais bloqueios ocorram, por deliberação de Israel, e que o povo seja alimentado e cuidado. É a mínima sensibilidade que se espera diante de um cenário de caos que é vivido em Gaza.
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