quinta-feira, 29 de maio de 2025

Renúncia fiscal está subestimada, aponta Fazenda

Jéssica Sant’Ana e Beatriz Olivon / Valor Econômico

Dados declarados por empresas beneficiadas em 2024 acendem alerta de ministério

O Ministério da Fazenda identificou que a renúncia de arrecadação do governo federal devido a benefícios tributários concedidos a setores da economia - chamada tecnicamente de gastos tributários - deve ser maior do que os números que vinham sendo estimados pela Receita Federal na peça orçamentária.

A situação, segundo técnicos da pasta, foi evidenciada a partir da criação da Declaração de Incentivos, Renúncias, Benefícios e Imunidades de Natureza Tributária (Dirbi), criada pela Receita Federal em 2024, obrigando as empresas a declararem o quanto usufruem de benefícios fiscais.

Há alguns exemplos que mostram essa subestimação, segundo tabela do governo obtida pelo Valor. No caso dos benefícios tributários para agricultura e agroindústria, as empresas declararam em 2024 terem usufruído de R$ 158,3 bilhões, enquanto o fisco esperava renúncia de R$ 58,9 bilhões. Para este ano, a previsão da Receita é de R$ 83 bilhões de gasto tributário com o setor, quase a metade do que as empresas usufruíram em 2024.

Mesma situação para a Zona Franca de Manaus, em que é estimada renúncia de R$ 29,9 bilhões para este ano, mas em 2024 as empresas declararam R$ 54,7 bilhões, enquanto o Orçamento do ano passado trouxe previsão de renúncia de R$ 32,7 bilhões.

Mais um exemplo é o caso das empresas participantes do Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura (Reidi), que declararam incentivos de R$ 5,8 bilhões com o programa em 2024, número superior aos R$ 3,1 bilhões que constaram no anexo do Orçamento de 2024.

Como estimativas para esses benefícios em 2025 estão abaixo do realizado em 2024, há um indicativo de que o impacto vai estourar o previsto, segundo técnicos do governo.

Na segunda-feira (26), em um evento, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, citou que a equipe econômica havia descoberto uma “uma caixa preta no Orçamento federal de R$ 800 bilhões de renúncia fiscal”.

Segundo uma fonte, seguramente a renúncia de arrecadação federal devido a benefícios tributários chegará a R$ 800 bilhões neste ano, podendo até mesmo passar. Na peça orçamentária de 2025, enviada pelo governo ao Congresso Nacional em agosto de 2024, a Receita estimou que a renúncia de arrecadação será de R$ 544,47 bilhões neste ano.

“Se essa informação prestada pelas empresas for fidedigna, mostra que o custo dessa política é muito maior do que todo mundo está imaginando”, afirma Manoel Pires, coordenador do Centro de Política Fiscal e Orçamento Público do FGV/Ibre.

A equipe econômica tem conseguido projetar os novos números devido à Dirb, uma declaração criada no ano passado pelo fisco que obrigou as empresas a declararem quanto usufruem de benefícios tributários. Atualmente, são 43 tipos de incentivos fiscais que precisam ser declarados, sob pena de a empresa ser multada. A Dirbi, contudo, ainda não obriga que todos os benefícios sejam declarados, enquanto os anexos de gastos tributários trazem previsões para todas as políticas que levam à renúncia de receita.

Não se pode achar que a redução de gastos tributários será a chave para o equilíbrio fiscal”

— Marcos Mendes

Os números que constam no demonstrativo de gastos tributários do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) e no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) são estimativas feitas pela Receita Federal. Segundo integrantes da equipe econômica, a Dirb tem demonstrado que essas projeções estão subestimadas, porque o fisco tem a premissa de ser sempre conservador em seus cálculos.

Pires, que também é professor da UnB e da FGV EPPG, acredita que os números que vinham sendo calculados pelo fisco podem estar mesmo subestimados. “Me parece que havia, na verdade, uma subestimação disso, porque a Receita não vai a todas as empresas e tem certa dificuldade de identificar como que o contribuinte está usando essas renúncias”, afirma.

Ele diz que, a partir das novas informações, o governo poderá ter condições de averiguar se os contribuintes estão usando de maneira adequada os benefícios. “Agora, com os dados por empresa, a Receita pode cruzar dados para ver se tem alguma inconsistência e tentar fiscalizar melhor, reduzir o volume dessas renúncias”, cita Pires.

O especialista destaca que, caso confirmado que o volume de gastos tributários é maior do que o esperado, isso mostra o tamanho do desafio fiscal do governo. “Esse dado da Dirbi tem um impacto político enorme, porque mostra que as renúncias fiscais são muito maiores do que estavam sendo estimadas e algumas chegam até a ser escandalosas, a ser constrangedor o Congresso não ter condição de reverter nenhuma delas, que é o que está acontecendo nessa disputa entre o Congresso e o Ministério da Fazenda”, explica.

Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper, avalia que o detalhamento dos beneficiários dos gastos tributários trazidos pela Dirbi é um importante instrumento de transparência para ajudar a avaliar o custo dessas políticas públicas que reduzem a arrecadação federal. “A redução dos gastos tributários é importante não só por uma questão de justiça e equilíbrio fiscal, mas também para deixar de subsidiar atividades de baixa rentabilidade e baixo retorno social, que derrubam a produtividade da economia”, explica o pesquisador do Insper.

Contudo, ele pondera que o governo não pode se ater somente à agenda de revisão de renúncias. “Não se pode achar que a redução de gastos tributários será a chave para o equilíbrio fiscal. Primeiro, porque a fonte primordial de desequilíbrio é o alto ritmo de crescimento da despesa primária. Segundo, porque não há incentivo político suficiente para reduzir os gastos se o objetivo for melhorar o resultado primário. Creio que só teremos chances de reduzir os gastos tributários se houver a determinação de que todo ganho fiscal daí decorrente se converterá em redução linear de impostos, para todos. Aí haverá pressão política da sociedade para reduzir as renúncias”, avalia Mendes.

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