Jéssica Sant’Ana e Beatriz Olivon / Valor Econômico
Dados declarados por empresas beneficiadas em 2024 acendem alerta de ministério
O Ministério da Fazenda identificou que a
renúncia de arrecadação do governo federal devido a benefícios tributários
concedidos a setores da economia - chamada tecnicamente de gastos tributários -
deve ser maior do que os números que vinham sendo estimados pela Receita
Federal na peça orçamentária.
A situação, segundo técnicos da pasta, foi
evidenciada a partir da criação da Declaração de Incentivos, Renúncias,
Benefícios e Imunidades de Natureza Tributária (Dirbi), criada pela Receita
Federal em 2024, obrigando as empresas a declararem o quanto usufruem de
benefícios fiscais.
Há alguns exemplos que mostram essa subestimação, segundo tabela do governo obtida pelo Valor. No caso dos benefícios tributários para agricultura e agroindústria, as empresas declararam em 2024 terem usufruído de R$ 158,3 bilhões, enquanto o fisco esperava renúncia de R$ 58,9 bilhões. Para este ano, a previsão da Receita é de R$ 83 bilhões de gasto tributário com o setor, quase a metade do que as empresas usufruíram em 2024.
Mesma situação para a Zona Franca de Manaus,
em que é estimada renúncia de R$ 29,9 bilhões para este ano, mas em 2024 as
empresas declararam R$ 54,7 bilhões, enquanto o Orçamento do ano passado trouxe
previsão de renúncia de R$ 32,7 bilhões.
Mais um exemplo é o caso das empresas
participantes do Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da
Infraestrutura (Reidi), que declararam incentivos de R$ 5,8 bilhões com o
programa em 2024, número superior aos R$ 3,1 bilhões que constaram no anexo do
Orçamento de 2024.
Como estimativas para esses benefícios em
2025 estão abaixo do realizado em 2024, há um indicativo de que o impacto vai
estourar o previsto, segundo técnicos do governo.
Na segunda-feira (26), em um evento, o
ministro da Fazenda, Fernando Haddad, citou que a equipe econômica havia
descoberto uma “uma caixa preta no Orçamento federal de R$ 800 bilhões de
renúncia fiscal”.
Segundo uma fonte, seguramente a renúncia de
arrecadação federal devido a benefícios tributários chegará a R$ 800 bilhões
neste ano, podendo até mesmo passar. Na peça orçamentária de 2025, enviada pelo
governo ao Congresso Nacional em agosto de 2024, a Receita estimou que a
renúncia de arrecadação será de R$ 544,47 bilhões neste ano.
“Se essa informação prestada pelas empresas
for fidedigna, mostra que o custo dessa política é muito maior do que todo
mundo está imaginando”, afirma Manoel Pires, coordenador do Centro de Política
Fiscal e Orçamento Público do FGV/Ibre.
A equipe econômica tem conseguido projetar os
novos números devido à Dirb, uma declaração criada no ano passado pelo fisco
que obrigou as empresas a declararem quanto usufruem de benefícios tributários.
Atualmente, são 43 tipos de incentivos fiscais que precisam ser declarados, sob
pena de a empresa ser multada. A Dirbi, contudo, ainda não obriga que todos os
benefícios sejam declarados, enquanto os anexos de gastos tributários trazem
previsões para todas as políticas que levam à renúncia de receita.
Não se pode achar que a redução de gastos
tributários será a chave para o equilíbrio fiscal”
— Marcos Mendes
Os números que constam no demonstrativo de
gastos tributários do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) e no
Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) são estimativas feitas pela Receita
Federal. Segundo integrantes da equipe econômica, a Dirb tem demonstrado que
essas projeções estão subestimadas, porque o fisco tem a premissa de ser sempre
conservador em seus cálculos.
Pires, que também é professor da UnB e da FGV
EPPG, acredita que os números que vinham sendo calculados pelo fisco podem
estar mesmo subestimados. “Me parece que havia, na verdade, uma subestimação
disso, porque a Receita não vai a todas as empresas e tem certa dificuldade de
identificar como que o contribuinte está usando essas renúncias”, afirma.
Ele diz que, a partir das novas informações,
o governo poderá ter condições de averiguar se os contribuintes estão usando de
maneira adequada os benefícios. “Agora, com os dados por empresa, a Receita
pode cruzar dados para ver se tem alguma inconsistência e tentar fiscalizar
melhor, reduzir o volume dessas renúncias”, cita Pires.
O especialista destaca que, caso confirmado
que o volume de gastos tributários é maior do que o esperado, isso mostra o
tamanho do desafio fiscal do governo. “Esse dado da Dirbi tem um impacto
político enorme, porque mostra que as renúncias fiscais são muito maiores do
que estavam sendo estimadas e algumas chegam até a ser escandalosas, a ser
constrangedor o Congresso não ter condição de reverter nenhuma delas, que é o
que está acontecendo nessa disputa entre o Congresso e o Ministério da
Fazenda”, explica.
Marcos Mendes, pesquisador associado do
Insper, avalia que o detalhamento dos beneficiários dos gastos tributários
trazidos pela Dirbi é um importante instrumento de transparência para ajudar a
avaliar o custo dessas políticas públicas que reduzem a arrecadação federal. “A
redução dos gastos tributários é importante não só por uma questão de justiça e
equilíbrio fiscal, mas também para deixar de subsidiar atividades de baixa
rentabilidade e baixo retorno social, que derrubam a produtividade da economia”,
explica o pesquisador do Insper.
Contudo, ele pondera que o governo não pode
se ater somente à agenda de revisão de renúncias. “Não se pode achar que a
redução de gastos tributários será a chave para o equilíbrio fiscal. Primeiro,
porque a fonte primordial de desequilíbrio é o alto ritmo de crescimento da
despesa primária. Segundo, porque não há incentivo político suficiente para
reduzir os gastos se o objetivo for melhorar o resultado primário. Creio que só
teremos chances de reduzir os gastos tributários se houver a determinação de que
todo ganho fiscal daí decorrente se converterá em redução linear de impostos,
para todos. Aí haverá pressão política da sociedade para reduzir as renúncias”,
avalia Mendes.
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